Maria, imaculada pela graça de Deus em vista dos méritos de Cristo

Luciney Martins/O SÃO PAULO

No domingo, 8, a Igreja celebrou a Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria. Festejada nove meses antes do nascimento de Nossa Senhora (8 de setembro), esta solenidade ressalta a verdade fé de que Maria foi preservada de toda mancha do pecado original desde a sua concepção, por singular graça de Deus e em vista dos méritos de Cristo. 

A Imaculada Conceição é um dos quatro dogmas relacionados a Nossa Senhora. Os outros três são a maternidade divina (Mãe de Deus), a virgindade perpétua e a assunção ao céus. Na tradição católica, é chamado de dogma uma doutrina por meio da qual a Igreja propõe, de maneira definitiva, uma verdade de fé revelada por Deus, contida na Sagrada Escritura e na Tradição Apostólica. 

O dogma da Imaculada Conceição foi proclamado pelo Papa Pio IX em 1854, por meio da bula Ineffabilis Deus. Longe de introduzir uma nova doutrina, essa proclamação buscou esclarecer uma verdade de fé que sempre esteve presente na tradição cristã. A definição culminou depois de séculos de reflexão teológica, piedade popular e esforços de santos e teólogos ao longo da história. O fervor popular, especialmente em países como Espanha e Portugal, evidenciava a enraizada devoção à Imaculada Conceição, que já era celebrada com entusiasmo antes da proclamação dogmática. 

FUNDAMENTOS 

Esse dogma tem suas raízes tanto nas Sagradas Escrituras quanto nos escritos dos Padres da Igreja. Um exemplo é a saudação do anjo a Maria como “cheia de graça” (Lc 1,28), sugerindo que sua alma era completamente preenchida pela graça divina, impossibilitando a presença do pecado. Outra passagem significativa está no Evangelho segundo Lucas, quando o anjo anuncia que Maria conceberá em seu ventre o Filho de Deus, destacando-a como a “tenda do Senhor” e o lugar sagrado de habitação divina. 

No cântico Magnificat (Lc 1,46-56), Nossa Senhora expressou a singularidade de sua missão e da graça que Deus lhe dera: “O Poderoso fez em mim maravilhas e Santo é o seu nome”. Com isso, segundo Pio IX, Maria demonstrava a missão ímpar que recebera de Deus. 

Os Padres da Igreja lançaram as bases para a compreensão mariana. Santo Irineu (século II) descreveu Maria como a “nova Eva”, cuja obediência reverteu o pecado de Eva e trouxe salvação. Santo Efrém (século IV) exaltava Maria como “imaculada” e “inteiramente santa”, enquanto São João Damasceno (século VII) a chamava de “pura e imaculada” desde a concepção, destinada a ser a morada digna do Salvador. 

O testemunho mais claro acerca do dogma da Imaculada Conceição no Antigo Testamento é encontrado logo no início da história da Salvação, quando Deus amaldiçoa a serpente que havia induzido Adão e Eva ao pecado, dizendo: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu ferirás o calcanhar” (Gn 3,15). A descendência da mulher que salvou a humanidade do pecado é Jesus. Portanto, a mulher a que se refere a passagem é Maria, que terá “inimizade”, isto é, nenhuma semelhança com a serpente, o Diabo. 

Além disso, a figura de Maria é frequentemente relacionada a imagens do Antigo Testamento, como a Arca de Noé, que permaneceu incólume no dilúvio, simbolizando sua imunidade ao pecado, e a sarça ardente, que ardia sem se consumir, uma alusão à pureza de Maria. Também a escada de Jacó, que conecta o céu e a terra, é vista como uma prefiguração de Maria, que trouxe à humanidade o próprio Filho de Deus. 

TRADIÇÃO LITÚRGICA 

Desde os primeiros séculos, a pureza de Maria era celebrada pelos cristãos. No Ocidente, a festa litúrgica da Imaculada Conceição foi instituída pelo Papa Sisto IV, em 1477, e se expandiu amplamente a partir do século VIII, com o apoio especial dos franciscanos. 

Na Idade Média, o teólogo franciscano Duns Escoto (1266-1308) teve um papel fundamental ao defender a “redenção preventiva” de Maria, argumentando que, sendo escolhida para ser a Mãe de Cristo, seria incoerente que estivesse sob o pecado original. Sua defesa racional consolidou a base teológica para a proclamação do dogma. 

Santos como São Bernardo de Claraval (1090–1153), São Boaventura (1221–1274) e Santo Afonso de Ligório (1696–1787) também contribuíram significativamente para a propagação da devoção. Outros, como Santa Catarina de Sena (1347–1380) e São Francisco de Assis (1182–1226), foram ardorosos defensores da santidade única de Maria. Enquanto São Francisco inspirou os franciscanos a aprofundarem o estudo mariano, Santa Catarina exaltava sua pureza em suas orações e escritos. 

DEVOÇÃO 

A devoção também foi refletida em expressões artísticas e litúrgicas. Pinturas e hinos dedicados à Imaculada Conceição exaltaram Maria como modelo de pureza e santidade, consolidando sua imagem na espiritualidade católica. 

A Imaculada Conceição reflete a colaboração entre a piedade popular e o desenvolvimento teológico. Antes de ser formalmente definido, esse mistério já era celebrado na arte, na liturgia e na devoção. 

No Brasil, a devoção à Imaculada Conceição de Maria foi bastante propaganda desde o período da colonização. Basta recordar que a imagem encontrada por pescadores no rio Paraíba do Sul, em 1717, era justamente a de Nossa Senhora da Conceição. Por isso, o título original da padroeira do Brasil é Nossa Senhora da Conceição Aparecida. 

Na homilia da missa do domingo, 8, na Catedral da Sé, o Cardeal Odilo Pedro Scherer recordou que Nossa Senhora é imagem da própria Igreja, Povo de Deus. “Olhando para a Maria Imaculada, nós vemos aquilo que Deus pensou para todos nós. Nós não nascemos imaculados. Somos pecadores, mas chamados pela graça de Deus, pelo dom do Espírito Santo, a sermos puros, santos, também, como diz São Paulo aos Efésios, a sermos santos e imaculados na sua presença. É isso que Deus pensou a nosso respeito, desde toda a eternidade”, afirmou o Arcebispo de São Paulo. 

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