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Leão XIV exorta à ‘conversão ecológica que transforme o estilo de vida pessoal e comunitário’

Pontífice participou da abertura da conferência internacional comemorativa dos 10 anos da publicação da encíclica Laudato si’

Fotos: Vatican Media

Em Castel Gandolfo, próximo a Roma, no Centro Mariápolis dos Focolares, teve inicio na quarta-feira, dia 1º, a conferência internacional “Raising Hope for Climate Justice” (Espalhando Esperança pela Justiça Climática), promovida pelo Movimento Laudato si’, por ocasião do décimo aniversário da encíclica sobre o cuidado da casa comum, escrita pelo Papa Francisco em 2015.

A abertura do encontro, que prossegue até sexta-feira, 3, foi feita pelo Papa Leão XIV, que na ocasião recordou a herança espiritual e pastoral deixada por seu antecessor e convidou todos a redescobrir a ecologia integral como caminho de unidade, paz e esperança.

Leão XIV destacou que o documento do Papa Francisco impulsionou iniciativas em todos os continentes, envolvendo comunidades religiosas, dioceses, escolas, universidades e até instâncias internacionais.

“As preocupações e recomendações do Papa Francisco foram apreciadas e acolhidas não apenas pelos católicos. Muitos, inclusive fora da Igreja, sentiram-se compreendidos, representados e apoiados neste momento histórico”, afirmou Leão XIV. O Pontífice frisou que o apelo de Francisco ao diálogo, à ecologia integral e à união da família humana na busca de um desenvolvimento sustentável permanece atual e urgente: “Trata-se de desafios ainda mais prementes hoje do que há dez anos. Eles exigem uma verdadeira conversão”.

PASSAR DOS DISCURSOS À CONVERSÃO ECOLÓGICA

Ao refletir sobre o futuro, o Papa advertiu para que o cuidado da casa comum não se torne “uma moda passageira ou um tema que leve à divisão”. Retomando à exortação apostólica Laudate Deum (publicada por Francisco em outubro de 2023), Leão XIV exortou a enfrentar o risco de minimizar os sinais das mudanças climáticas ou de ridicularizar quem defende o meio ambiente.

“Nas Escrituras, o coração não é apenas o centro dos sentimentos e emoções: é a sede da liberdade. […] É somente por meio de um retorno ao coração que pode acontecer também uma verdadeira conversão ecológica. É preciso passar da coleta de dados ao cuidado; de discursos ambientalistas a uma conversão ecológica que transforme o estilo de vida pessoal e comunitário. Para quem crê, trata-se de uma conversão que não difere daquela que nos orienta ao Deus vivo, porque não se pode amar o Deus que não se vê desprezando suas criaturas, e não se pode dizer discípulo de Jesus Cristo sem compartilhar de seu olhar sobre a criação e de seu cuidado pelo que é frágil e ferido”.

UNIDADE PELA CASA COMUM

Leão XIV reforçou que a ecologia integral não pode ser vista separadamente da justiça social e do cuidado com os mais pobres: “Não se pode amar o Deus que não se vê desprezando suas criaturas”. E acrescentou: “Somos uma única família, com um Pai comum; habitamos um mesmo planeta, do qual devemos cuidar juntos”.

Ao encorajar os participantes, o Pontífice apontou ainda para a importância de que os próximos encontros internacionais – como a COP30, a sessão da FAO sobre segurança alimentar e a Cúpula da Água da ONU em 2026 – escutem “o grito da Terra e o grito dos pobres”.

PRESTAR CONTAS A DEUS

Na conclusão do discurso, ao recordar que “não podemos dar espaço para a indiferença nem para a resignação”, o Papa deixou uma pergunta aberta aos fiéis e a todos os homens e mulheres de boa vontade: 

“Deus nos perguntará se cultivamos e cuidamos do mundo que Ele criou, para o bem de todos e das gerações futuras, e se cuidamos de nossos irmãos e irmãs. Qual será a nossa resposta?”

PROPÓSITOS DO EVENTO

Organizado pelo Movimento Laudato si’, em colaboração com o Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, Caritas Internationalis, CIDSE, UISG, Movimento dos Focolares e a Ecclesial Networks Alliance, o evento reúne mais de mil participantes de todo o mundo.

Na cerimônia de abertura, o Pontífice também abençoou um fragmento de gelo de 20 mil anos, proveniente da Groenlândia, trazido a Roma pelo artista Olafur Eliasson e pelo geólogo Minik Rosing. O gesto simbolizou a urgência da crise climática e se inseriu no projeto artístico Ice Watch, que já levou blocos de gelo em processo de derretimento para praças públicas em Copenhague, Paris e Londres.

Segundo os organizadores, há a proposta de ao final do evento lançar um plano de intenções, chamado Laudato si’ 10, no qual os participantes do evento podem declarar suas próprias metas para realizar a visão do Movimento Laudato si’.

PARTICIPAÇÃO DO BRASIL

Papa acompanha o discurso da ministra Marina Silva

Neste primeiro dia, também foram apresentados alguns testemunhos do compromisso ambiental. A ministra brasileira do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, alertou para a distância entre promessas firmadas no Acordo de Paris 2015 e as ações efetivas. Ela denunciou os trilhões ainda investidos em combustíveis fósseis, e pediu “uma transição justa, ordenada e equitativa” para energias limpas.

Marina Silva também convidou o Papa a participar da COP30, que será realizada em Belém (PA), em novembro deste ano:

“Desejo aqui reafirmar o grande interesse e o convite da presidência brasileira da COP30 para que Sua Santidade o Papa Leão XIV nos honre com sua presença em Belém. Estou convencida de que, dessa forma, Sua Santidade dará uma indispensável contribuição para que a COP30 entre para a história como a COP decisiva da implementação. Ela se converterá assim, como todos ardentemente desejamos, na COP da esperança de preservar e cultivar todasas formas de vida que enriquecem o jardim da Criação, em benefício das presentes e das futuras gerações. É uma missão para todos nós, mas que adquire uma dimensão e envergadura universais graças ao alto poder de convocação da Igreja Católica e da autoridade moral de Sua Santidade Leão XIV”.

Por fim, a ministra Marina Silva afirmou que “já temos as respostas técnicas, o que falta é o compromisso ético de usar a técnica, o conhecimento, em benefício do enfrentamento da mudança do clima, do combate à desigualdade, para que tenhamos um mundo próspero, justo e sustentável. É incoerente dizermos que amamos o Criador e destruirmos a criação. A encíclica Laudato si’ nos convoca a fazer essa integração”.

ATENÇÃO GLOBAL

Também no primeiro dia do evento, o ex-governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, mencionou os avanços obtidos em seu estado – como a redução de 25% das emissões de gases de efeito estufa e a instalação de um milhão de telhados solares – e destacou que “a energia limpa não é inimiga da prosperidade, mas motor do crescimento”.

Dirigindo-se aos líderes religiosos presentes, o homem que também se notabilizou como ator em filmes de ficção afirmou: “Vocês estão mais próximos do povo do que qualquer governo. Lembrem às pessoas que a poluição é uma questão de saúde e de justiça”.

Schwarzenegger foi um dos participantes da coletiva de imprensa realizada no dia anterior, durante a qual foi explicado que o evento tem por objetivo traçar os próximos passos na implementação da conversão ecológica à luz do magistério da Igreja.

O ator e ex-governador da Califórnia lembrou que desenvolvimento econômico e proteção ambiental podem andar lado a lado, e deu o exemplo da Califórnia, que se fosse um país ocuparia a quarta posição entre as maiores economias do mundo, mesmo tendo reduzido em um quarto suas emissões de carbono desde a aprovação das leis.

Também participante da coletiva, o Cardeal Jaime Spengler, Arcebispo de Porto Alegre (RS) e Presidente da CNBB e do Celam, que ressaltou as múltiplas crises vividas atualmente e o perigo de que se chegue a um ponto de ruptura no equilíbrio ecológico no planeta.

Como exemplo dos riscos climáticos, Dom Jaime recordou a inundação que atingiu Porto Alegre e outras cidades gaúchas em maio de 2024: “Os fenômenos extremos que estão ocorrendo com maior frequência são expressões palpáveis de uma doença silenciosa que afeta a todos, especialmente os mais vulneráveis e os mais pobres. E a minha região o ano passado sofreu uma dessas tragédias climáticas que continua marcando a nossa realidade ainda hoje. Muito sofrimento, muita destruição e tantas mortes”.

Dom Jaime Spengler enfatizou a necessidade de organizar uma resposta à crise climática a partir da base, como os mais pobres ou os povos originários.

Já a Irmã Alessandra Smerilli, Secretária do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, destacou a necessidade de se manter o empenho diante de desafios como “a mudança climática, a perda da biodiversidade, as desigualdades sociais, as migrações forçadas, os conflitos que cada vez mais também têm raízes ambientais.”

Ao final, o ministro do interior e das mudanças climáticas de Tuvalu fez um forte apelo para que os esforços para reduzir as emissões de carbono não sejam esquecidos. Ele lembrou que o seu país, cujo território é composto por pequenas ilhas no meio do Oceano Pacífico, está desaparecendo devido à elevação do nível dos mares. “Mas não é apenas a nossa terra que está em risco. É a nossa cultura, a nossa língua, a nossa fé e tradições. Nossa própria identidade”, explicou. “O que para outros pode ser apenas um futuro distante, para nós é uma realidade presente e diária”.

(Com informações do Vatican News – edição: Daniel Gomes/O SÃO PAULO)

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