Superlotação nos ônibus, trens e metrôs, aliada ao descuido dos usuários quanto às medidas protetivas, pode facilitar a disseminação do coronavírus
Com 100% da população adulta da capital paulista já vacinada – o que corresponde a 9 milhões de pessoas – e 60,9% já tendo tomado a dose de reforço contra a COVID-19, uma certa sensação de segurança em relação ao coronavírus talvez ajude a explicar o comportamento de muitas pessoas que desrespeitam os já conhecidos protocolos de combate ao vírus, como o uso de máscaras, higienização das mãos e evitar aglomerações. E não é difícil constatar o descumprimento desses protocolos sanitários: basta utilizar os transportes públicos, superlotados em alguns horários, para observar o descuido de usuários e a falta de ação dos órgãos responsáveis para assegurar, por exemplo, um mínimo distanciamento entre as pessoas.
Na última semana, a reportagem do jornal O SÃO PAULO realizou alguns percursos de ônibus, trem e metrô para observar essa realidade e conversou com usuários, motoristas, cobradores e agentes de segurança.
‘EU NÃO TENHO OUTRA OPÇÃO’
O auxiliar de limpeza Wilson de Oliveira, 51, mora no Jardim Novo Pantanal, no extremo da zona Sul da capital. Cinco vezes por semana, duas vezes por dia, ele utiliza ônibus, trem e metrô. Para chegar ao terminal de ônibus Santo Amaro, por volta das 6h, ele embarcou em um ônibus cheio e aguardava por outro em direção ao bairro Jardim Caravelas, local de trabalho daquela segunda-feira, 14.
A cada dia, Oliveira trabalha em um bairro diferente. O terminal é o ponto de acesso para o sistema de transporte da cidade. Ele e a família já foram contaminados pela COVID-19 e estão com ciclo vacinal completo.
“Eu não tenho outra opção de transporte. Fiquei quase um ano desempregado e preciso trabalhar. Os transportes públicos, além de serem caros, não oferecem segurança. Não existe distanciamento. As pessoas não respeitam, e eu nunca vi higienização dos ônibus”, assegura Oliveira, que demonstra preocupação em ser contaminado novamente com o coronavírus.
E A MÁSCARA?
Enquanto usuários aguardam o embarque nos ônibus com máscaras no queixo e sem distanciamento na plataforma, avisos sonoros quase inaudíveis alertam para o uso obrigatório delas. Nos telões, há informações sobre o coronavírus e dicas de prevenção.
Motoristas e cobradores relatam que muitos usuários não obedecem à exigência do uso de máscara ou a usam de forma inadequada. Esse comportamento é visível e não existe um critério para o tipo de máscara a ser utilizado.
“Avisos e alertas aos cuidados e protocolos sanitários estão para todos os lados, mas muitos não obedecem, e quando chamamos a atenção, somos xingados”, desabafou um motorista que não quis ser identificado.
Dalvina Rodrigues, 46, desloca-se do Jardim São Luiz, na zona Sul, para a zona Oeste três vezes por semana. O trajeto é feito de ônibus e de metrô. Ela se considera protegida pelas duas doses da vacina e, por isso, avalia que o uso das máscaras não deveria ser obrigatório, uma vez que a maioria das pessoas já está imunizada.
Já Valdirene dos Santos, que utiliza duas conduções para chegar ao trabalho na região de Santo Amaro, diz não se sentir segura, mesmo estando com a imunização completa contra a COVID-19: “Não vejo higienização dos ônibus e observo que o risco de ser contaminada é muito alto. Os ônibus saem cheios dos bairros. Nem parece que estamos enfrentando uma pandemia”.
Em alguns terminais da cidade, como o de Santo Amaro, Pinheiros e Barra Funda, a reportagem constatou que não é realizada a higienização dos ônibus no intervalo entre o desembarque e o embarque de passageiros. Também foi observado que os ônibus dos bairros aos terminais estão sempre cheios nos horários de pico, e as pessoas ficam aglomeradas nas plataformas de acesso aos ônibus, trens e metrô.
INCERTEZAS SOBRE A CORRETA VENTILAÇÃO
A maioria dos ônibus, principalmente os articulados, possui sistema de ar-condicionado e poucos têm janelas abertas na lateral. De acordo com o engenheiro Leonardo Cozac, diretor da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar-Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava) e presidente do Plano Nacional de Qualidade do Ar Interno (PNQAI), em qualquer ambiente fechado, com ou sem ar-condicionado, é necessária a renovação do ar: “Nós somos seres contaminantes. Liberamos micro-organismos, e a qualidade do ar precisa dos mesmos cuidados que temos com os alimentos”, alerta.
Cozac e Constantino Mehlmann, também engenheiro e vice-presidente da Abrava, explicam que o sistema de ar dos transportes difere dos comuns, a exemplo do split utilizado em espaços menores que não possuem filtros. O sistema adotado nos transportes é central e possui diversos filtros que ajudam na renovação do ar. Eles ressaltam que a manutenção correta do ar-condicionado é essencial para diminuir o contágio nos transportes públicos.
Os engenheiros explicam que os ônibus, trens e metrôs possuem mecanismos de insuflamento forçado de ar. Por meio de dutos e ventiladores, o sistema extrai e conduz o ar externo para a máquina que o resfria, devolvendo-o em seguida para o ambiente interno. Essa mistura de ar precisa ser filtrada com frequência em razão das inúmeras partículas, pólen e outros agentes. Nos transportes coletivos, os equipamentos filtram e mantêm mais tempo as partículas virais circulando, o que explica a importância da higienização periódica.
Cozac e Mehlmann comentam que a correta manutenção destes sistemas de ar não previne somente do contágio por COVID-19, mas por outros vírus de transmissão aérea nocivos à saúde.
No fim de janeiro, um estudo feito pela Sociedade Brasileira de Controle de Contaminação (SBCC), feito a pedido da empresa de comunicação CNN, apontou que os transportes públicos impulsionaram a disseminação da variante ômicron do coronavírus no Brasil.
Uma das principais razões apresentadas pelo estudo é que a taxa de renovação de ar no interior de ônibus, trens e metrôs é insuficiente para a eliminação das gotículas contaminadas pelo vírus. Um dos exemplos do estudo é que, em um ônibus com 45 passageiros sentados e 50 em pé, deveriam ser injetados aproximadamente 243 litros de ar novo a cada segundo, mas a taxa de renovação de ar por segundo não passa de 100 litros.
A reportagem questionou alguns motoristas e cobradores de ônibus sobre a manutenção e renovação do ar no interior dos veículos. Alguns dizem que as empresas informam o que fazem, outros afirmam que nos primeiros anos da pandemia isso era realizado com frequência. Os funcionários afirmam não ter acesso às informações sobre a manutenção dos equipamentos nem a frequência com que ela ocorre.
‘NÃO EXISTE DISTANCIAMENTO’
Passava das 9h do dia 14 e a optometrista Karen de Almeida, que mora no Piqueri, zona Noroeste, aguardava a multidão subir as escadas rolantes no terminal Barra Funda. Essa é a forma que ela encontra para fugir das aglomerações nas estações de trem e de metrô para ir ao trabalho. Ela afirma que a cada dia os trens e as plataformas dos terminais estão mais cheios.
A técnica de enfermagem Joseline Silva, que mora no Capão Redondo, zona Sul, depende de um ônibus e três linhas do metrô para chegar ao trabalho, um itinerário que ela manteve mesmo nos períodos mais críticos da pandemia. “Não existe distanciamento, e os vagões do metrô estão sempre cheios. No início da pandemia, as pessoas respeitavam um pouco esse distanciamento. Agora, além de não respeitarem, tiram a máscara em qualquer lugar, comem, andam com a máscara no queixo ou com o nariz para fora. Eu ‘sinto vergonha alheia’ quando vejo alguém ser repreendido por motoristas e cobradores que pedem para as pessoas respeitarem o protocolo”, comentou Joseline, enquanto aguardava o metrô na estação Sé.
Ao longo do percurso realizado pela reportagem, foi observado que, além da forma inadequada da utilização das máscaras, dificilmente as pessoas higienizam as mãos com álcool em gel.
Todas as linhas do Metrô da capital possuem avisos sonoros, banners, vídeos no interior dos vagões e estações para orientar os passageiros, incluindo o des
taque para que as crianças também utilizem máscaras; no entanto, muitos pais não obedecem a tais normas e outros ainda as desconhecem. Os agentes de segurança, tanto da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) quanto do Metrô a todo momento abordam usuários dentro e fora dos vagões para pedir o uso das máscaras.
O QUE DIZEM OS ÓRGÃOS RESPONSÁVEIS?
A reportagem questionou a Secretaria de Transportes Metropolitanos (STM) referente às condições dos ter- minais e ônibus cheios e o descumpri- mento do protocolo sanitário, e sobre quais providências realiza para evitar as aglomerações. Não houve respostas até a finalização da reportagem.
Já a São Paulo Transporte S/A (SP- Trans) informou que a frota de ônibus sempre esteve acima da demanda durante toda a pandemia. Atualmente, a frota operacional é de 97,73% nos bairros mais afastados do centro e de 91,19% em toda a cidade, para uma demanda de 74% de pessoas em comparação com o período anterior à pandemia.
Com referência à transmissão da COVID-19, a SPTrans afirma que, nos transportes públicos, o inquérito sorológico realizado pela Prefeitura mostra que a proporção de pessoas infectadas que saem de casa para trabalhar ou realizar outras atividades essenciais é menor em relação a quem sai para locais e atividades não essenciais, independentemente do meio de transporte ou da forma de deslocamento. Também mencionou que o avanço da vacinação na cidade de São Paulo possibilitou que a população imunizada retomasse as atividades e a utilização do transporte público.
A SPTrans afirma também que adotou uma série de medidas preventivas em relação à COVID-19, como a higienização dos veículos e dos terminais, inclusive com equipamento automatizado, além do uso obrigatório de máscara no interior dos coletivos.
Com relação à renovação do sistema de ar-condicionado, a empresa assegura que atende à legislação e normas exigidas a padrões técnicos. O sistema conta com dupla filtragem do ar e deve assegurar, a cada três minutos, a troca do ar que circula no veículo conforme previsto em norma. Além disso, o equipamento passa por limpeza/higienização periódica, a cada cinco meses, de vários
NÃO SE DEVE DESCUIDAR DAS MEDIDAS PREVENTIVAS
No início de fevereiro, a Secretaria Municipal de Saúde detectou um caso da sublinhagem BA.2 da variante ômicron. A capacidade de contaminação da ômicron em um único dia pode colapsar não só o sistema de Saúde, mas ter impacto também nas atividades econômicas.
A cepa, embora apresente taxa de letalidade baixa, é altamente transmissível, e os transportes públicos contribuem para isso se todos os cuidados não forem tomados.
“Nada é tão eficaz quanto a vacina para nos proteger contra a COVID-19, mas é indispensável o uso de máscaras, testagem e a higienização dos transportes públicos. Do contrário, teremos ainda muitos transtornos”, diz o infectologista Hélio Bacha, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Bacha frisa que as novas variantes surgem pelo comportamento das pessoas, a exemplo das condições a que são expostos os trabalhadores paulistanos que obrigatoriamente utilizam os trans- portes públicos.
VAI DE TRANSPORTE PÚBLICO? ENTÃO NÃO SE ESQUEÇA!
- Use máscara de forma adequada, de preferência as cirúrgicas ou PFF2 e N95;
- Higienize as mãos sempre que sair do ônibus, metrô e trem. Nesses espaços, as pessoas sempre estão em contato com algumas superfícies, como, por exemplo, o corrimão das escadas;
- Se possível, espere por um ônibus ou vagão que esteja mais vazio;
- Ao desembarcar dos vagões do trem e do metrô, bem como do ônibus, aguarde alguns instantes para evitar aglomerações em locais como as escadarias dos terminais e estações. De igual modo, evite o uso de elevadores lotados;
- Mantenha uma distância de, no mínimo, um metro e meio das pessoas nas filas de embarque;
- Evite fazer refeições nos transportes públicos.
Existem tecnologias de biosegurança disponíveis para mitigar os riscos de contaminação no transporte público e privado testadas e aprovadas. Tecnologia está, já amplamente utilizada em prédios comerciais de referência no Brasil e no exterior.
Tecnologia PHI + REME.