
Vatican Media
Convidado para fazer o principal discurso na celebração dos 80 anos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Papa Leão XIV proferiu palavras fortes diante de autoridades internacionais: “É necessário – e profundamente triste – mencionar que, apesar dos avanços tecnológicos, científicos e produtivos, 673 milhões de pessoas no mundo vão para a cama sem comer”.
O evento, realizado na sede da organização em Roma, na quinta-feira, 16, também marcou a Jornada Mundial da Alimentação.
A fome não é um fenômeno que acontece por acaso, alertou, “mas o sinal evidente de uma insensibilidade dominante, de uma economia sem alma, de um modelo de desenvolvimento questionável e de um sistema de distribuição de recursos injusto e insustentável”.
E o Santo Padre continuou: “Não podemos nos limitar a proclamar valores. Devemos encarná-los. Os slogans não tiram ninguém da miséria.” É urgente superar um modelo político que “substitui a pessoa pelo lucro”, disse. “Não basta invocar a solidariedade: é preciso garantir a segurança alimentar, o acesso aos recursos e o desenvolvimento rural sustentável.”

A FOME COMO ARMA
Leão XIV fez uma dura crítica ao desperdício de alimentos: “Como podemos continuar tolerando que enormes toneladas de alimentos sejam desperdiçadas enquanto multidões de pessoas se esforçam para encontrar no lixo algo para colocar na boca?”
Ele também apontou para situações em que a forme é usada como arma em conflitos entre os povos, e para o controle das populações por parte de governos autoritários. “Os cenários dos conflitos atuais fizeram ressurgir o uso dos alimentos como arma de guerra”, disse.
“Parece cada vez mais distante o consenso expresso pelos Estados que considera a fome deliberada um crime de guerra, assim como o ato de impedir intencionalmente o acesso a alimentos por comunidades ou povos inteiros”, criticou, sem mencionar, porém, casos específicos. “O direito internacional humanitário proíbe, sem exceção, atacar civis e bens essenciais à sobrevivência das populações.”

AÇÕES PARTILHADAS, MAIS DO QUE PALAVRAS
O Papa questionou a comunidade internacional sobre a falta de priorização para resolver o problema da fome. Uma maior colaboração entre diferentes partes poderia tornar ações, cujas necessidades são já conhecidas, mais eficazes.
Ele fez uma defesa do multilateralismo, recordando que no mundo de hoje decisões autocráticas não são capazes de se sobrepor à interconexão entre as nações.
“Torna-se, portanto, mais necessário – mais necessário do que nunca – repensar com coragem as formas de cooperação internacional”, disse ele. “Não se trata apenas de identificar estratégias ou elaborar longos diagnósticos. O que os países mais pobres aguardam com esperança é que sua voz seja ouvida sem filtros, que suas carências sejam realmente conhecidas e que lhes seja oferecida uma oportunidade, de modo que sejam considerados na hora de resolver seus verdadeiros problemas”.
O Pontífice afirmou, ainda, que soluções pensadas em “escritórios distantes” não são superiores “às culturas ancestrais, tradições religiosas ou costumes profundamente enraizados na sabedoria dos mais velhos” nos países mais necessitados de ajuda. Ele destacou, ainda, como muitas vezes as mulheres são as principais responsáveis por prover as necessidades básicas nas comunidades. “Somente unindo nossas mãos, poderemos construir um futuro digno, no qual a segurança alimentar se reafirme como um direito e não como um privilégio”, acrescentou o Papa.