Espaço no bairro da Mooca, mantido pela ONG Child Impact Brasil, vale-se de conversas lúdicas e atividades diversas para alertá-las contra abusadores, atos violentos e os perigos da internet

Nos limites entre a Mooca e o Cambuci, na zona Leste de São Paulo, um sobrado de aparência simples se transforma em um espaço de acolhida e aprendizado. Dele ecoam as vozes e sons da alegria das cerca de 80 crianças ali atendidas de segunda a sexta-feira em contraturno escolar.
Em seu interior, uma mesa de pebolim, logo na recepção, convida para brincar, pufes coloridos quebram a seriedade do ambiente e desenhos lúdicos estão espalhados pelas paredes. Nos degraus da escada, palavras como “respeito”, “colaboração” e “empatia” marcam o caminho até o segundo piso.
Este é o endereço da Child Impact Brasil, um braço da organização internacional que, desde 2023, atua na capital paulista com a missão de ser um caminho para crianças em situação de vulnerabilidade, combater a violência, o abuso sexual, o tráfico infantil e fortalecer os laços familiares.
A necessidade desse trabalho é traduzida em números. Segundo informações do painel do Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania, somente no estado de São Paulo, de janeiro a agosto de 2025, foram registradas mais de 50 mil denúncias de violência contra crianças e adolescentes, com mais de 17 mil casos na capital paulista.

UMA METODOLOGIA DO CUIDADO
Com mais de seis décadas de atuação em 20 países, a Child Impact trouxe para o Brasil uma abordagem que visa ao desenvolvimento integral das crianças, incluindo o físico, o intelectual, o emocional e o espiritual. O currículo vai além do reforço escolar, incluindo aulas de inglês, informática, culinária, jiu-jítsu e teatro. Para os adolescentes, o foco se expande para a capacitação profissional.
“A ONG é uma casa pra mim”, resume Isaac Alexandres, 12, que há dois anos frequenta o local. “Aqui, aprendi que não se pode agredir nem desrespeitar as pessoas. Aprendi a lidar com situações como o bullying, que é uma violência e pode causar sofrimento sério”, prosseguiu.
O trabalho de prevenção ao abuso é adaptado a cada idade. Para os pequenos de 6 a 8 anos, a linguagem é lúdica. “Usamos um sistema de sinais para o corpo: sinal vermelho para as partes íntimas, amarelo para as partes privadas”, explica Cintia Honorato, gerente de projetos.

Com os pré-adolescentes, as rodas de conversa abrem um espaço de confiança para que compartilhem suas vivências. Essa abordagem já deu resultados concretos: três denúncias foram formalizadas e encaminhadas, garantindo acompanhamento do Conselho Tutelar e de psicólogos para as vítimas.
Bianca Dantas, 12, conta que nas rodas de conversa aprendeu “sobre os direitos da criança, os sinais de violência, e as partes do corpo que não devem ser tocadas por qualquer pessoa”.
Elisabet de Sousa, 10, encontrou no jiu-jítsu e no diálogo uma nova forma de autodefesa. “Eu achava que tinha que revidar, mas aprendi que existe outro jeito, que não precisa bater”, diz a menina, que já sofreu agressões na escola.

AS MÃES: GUARDIÃS E ALIADAS
O impacto da organização reverbera nas famílias, especialmente nas mães. Rosana Batista da Costa é moradora da Mooca, e mãe da Sofia, 12, e do Rafael, 9. Com uma renda escassa como cuidadora de crianças, ela viu a filha se transformar. “Sofia era uma menina muito tímida e reservada. Com o tempo, começou a se abrir, a contar sobre suas experiências”, relata. A mudança foi notada também na escola, com a menina interagindo mais.
Rosana, que foi vítima de abuso na adolescência e não teve apoio familiar, vê na educação oferecida pela ONG uma ferramenta poderosa. Ela conta que o conhecimento adquirido na instituição ajudou Sofia a reconhecer e denunciar uma situação de abuso que ocorreu perto dela.

Jéssica Gonçalves, uma migrante paraguaia e comerciante, tinha grande preocupação com a dependência da filha, Jandy, 9, no uso do telefone celular: “Agora ela tem uma vida saudável, pratica várias atividades, como balé, algo que queria muito, e se tornou uma criança mais sociável”, conta. Por meio da ONG, a menina também frequenta o Clube da Mooca, onde pratica natação, algo que a mãe não teria condições de proporcionar.
Jéssica elogia a forma como a Child Impact Brasil aborda a educação sexual, ensinando sobre limites do corpo e prevenção. “Essa educação nos dá segurança e empodera as crianças. É como um livro que minhas amigas e eu não tivemos acesso”, reflete, associando a falta de informação à gravidez precoce e outras vulnerabilidades que marcaram sua geração.

DO VIRTUAL AO REAL: ENFRENTANDO NOVAS AMEAÇAS
Nas aulas de informática, a ONG aborda frontalmente os perigos da internet e a importância dos cuidados ao interagir em jogos e chats on-line. “A criança precisa viver a infância, precisa brincar dentro de um ambiente seguro e receber a educação necessária para seu crescimento em todas as áreas possíveis: psíquica, física, em todos os pilares da vida. E isso é crucial quando os pais, infelizmente, não têm acesso a essa proteção ou desconhecem meios para proteger seus filhos”, comenta Ismael Luiz Wallauer, do setor de desenvolvimento da Organização.
Outro ponto de atenção é o combate ao tráfico infantil, situação que a equipe no Brasil ainda não enfrentou, mas com o qual a Child Impact lida diariamente em todo o mundo.

PARCERIA COM AS FAMÍLIAS
O trabalho de proteção não se limita ao sobrado modesto da Mooca; ele se estende às famílias. A agente social Rosangela Vieira Soares conta que a instituição trabalha para ajudar as crianças a se desligarem do uso excessivo de celulares e redes sociais, implementando regras sobre o uso dos aparelhos durante as atividades e auxiliando os pais a colaborarem nesse processo.
Para fortalecer essa aliança, a ONG organiza o “Dia da Família”, uma atividade mensal com pais e responsáveis que aborda temas importantes. O próximo encontro será dedicado à defesa dos direitos das crianças na internet. “Nosso objetivo é conversar com os pais sobre a proteção dos filhos na internet, abordando temas como abuso e violência sexual. O evento contará com a participação de representantes do Conselho Tutelar para ajudar na conscientização, já que muitos pais podem não saber como proteger seus filhos ou identificar os perigos on-line”, reforça Rosangela.

ABRANGÊNCIA DOS TRABALHOS
Na América do Sul, a Child Impact também realiza trabalhos em países como Colômbia e Peru, sempre com a ideia de fortalecer o debate acerca da exploração e o tráfico de pessoas, com vistas a empoderar crianças com educação, cuidado e recursos para um futuro digno.
No Brasil, além da capital paulista, o estado do Amazonas recebe os serviços da organização, que lá oferece apoio psicológico, social e de saúde a crianças na cidade de Barreirinha, alcançando comunidades indígenas e ribeirinhas. Em regiões de difícil acesso, o projeto realiza oficinas de prevenção ao abuso sexual, capacita profissionais da área da educação e promove ações de inclusão social para combater o abuso e levar acolhimento.
Conheça mais sobre os trabalhos por meio do Instagram (@childimpactbrasil).