A Ecologia Integral, temática tratada na Campanha da Fraternidade de 2025, “supõe uma inter-relação entre o Criador e toda a criação, na qual o ser humano deveria se destacar como protagonista no cuidado, pois coube a ele a missão de guardião responsável da Casa Comum. Em uma cosmovisão integradora, não se separa o ambiental, o antropológico e o teológico” (texto-base da CF 2025, 46).
Por essa razão, além de lançar luzes sobre as circunstâncias que impedem a plena vivência da Ecologia Integral e propor ações âmbito pessoal, comunitário e social para superá-las, a CF 2025 aborda a temática a partir de uma fundamentação teológica, uma vez que para os cristãos “a Ecologia Integral também é espiritual. Professamos, com alegria e gratidão, que Deus criou tudo com Seu olhar amoroso. Todos os elementos materiais são bons, se orientados para a salvação dos seres” (CF 12).
O texto-base da Campanha apresenta reflexões inspiradoras dos Santos Padres da Igreja, escritores dos primeiros séculos da Era Cristã que, embora não tenham lidado com problemas como o aquecimento global e a degradação dos biomas, “deixaram para nós afirmações que demostram não somente um respeito profundo pela natureza, mas também uma consciência de interdependência entre os seres humanos e as demais criaturas de Deus” (CF 95).
A seguir, o jornal O SÃO PAULO apresenta uma síntese de tais reflexões, mencionadas entre os pontos 96 e 101 do texto-base da CF 2025.

SÃO CLEMENTE
(SÉCULO I DA ERA CRISTÃ)
Em uma carta à Igreja de Corinto, Clemente – o 4º bispo de Roma, considerado um dos padres apostólicos por transmitir os ensinamentos que recebeu diretamente da pregação dos apóstolos de Jesus – comenta que os componentes do cosmos (universo) se comportam obedientes e humildes à lei do Criador, sendo, assim, exemplo à humanidade para uma vida pacífica e ordenada, que será benéfica à criação, à sociedade e à Igreja.
“Os céus, que se movem por Sua disposição, Lhe obedecem harmoniosamente. O dia e a noite realizam o curso que Ele estabeleceu (…). O sol, a lua e os coros dos astros giram harmoniosamente conforme Sua ordem (…). A terra, germinando conforme a vontade Dele, produz, nos devidos tempos, abundantíssimo sustento para os homens, as feras e todos os seres vivos que vivem sobre ela”.
SÃO CLEMENTE DE ALEXANDRIA
(SÉCULOS II E III)
Na obra Protréptico – termo de origem grega que significa “exortação” –, Clemente de Alexandria, que se dedicou à conversão dos pagãos, faz uma analogia entre a ordem estabelecida por Deus no universo e a harmonia existente no ser humano.
“O Logos (o Verbo) de Deus, que procede de Davi e existiu antes dele, depreciando a lira e a cítara, instrumentos sem alma, e uma vez tendo harmonizado pelo Espírito Santo este mundo e o microcosmo, que é o homem, sua alma e seu corpo, canta a Deus por meio do instrumento polífono e acompanha com o agente que é o homem. Pois tu é para mim citara, flauta e templo. Cítara por causa da harmonia, flauta por causa do espírito, templo por causa da razão, para que aquela vibre, a outra sopre e o outro faça um lugar ao Senhor”.
Este texto traz ao menos três ensinamentos: os seres humanos podem compreender melhor a si mesmos se cultivarem um olhar contemplativo e cuidadoso sobre como o universo é organizado e mantido; o homem precisa estabelecer com o universo uma inter-relação permanente por ser parte deste macrocosmo; e o Logos de Deus não somente a tudo criou, mas é, também, o organizador da harmonia do homem com o universo (cf. CF 97-98).


SANTO AMBRÓSIO
(SÉCULO IV)
Em Hexaémenon ou A obra dos seis dias, o Bispo de Milão indica que em uma mesma criatura coexistem o bem e o mal, o útil e o inútil, e apresenta os animais irracionais e as plantas como “pedagogos” deixados pelo Criador para o aprendizado humano.
“A natureza tem, pois, esta capacidade: as coisas que são terríveis para alguns, para outros são débeis (…) O leão, certamente rei dos animais, é atormentado pelo pequeno ferrão do escorpião, e morre com o veneno da serpente (…) E ninguém censura que o criador da serpente tenha misturado às suas criaturas mais outras espécies de animais e plantas venenosas. Estas plantas nasceram para a nossa correção, não para nossa deformação”.
Assim, “ao poder e à grandeza, Ambrósio honrou a pedagogia divina presente em sua natureza criada, colocada a serviço da correção dos seres humanos por animais e plantas que, a princípio, poderiam parecer prejudiciais e nocivos, sendo, ao contrário, úteis e saudáveis para aquele fim… todos os seres do cosmos, desde o aparentemente mais inútil ao mais nocivo, do mais inofensivo ao mais venenoso, são necessários no conjunto total das criaturas, fornecendo-lhe equilíbrio e harmonia” (CF 99).
SÃO BASÍLIO MAGNO
(SÉCULO IV)
Na obra Aos Jovens, o Bispo da Cesareia valeu-se do exemplo de vida das abelhas para explicar aos jovens o porquê de estudarem conteúdos de origem pagã, repletos de elementos da mitologia greco-romana.
“Das flores, contentamo-nos em apreciar suas cores e sentir seu perfume; no entanto, as abelhas delas extraem a substância para produzir o mel. Do mesmo modo, aqueles que nas suas leituras não procuram unicamente o prazer poderão extrair coisas muito úteis para o espírito… após colher nesses livros tudo aquilo que é precioso para o conhecimento da verdade, abandonaremos o resto”.


SANTO AGOSTINHO
(SÉCULOS IV E V)
Em De Genesi adversus Manichaeos (Comentário ao Gênesis contra os Maniqueus), este Doutor da Igreja fala sobre o domínio que o Criador outorgou ao ser humano sobre os animais, para que fosse capaz de domá-los, ao mesmo tempo em que cada homem e cada mulher deve manter o controle sobre as próprias paixões e os movimentos de sua alma.
“Quando diz depois, na ordem dirigida aos primeiros pais, ‘Dominai os peixes do mar, os pássaros do céu e todos os répteis que rastejam sobre a terra’ [Gn 1,28], sem falar da interpretação segundo a qual é claro que o homem pode dominar todos estes animais com a razão, se pode interpretar convenientemente também em sentido figurado, isto é, aquele de manter sob o nosso domínio todas as paixões e movimentos da alma, que possuímos semelhantes àqueles animais, e dominá-los com a temperança e moderação”
Nesse mesmo livro, Santo Agostinho ressalta a semelhança que existe entre as criaturas de Deus e a sintonia entre todos os membros do universo, e que o motivo de tal semelhança é justamente a Sabedoria divina (cf. CF 100).