
Escutar, discernir e iniciar processos de transformações cultural e estrutural que respondam aos desafios enfrentados pelas famílias nas periferias, especialmente na América Latina e no Caribe, bem como renovar o compromisso da Igreja em defesa da vida e da família. Esses foram os propósitos do Encontro Jubilar e Sinodal para o Discernimento Esperançoso sobre o Futuro da Vida e da Família, realizado em Roma, entre os dias 17 e 19, em método sinodal, com a participação de representantes de centros de formação de Doutrina Social da Igreja na América Latina e no Caribe, e convidados da América do Norte, África e Europa.
A organização foi da Rede Latino-Americana e Caribenha de Pensamento Social da Igreja (Redlapsi), Pontifício Instituto Teológico João Paulo II, Pontifícia Comissão para a América Latina, Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam) e Pontifícia Academia para a Vida, com o apoio do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, Cáritas da América Latina e do Caribe, e Confederação Latino-Americana de Religiosos(CLAR).

OLHAR AMPLIFICADO PARA A REALIDADE
Em entrevista ao site ADN Celam, Dom Lizardo Estrada, Secretário-geral do conselho episcopal, ressaltou que diante dos males que afetam as famílias e da globalização da indiferença, da incerteza, do desamparo, os cristãos têm a oferecer-lhes sua proximidade, humanidade e os valores do Evangelho.
“Todos estamos chamados a cuidar da família como santuário de vida, essa Igreja doméstica que protege o futuro dos nossos povos, dos jovens e da humanidade”, enfatizou Dom Lizardo, apontando ser fundamental “falar da família e da vida em um sentido amplo, mas sempre a partir do Evangelho, da espiritualidade e do pensamento social da Igreja”.
Ao término do encontro, os organizadores informaram à imprensa que os participantes “acordaram elaborar estratégias em comum para enfrentar os grandes desafios do cuidado da vida, mas também os desafios culturais e estruturais em um mundo em crise. Analisou-se a necessidade de estudar a família como uma instituição de aprendizado que exige argumentos e propostas significativas e válidas para a vida atual”.
Uma das propostas é a de que haja “instâncias de formação específicas para que representantes das Igrejas locais possam fortalecer seus conhecimentos para atuar, compreendendo a multiplicidade de fatores que causam estresse na vida e na família”.

AMEAÇAS REAIS À DIGNIDADE DA FAMÍLIA
Na conclusão do encontro, na sexta-feira, 19, os participantes foram recebidos em audiência pelo Papa Leão XIV, que lhes apresentou uma reflexão sobre jubileu, esperança e família.
Ao recordar o sentido de retorno à terra para o termo “jubileu” no Antigo Testamento (cf. Lv 25), o Pontífice disse que também agora há o chamado para “retornar ao centro da nossa vida, ao próprio Deus, ao Deus de Jesus Cristo”, sem esquecer-se das raízes da fé cultivadas ao longo do tempo nas famílias e comunidades, nas quais “aprendemos que Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida (cf. Jo 14,6)”. Disse, ainda, que este Jubileu da Esperança é “um caminho de encontro com a Verdade, que é o próprio Deus”.
Nesse sentido, o Pontífice comentou ser imprescindível atentar-se ao perigo de “basear a nossa vida nas seguranças humanas e nas expectativas mundanas” e lembrou – citando a exortação apostólica Amoris laetitia (n.44-46) – que não se pode desconsiderar as“ameaças reais à dignidade da família, como, por exemplo, os problemas relacionados à pobreza, à falta de trabalho e de acesso aos sistemas de saúde, os abusos contra os mais vulneráveis, as migrações e as guerras”.

‘UM DOM E UMA TAREFA’
Leão XIV destacou que as instituições públicas e a Igreja devem buscar promover o diálogo e fortalecer os elementos da sociedade que favorecem a vida familiar e a educação de seus membros: “Nesse contexto, podemos compreender a família como um dom e uma tarefa. É crucial fomentar a corresponsabilidade e o protagonismo das famílias na vida social, política e cultural, promovendo sua valiosa contribuição na comunidade”, para ser “Igreja doméstica e lar em que arde o fogo do Espírito Santo, se espalhe seu calor, seus dons e experiências para o bem comum, e convide todos a viver a esperança”.
“Sejam nossas famílias esse canto silencioso de esperança, capaz de difundir com sua vida a luz de Cristo ‘para que a alegria do Evangelho chegue até aos confins da terra e nenhuma periferia seja privada da sua luz’ (cf. Evangelli gaudium 288)”, exortou o Pontífice, confiando os participantes à intercessão da Sagrada Família, “modelo perfeito que Deus oferece como resposta ao grito desesperado de ajuda a tantas famílias. Ao imitá-la, nossos lares serão tochas vivas da luz de Deus”.

ENTENDER A FAMÍLIA À LUZ DA DSI
Entre os convidados do evento estiveram o Padre Boris Agustín Nef Ulloa, Diretor da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção da PUC-SP, e a professora Rosana Manzini, docente na área da Doutrina Social da Igreja.
Ao O SÃO PAULO, Padre Boris afirmou que os temas abordados trataram questões que afetam diretamente as famílias, principalmente nas periferias e no sul global: “As ameaças estão entrelaçadas, se alimentam reciprocamente. Destacaria a questão do trabalho, a falta de emprego ou o trabalho escravo ou semiescravo; e, ainda, o trabalho infantil ou a questão do trabalho escravo no campo ou na cidade. Os baixos salários ou a impossibilidade das aposentadorias pela falta ou precariedade do sistema de prevenção social tornam a questão do trabalho um elemento central”.
Questionado sobre como a Igreja pode estar mais próxima das famílias impactadas por essas realidades, Padre Boris avaliou que uma das contribuições está em difundir e dar a conhecer a Doutrina Social da Igreja (DSI), apoiar e sustentar as pastorais sociais e formar lideranças laicas que estejam à altura dos desafios atuais.

O Diretor da Faculdade de Teologia lembrou, ainda, que a formação humana dos futuros presbíteros deve ser integral, para que entendam que a defesa e promoção da vida e da família “não pode ser pensada somente sob o aspecto dogmático ou da teologia da moral sexual, mas deve ser ampla, abranger todos os campos que atingem a vida das famílias: econômico, político, ambiental, cultural, educativo, legislativo etc”.
“Analisar essa complexa realidade, debatê-la e identificá-la, à luz da Doutrina Social da Igreja, é abandonar uma certa ingenuidade de que basta conhecer moral sexual e direito canônico que a vida e a família estarão garantidas”, ressaltou Padre Boris.
Apontamento similar foi feito pela teóloga argentina Emilce Cuda, Secretária da Pontifícia Comissão para a América Latina, em entrevista ao site Religión Digital, às vésperas do evento: “Geralmente, a abordagem [sobre a vida e a família] é feita a partir da perspectiva da bioética, mas aqui é abordada a partir da perspectiva do conflito social”, disse, mencionando questões que impactam as famílias como a dívida pública, migrações forçadas e a baixa qualidade da educação.
(Com informações de ADN Celam, Vatican News e Religión Digital)