Francisco aos jovens na Indonésia: ‘Discutir como irmãos, para avançar no caminho da paz’

No último compromisso de seu segundo dia em Jacarta, Francisco visitou e inaugurou a nova sede do movimento ‘Scholas Occurrentes’ na Casa da Juventude ‘Grha Pemuda’, a primeira no Sudeste Asiático.

Fotos: Vatican Media

“Fazer guerra entre nós é sempre uma derrota, mas discutir nos faz crescer”. Esse é o coração da mensagem do Papa aos jovens no último compromisso de seu segundo dia em Jacarta, uma visita à Casa da Juventude ‘Grha Pemuda’, a nova e primeira sede do movimento ‘Scholas Occurrentes’ no Sudeste Asiático.

A visita do Pontífice é uma celebração da educação inclusiva, que ensina que “as diferenças não são uma coisa ruim, mas uma beleza única”, como Christine, uma jovem que já sofreu bullying, conta ao Papa em seu testemunho.

PAPA COMPLETA O POLIEDRO DO CORAÇÃO

Um mosaico de emoções bem retratado pelo ‘Poliedro do Coração’, a nova obra de arte coletiva do movimento, uma estrutura feita de materiais naturais, tecidos e materiais reciclados, e preenchida com itens pessoais, por mais de 1.500 jovens, que Francisco completou com sua mensagem antes de partir.

O Pontífice chegou à Casa da Juventude quando o sol já se pôs, um pouco depois das 18h, horário da Indonésia (8h de Brasília), caminhando em uma cadeira de rodas pelos 600 metros que a separam da Catedral. Durante o percurso, foi acompanhado pelo presidente de “Scholas Occurrentes”, José Maria del Corral, e por alguns membros do movimento, e foi saudado festivamente por uma centena de crianças da Arquidiocese de Jacarta.

No pátio, o Pontífice foi recebido por duas crianças que lhe ofereceram um presente, enquanto as outras cantam uma canção, acompanhadas pela orquestra de pessoas muito jovens, onde se destacam os bonangs, instrumentos musicais indonésios usados no gamelão javanês e compostos por um conjunto de pequenos gongos, semelhantes a panelas, colocados em cordas em uma estrutura de madeira.

O Papa chegou à Sala São Matias e São Tadeu, no terceiro andar, onde se encontrou com os participantes do projeto “Scholas Aldeas”, um filme sobre outra grande obra simbólica da Schola, o longuíssimo mural realizado por Francisco em Cascais, durante a JMJ 2023, em Lisboa. Em seguida, o Pontífice foi acompanhado ao Salão São Jacó para um encontro privado com a diretoria de Scholas Occurrentes, movimento lançado em 2013 pelo próprio Pontífice, com metodologias inovadoras que incorporam tecnologia, esporte e artes.

O DIÁLOGO COM OS JOVENS

Por fim, Francisco, no quarto andar do edifício, foi recebido por 200 jovens de Scholas Occurrentes da Indonésia, sentados no chão, e convidados de outros países asiáticos. Todos o cumprimentaram batendo no peito com as mãos, na altura do coração, e o Pontífice fez o mesmo.

Logo em seguida, foi acompanhado até o “Poliedro do Coração”, um trabalho coletivo que envolveu 1.500 pessoas, incluindo jovens do programa educacional de Jacarta, participantes de oficinas em Bali, Lombok e Labuan Bajo, e detentos de três penitenciárias, incluindo aquelas para jovens prisioneiros, mulheres e homens.

A escultura incorpora objetos pessoais de seus contribuintes, é um espaço sagrado que preserva memórias, simboliza uma comunidade compartilhada; conta as histórias de seus participantes em cada uma de suas faces, combinando educação, arte e tecnologia, e pretende representar o lema nacional da Indonésia, “Bhinneka Tunggal Ika” (Unidade na Diversidade).

O Papa Francisco completou a obra com sua mensagem e deu à jovem que o acompanhou a uma reprodução da personagem de quadrinhos Mafalda, criada pelo argentino Joaquín Lavado, conhecido como Quino.

ANA, UMA PROFESSORA MUÇULMANA

No grande salão, atrás de sua cadeira, a parede repleta de plantas de mangue, um símbolo da defesa do ecossistema. O Papa ouviu atentamente o primeiro testemunho de Ana, uma voluntária da Scholas, professora e mãe, com um véu cobrindo sua cabeça.

Professora universitária, mas também locutora de rádio, ela conta como ela, muçulmana, veio para o Scholas porque ama a educação. Ela se emocionou porque hoje, da catedral, viu a mesquita, onde aprendeu a tolerância que mais tarde encontrou no movimento.

E hoje, ela concluiu, “o Scholas é para mim uma casa em constante evolução, um campo onde os jovens crescem como flores”.

JOVEM BRYAN

O jovem Bryan, vestindo a camiseta branca do Scholas, enfatizou que no movimento “nos sentimos à vontade uns com os outros, todos temos amigos com outras religiões ou crenças”. E explicou que muitos relataram suas experiências negativas, discriminação, cyberbullying e a “satisfação das pessoas” que “nos faz fingir”, “sem olhar para as diferenças, sem determinar quem está certo e quem está errado”.

Francisco agradeceu e levantou o polegar para expressar seu “ok”. Em seguida, pegou o microfone para dizer que Bryan falou bem sobre a concretude da realidade, porque “às vezes falta a concretude do fazer”.

Há três coisas: o que pensamos, o que dizemos e a realidade que vivemos. E há “o risco de ser esquizofrênico, alguém que pensa uma coisa, mas faz outra, não tem unidade; em vez disso, a maturidade de uma pessoa é pensar, falar e viver em harmonia”.

Francisco insistiu que há harmonia em uma comunidade quando caminha junta, “vendo também as diversidades, mas caminhando juntos, de maneira justa, sem ver as diferenças sociais”. A paz é harmonia e para alcançá-la é preciso seguir esses princípios: “A realidade é superior à ideia, a unidade é superior ao conflito e o todo é superior à parte”.

COMO ENSINAR A PAZ EM UM MUNDO EM CONFLITO?

Por fim, Christine, também com uma camiseta branca do Scholas, confidenciou ao Papa Francisco que sofreu bullying e que, muitas vezes, “as diferenças criam divisões, causam conflitos e, com frequência, levam à destruição”, até mesmo nas famílias. Mas no movimento “aprendemos que essas diferenças não são um mal, mas uma beleza única. Aprendemos a unir nossas diferenças, a construir laços de unidade e a entender que as diferenças não são um caminho de destruição, mas sim um passo em direção à unidade”.

E ela perguntou ao Papa: “Como ensinamos a paz em meio aos conflitos que estão ocorrendo hoje?”

“A vida deve ser vivida nas diferenças, se fôssemos todos iguais, seria um tédio”, Francisco lhe respondeu, elogiando sua coragem. Nas diferenças, continuou ele, pode haver conflito ou diálogo.

“Se dois países são diferentes, o que eu faço? Diálogo ou guerra? O desejo de ter tudo em mãos faz a guerra. A palavra certa é caminhar juntos”. A escolha, lembrou o Pontífice, é entre fazer a guerra e insultar uns aos outros, ou “a política da mão estendida, do abraço, do amor fraterno, e sempre avançar no diálogo, discutindo, mas juntos”.

Às vezes, esclareceu Francisco, “temos que discutir entre nós, mas discutir como irmãos, para avançar no caminho da paz”. Fazer guerra e brigar é uma coisa ruim, “mas não é ruim discutir como amigos e mudar de opinião. Não se esqueça: a guerra entre nós é sempre uma derrota e, em vez disso, discutir com os amigos nos faz crescer”.

NOSSA SENHORA DA TERNURA

No momento dos presentes, o Papa recebeu algumas estolas costuradas e decoradas por jovens detentos de três penitenciárias, que participaram do projeto do poliedro. E deixou como presente para “Scholas Occurrentes” um Ícone de Nossa Senhora da Ternura, a “Nossa Senhora de Korsun’”, popularmente chamada de Korsunskaya, que até a Revolução de Outubro era mantida na Igreja da Dormição, no Kremlin.

O MANGUE E A BÊNÇÃO PARA TODOS

No final, o Pontífice plantou simbolicamente um mangue em memória desse encontro histórico, juntamente com o Ministro do Meio Ambiente Luhut e como o início de um projeto para o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.

No momento da Bênção, o Papa lembrou que abençoar “significa dizer bem a todos os outros, é desejar o bem. Aqui vocês são de religiões diferentes, mas Deus é um só”. E convidou todos a rezarem em silêncio e depois deu “uma bênção para todos”:

“Deus abençoe cada um de vocês, abençoe seus desejos, abençoe suas famílias, abençoe seu presente e abençoe seu futuro”.

Fonte: Vatican News

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