Em entrevista à Rádio Vaticano – Vatican News, o novo prior falou sobre a história milenar do monastério e suas riquezas, e a importância do mosteiro de Fonte Avellana para a Igreja e a sociedade.
Trata-se de dom Cristiano de Oliveira Souza, natural de Guaratinguetá, interior de São Paulo. Pela primeira vez, em mil anos de história do Mosteiro de Fonte Avellana, dos monges beneditinos camaldolenses, na Itália, um brasileiro é nomeado prior. Para dom Cristiano, “o exercício do governo só tem sentido na vida monástica quando é assumido plena e unicamente como serviço”, disse.
Tesouro de espiritualidade, o Mosteiro de Fonte Avellana, dedicado à Santa Cruz, está localizado no município de Serra Sant’Abbondio, nas encostas do Monte Catria, há uma hora da cidade de Assis. Envolto pelas belezas naturais, local de silêncio e contemplação, além de ter acolhido o famoso poeta italiano Dante Alighieri, Fonte Avellana, segundo a tradição, foi residência de 76 santos e beatos.
De acordo com dom Cristiano, o complexo que compõe o mosteiro possui três hospedarias, que acolhe grupos e indivíduos, com capacidade para 70 pessoas. “Nossa antiga cantina foi transformada em refeitório para os hóspedes, mas, também, funciona como restaurante e é muito frequentado. Há uma antiquíssima cripta onde os monges rezam durante o inverno, um claustro do século XII e três bibliotecas, das quais uma é reservada, pois contem manuscritos e obras raras da idade média”, informou.
Em entrevista à Rádio Vaticano – Vatican News, o monge falou sobre a história milenar do monastério e suas riquezas, e a importância do Mosteiro de Fonte Avellana para a Igreja e a sociedade.
O que significa para o senhor ser nomeado prior do Mosteiro de Fonte Avellana?
Significa, nesse momento especifico da minha vida, permitir um desdobramento de uma vocação que recebi por misericórdia e bondade de Deus. Ser Prior é ser irmão e pai de cada co-irmão monge, mas também, continuar sob a luz do Espirito, um caminho de mais de 1000 anos. Caminho que foi percorrido e antecedido por grandes vultos da História Ocidental e de relevância para a Igreja, como São Pedro Damião que também foi Prior nessa comunidade.
A Santa Regra, como a chamamos, entregue pelo nosso pai São Bento, mais do que um elenco de Leis e Normas, é fonte de inspiração e direção para cada monge e sua comunidade. A experiencia monástica de São Bento, expressa nessas linhas, indica uma característica muito clara da vida vivida em um Mosteiro: esse deve ser uma “casa de irmãos, chamados por Deus”, que observam a Regra sob os cuidados de um Abade, isto é, o pai dessa comunidade.
Por isso, os próprios monges, sob a ação do Espirito Santo, escolhem aquele que deve ser o seu Abade (pai da comunidade). Nós, monges de Camaldoli, camaldolenses, (uma das Congregações que compõe a Ordem de São Bento), não temos propriamente um abade, mas, desde uma tradição recente, assumimos a nomenclatura de “Prior”, um irmão mais velho que cuida, zela e orienta a comunidade.
Poderia falar um pouco sobre o mosteiro de Fonte Avellana?
O Mosteiro de Fonte Avellana é um lugar fascinante. Repleto de arte e história. Está localizado nas encostas arborizadas do Monte Catria (1701 m), a 700 metros acima do nível do mar. Suas origens remontam ao final do século X, por volta de 980, quando alguns eremitas decidiram construir as primeiras celas de um eremitério que, ao longo dos séculos, se tornaria o atual mosteiro. A espiritualidade desses eremitas foi influenciada por São Romualdo de Ravena, pai da Congregação Beneditina Camaldolense. Ele viveu e trabalhou entre os séculos X e XI em áreas muito próximas a Fonte Avellana, como Sitria, Monte Petrano e San Vincenzo al Furlo.
O desenvolvimento de Fonte Avellana começou com São Pedro Damião, a cuja forte personalidade devemos não apenas o núcleo original do edifício, mas também o impulso espiritual, cultural e organizacional que fez do eremitério um centro de atração e difusão da vida monástica e que influenciou fortemente a reforma religiosa e a vida social. Graças a essa figura excepcional de monge e homem da Igreja, o monaquismo “avellanita” e camaldolense pôde se apresentar, em sua história secular, como uma experiência qualificada do cristianismo.
Qual a importância desse mosteiro para a Igreja e para a sociedade?
Antes de qualquer outra dimensão da espiritualidade monástica (solidão, oração, busca de Deus), em Fonte Avellana somos envolvidos por um silêncio profundo, como uma espessura espiritual que se formou ao longo dos séculos, e que nos convida a habitá-la. Sentimos nossa respiração e encontramos quietude e paz. É um silêncio que cria equilíbrio e autoconhecimento. Silêncio que discerne e aponta as perguntas mais verdadeiras.
Nesse silêncio, vem a Palavra de Deus e começa a Lectio divina. É uma escuta que abre novos horizontes na história humana, na Igreja e em sua própria jornada de fé. Nesses últimos anos, Fonte Avellana se tornou um lugar de abertura e diálogo com o mundo cultural e acadêmico, sobretudo um lugar de encontro com a contemporaneidade. Desde seminários realizados com a Associação de Psicanalistas e o mundo da psicanalise, promovemos encontro literários, cursos de teatro e espiritualidade, a Escola de Economia Sustentável, encontros de estudos teológicos e antropológicos.
Percebemos que Fonte Avellana se tornou uma referência no encontro com a sociedade contemporânea. Nós monges não temos uma postura apologética, junto a essas diversas instancias. Nós nos dispomos a ouvir e aprender, sendo apenas uma presença que quer, desfazendo todos os preconceitos, estar presente onde o homem está.
Quais serão as suas principais atividades como prior?
Como já mencionei um pouco, ser Prior de um Mosteiro é um desafio, porque não é ser superior de uma comunidade, mas atuar de modo evangélico no cuidado, em primeiro lugar dos irmãos, mas zelar para que nossa comunidade continue fiel a essa tradição de abertura e dialogo. O exercício do governo só tem sentido na vida monástica quando é assumido plena e unicamente como serviço.
Que outras informações sobre o mosteiro são importantes apresentar para o internauta?
Repito publicamente as palavras que disse aos meus irmãos, logo após ser eleito. Fonte Avellana tem uma vocação profética, e nesse momento que vivemos há uma urgência em colocar em pratica a arte da escuta. Precisamos reaprender a escutar. Voltar à essência do monaquismo, isto é, sermos homens capazes de explicar a nós mesmos, e isso só possível com o reaprendizado corajoso da escuta, em todos os níveis, sobretudo comunitário. Fonte Avellana precisa ser casa de escuta e de escutadores, para nos tornarmos um mosteiro que seja verdadeiramente um laboratório sinodal. É a nossa forma de ser e existir em uma Igreja Sinodal.
Que acesso tem o povo em geral ao mosteiro?
Como moramos em uma montanha, praticamente isolados, os meios para chegar ao mosteiro são escassos. Em nosso site temos um link com indicações precisas:https://fonteavellana.it/informazioni/
Fonte: Vatican News