“A Igreja proclama a igual dignidade de todos os seres humanos, independentemente da sua condição de vida ou das suas qualidades”, diz o novo documento do Dicastério para a Doutrina da Fé, Dignitatis infinita (“Dignidade infinita”), publicado na segunda-feira, 8.
Em sua essência, o documento afirma que a dignidade humana é “infinita” e “inalienável”, ou seja, nenhuma circunstâ̂ncia pode eliminá-la. Uma afirmação que pode parecer óbvia, mas, conforme o texto, continua sendo contrastada por diferentes situações no mundo atual.
Assinado pelo Prefeito do Dicastério, o Cardeal Víctor Manuel Fernández, e pelo Secretário, Monsenhor Armando Matteo, o texto foi revisado e autorizado pelo Papa Francisco. Oficialmente, é uma “declaração”, o que lhe dá um valor doutrinal bastante elevado – entrando para o magistério da Igreja no atual pontificado. O Dicastério para a Doutrina da Fé, no Vaticano, tem a missão de orientar e regulamentar o ensinamento da Igreja em questões de fé e moral, em nome do Pontífice.
O documento diz que é possível chegar à ideia de “dignidade humana” somente por meio de uma reflexão racional – há 75 anos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos chegou a essa conclusão. Entretanto, a Igreja insere nessa reflexão um elemento a mais, o transcendente. A dignidade humana, diz o texto, é “ontológica”, pois o homem e a mulher “foram criados à imagem e semelhança de Deus” e “redimidos em Cristo Jesus”. Em outras palavras, trata-se não só de um princípio fundamental concreto, mas de um princípio de fé.
“Desde o início da sua missão, impelida pelo Evangelho, a Igreja se esforçou para afirmar a liberdade e para promover os direitos de todos os seres humanos. Nos últimos tempos, graças à voz dos Pontífices, desejou formular mais explicitamente tal empenho por meio do renovado apelo pelo reconhecimento da dignidade fundamental que corresponde à pessoa humana”, diz a declaração, que cita o magistério de Papas anteriores, entre eles São Paulo VI, São João Paulo II e Bento XVI.
A declaração também apresenta uma perspectiva bíblica, recuperando passagens que justificam o princípio fundamento da dignidade humana. Cita ainda alguns aspectos históricos da Filosofia e da Antropologia sobre esse mesmo conceito.
À luz da Criação do ser humano, e da Encarnação e Ressurreição de Cristo, “a Igreja crê e afirma que todos os seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus e recriados no Filho feito homem, crucificado e ressuscitado, são chamados a crescer sob a ação do Espírito Santo para refletir a glória do Pai, naquela mesma imagem, participando da vida eterna”, acrescenta o texto.
QUATRO DIMENSÕES
A dignidade humana pode ser observada por meio de quatro ângulos: ontológico, moral, social e existencial, de acordo com a Dignitatis infinita. O documento insiste que a “dignidade ontológica” é a mais elementar, a base para que se concretize as outras, pois toda pessoa é portadora da dignidade “pelo simples fato de existir e de ser querida, criada e amada por Deus”. Mais uma vez, “esta dignidade não pode jamais ser cancelada e permanece válida para além de toda circunstância em que os indivíduos venham a se encontrar”.
Já as outras três dimensões da dignidade são formas práticas da dignidade. A “moral” refere-se ao exercício da liberdade humana: uma pessoa às vezes se comporta de forma “indigna”, incompatível com sua dignidade intrínseca. A “dignidade social” se refere às estruturas da sociedade, a “condição humana”, que pode ser indigna em muitas situações. Por fim, a “dignidade existencial”, muito ameaçada nos nossos tempos. São situações em que “aparentemente tendo todo o necessário para viver, por diversas razões [a pessoa] tem dificuldade de viver em paz, com alegria e esperança”, diz o texto. Pode se referir a doenças do corpo e da mente, por exemplo.
VIOLAÇÕES DA DIGNIDADE HUMANA
O respeito à dignidade humana, esta deve ser incondicional, diz a declaração do Dicastério para a Doutrina da Fé. Em sua segunda parte, reflete-se sobre o que se considera ser “graves violações” da dignidade nos tempos atuais. São eles:
- O drama da pobreza
- A guerra
- O sofrimento dos migrantes
- O tráfico de pessoas
- Abusos sexuais
- A violência contra as mulheres
- Aborto
- Maternidade por substituição (no Brasil conhecida como “barriga de aluguel”)
- Eutanásia e suicídio assistido
- O descarte das pessoas com deficiência
- Ideologia de gênero
- Mudança de sexo
- Violência digital
VALOR INFINITO
Durante a apresentação do documento, na Sala de Imprensa da Santa Sé, o Cardeal Víctor Fernández explicou que embora “alguém possa viver uma vida de forma mais ou menos digna, não perde jamais a dignidade humana que possui, em virtude do fato de ser humano”. Os outros “podem me submeter a uma vida indigna, mas nunca podem me tirar a minha dignidade humana”. A dignidade de cada pessoa “é a mesma, imensa e inalienável” para todos.
Ele criticou o fato de que, em nossas sociedades, algumas pessoas são tratadas como se tivessem mais dignidade do que outras. “Não é verdade que todos nascem com as mesmas possibilidades e sejam reconhecidos com a mesma dignidade”, disse, referindo-se à encíclica Fratelli tutti, do Papa Francisco. “Por causa da nossa dignidade, temos o direito de ser felizes, de buscar ser felizes”, disse o Cardeal. “Deus nos ama além de tudo, apesar de tudo.”
“Chegamos a considerar como título desse documento a expressão ‘Além de qualquer circunstância’”, revelou. “Mas certa vez, São João Paulo II encontrou um grupo de pessoas com deficiência e disse que Deus ama cada uma dessas pessoas com ‘amor infinito’. Naquele momento, ele olhava os rostos de pessoas cheias de limites, frequentemente desprezadas, e disse: ‘Vocês têm um valor infinito’. Esse é o nome do documento”, justificou.