Documento foi publicado pelo Papa Bento XVI em 30 de setembro de 2010
Há dez anos, foi publicada a exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini, escrita por Bento XVI após a 12ª Assembleia Geral Ordinária dos Bispos sobre a “Palavra de Deus na vida e missão da Igreja”.
Em três grandes partes, o documento desenvolve pontos essenciais trazidos pelos bispos participantes do sínodo. A primeira delas, intitulada Verbum Dei, procura esclarecer a natureza, a origem e a interpretação da Palavra de Deus e como o homem pode responder a ela. A segunda parte, Verbum in Ecclesia, explicita a necessidade de a Palavra de Deus fazer-se viva no seio da Igreja, por meio da ação do Espírito Santo, principalmente na liturgia e na celebração dos sacramentos. A terceira e última parte, Verbum Mundo, enuncia o necessário anúncio da Palavra de Deus a todos os povos e culturas e que brota de uma autêntica vivência e intimidade com ela.
A base das reflexões do Papa é o prólogo do Evangelho de São João, que relata a eternidade do Verbo e sua Encarnação, pontos centrais para uma profunda compreensão da Palavra.
Verbum Dei
Na primeira parte do documento, o Papa esclarece o sentido analógico da Palavra de Deus, que não pode ser compreendida apenas como os textos contidos nas Sagradas Escrituras. Antes de adquirir esse sentido, Palavra ou Verbo de Deus significa a Segunda Pessoa da Trindade, o Verbo eterno de Deus, pelo qual tudo foi criado, o que é expresso logo no início do Evangelho de São João.
Essa palavra única e irrepetível de Deus, entretanto, pôs-se em diálogo com o homem de diversas maneiras, compondo, assim, “um cântico a diversas vozes”. A primeira dessas vozes é a própria criação, o liber naturae (livro da natureza), no qual o Verbo Se revela como princípio ordenador e causa da beleza e bondade de todas as coisas criadas, como afirmou São Boaventura: “Cada criatura é Palavra de Deus, porque proclama Deus”.
A “voz” mais importante do Verbo, entretanto, é a Sua Encarnação em Jesus Cristo, no seio da Virgem Maria. Jesus Cristo é a expressão perfeita do Verbo Eterno, pois Ele é a Palavra de Deus tornada carne. Nele, Deus se expressa por inteiro e todas as outras palavras dirigidas a nós, homens, por Ele devem ser interpretadas a partir de Cristo, princípio e cume de toda a Revelação. Assim, todos os textos da Escritura, tanto do Novo quanto do Antigo Testamento, devem ser interpretados tendo em vista a Encarnação e toda a vida de Cristo, especialmente a sua Morte e Ressurreição.
Por sua vez, uma correta interpretação da Palavra ocorre sempre com a ajuda do Espírito Santo, que foi quem fecundou o ventre de Maria na Encarnação e quem inspirou os autores dos textos sagrados. Por isso, a interpretação puramente pessoal e subjetiva das Sagradas Escrituras é impossível, já que são textos cujo sentido profundo só pode ser descoberto com a ajuda do Espírito Santo no seio da Igreja, tema que foi aprofundado no segundo capítulo da exortação apostólica.
Também a primeira parte da exortação explicita os cânones pelos quais deve ser abalizada a hermenêutica bíblica. A interpretação histórica crítica, louvável em si, não pode ser ocasião para se pôr em dúvida a origem divina dos textos e sua veracidade. Por isso, a interpretação espiritual é necessária, para não reduzir as Sagradas Escrituras a um texto qualquer.
Verbum in Ecclesia
A relação entre a Palavra de Deus e os homens não pode ser compreendida meramente como uma leitura de fatos do passado. A Palavra de Deus se faz viva e presente, e cada fiel é chamado a participar frutuosamente dela. A liturgia adquire, nesse contexto, um papel primordial, pois ela é o “âmbito privilegiado no qual Deus nos fala no momento presente da nossa vida: fala hoje ao seu povo, que escuta e responde”.
Na liturgia, principalmente na missa, Cristo Se faz realmente presente por meio da ação do Espírito Santo. A Palavra de Deus proclamada na liturgia e explicada pelo ministro na homilia garante ao fiel que sua vivência com as Sagradas Escrituras não caia num individualismo e subjetivismo estéreis, já que a Bíblia foi escrita e compilada para a edificação da Igreja, e apenas esta é capaz de transmitir com fidelidade seu sentido mais profundo. A leitura privada da Bíblia, muito estimulada pela exortação, deve ser extensão de uma participação frutuosa da liturgia, portanto. O papel da chamada Lectio Divina, método de meditação das Sagradas Escrituras, com origem na tradição monástica, é ressaltado pelo documento, pois a Palavra de Deus “está na base de toda espiritualidade cristã autêntica”.
Verbum Mundo
Na última parte da exortação apostólica, o Papa ressalta a estreita relação entre uma intimidade com a Palavra de Deus e o anúncio do Evangelho. A missão da Igreja não é facultativa, própria de apenas algumas vocações que se dedicam exclusivamente ao apostolado. Ao contrário, está imbricada na mensagem evangélica e na própria Encarnação do Verbo, que foi enviado a nós para a nossa salvação. Portanto, a missão é comum a todos os batizados.
“Como o Pai me enviou também Eu vos envio” (Jo 20,21). Da própria Palavra surge o impulso para a missão. “É a Palavra que ilumina, purifica, converte; nós somos apenas servidores”, escreveu o Papa Bento XVI.