‘A imponente estatura cultural e espiritual de Newman servirá de inspiração para as novas gerações com o coração sedento de infinito, disponíveis a realizar, por meio da pesquisa e do conhecimento, aquela viagem que, como diziam os antigos, nos faz passar per aspera ad astra, ou seja, por meio das dificuldades até aos astros’ (Papa Leão XIV, ao proclamar São John Newman Doutor da Igreja – 01/11/2025)

John Henry Newman (Londres 1801 – Edgbaston 1890), beatificado pelo Papa Bento XVI, em Birminghan (19 de setembro de 2010), e canonizado pelo Papa Francisco, em Roma (13 de outubro de 2019), com a presença do Arcebispo-Primaz da Inglaterra e de uma delegação do Reino Unido presidida pelo Príncipe herdeiro, hoje Rei Charles III, acaba de ser proclamado “Doutor da Igreja” pelo Papa Leão XIV, em 1º de novembro.
Ele foi um dos mais eminentes homens de fé e cultura das Ilhas Britânicas. Ao mesmo tempo em que desenvolveu imensa atividade intelectual e universitária, famoso escritor, foi dotado de grande bondade e humildade, cuidando de enfermos e pessoas desvalidas, confirmando na prática de cada dia o que acreditava e ensinava aos seus estudantes.
O brilhante John nasceu em uma família que pertencia à confissão Anglicana. Certamente uma família piedosa, mas foi aos 15 anos de idade que neste jovem se deu uma verdadeira mudança de vida. Não se tratou de mera emotividade, mas de um elã espiritual que marcou toda a sua vida.
Com apenas 16 anos (1817), foi admitido na prestigiosa Universidade de Oxford, na qual estuda apaixonadamente a história, os idiomas, as ciências, a poesia, a teologia. Os que leem a sua biografia (Apologia pro vita sua) se certificam da grande aventura intelectual e a mística que o conduziram a membro do corpo professoral da universidade e, com opção pelo celibato, à ordenação sacerdotal na Igreja Anglicana (1825), vindo a receber paróquias nas quais ficou conhecido como dedicado pastor, profundo estudioso da literatura patrística e esmerado orador.
Em 1833, sofre uma grave enfermidade durante uma viagem à Sicília, na Itália, quando realiza nova experiência espiritual, cujo ápice o leva a compor uma célebre oração: Lead, Kindly Light (Guia-me, doce Luz).

O MOVIMENTO DE OXFORD
Pouco tempo após seu retorno à Inglaterra, Newman lança o que ficou conhecido como Movimento de Oxford, que consistia na pesquisa e difusão de obras contra o liberalismo teológico e no redescobrir a fé das origens cristãs, especialmente pelo aprofundamento do conhecimento dos Padres da Igreja (os autores cristãos que elaboraram uma teologia baseada nos Evangelhos, em diálogo com o mundo greco-latino – séculos I e VIII, antes do surgimento da Escolástica).
O Movimento defendia também a independência da Igreja Anglicana em relação ao poder político, esforçando-se para levar o Anglicanismo às camadas populares. Em face de uma prática sacramental bastante pobre, Newman revigora o culto eucarístico.
Em 1841, Newman publica uma obra que causa grande polêmica na Inglaterra, fazendo uma revisão criteriosa dos motivos que levaram à separação da Igreja Anglicana em relação à Igreja Católica. Como a época era de desconfiança em relação à Igreja Católica, a obra foi censurada pela Universidade. Foi quando, em um longo retiro em Littlemore, por meio de leituras e orações, opta por reconhecer a Igreja Anglicana como cismática e decide seguir na Igreja Católica, para a qual, após pedir demissão de suas funções até então, solicita o sacerdócio. Em 9 de outubro de 1845, Newman é recebido na Igreja Católica.
Dirige-se, então, a Roma para se preparar para as ordens sagradas e decide entrar para a Congregação do Oratório, fundada em 1575 por São Filipe Neri, composta de sacerdotes seculares sem profissão religiosa, mas vivendo comunitariamente segundo uma Regra comum. Ordenado sacerdote católico em 1847, no ano seguinte funda o primeiro Oratório na Inglaterra, em Birmingham.
CARDEAL DA IGREJA CATÓLICA
A vida de Newman não foi fácil naquelas novas condições. Chegou a passar por suspeições, mas conseguiu realizar obras relevantes. Entre essas, destaca-se a criação da Universidade Católica da Irlanda, da qual foi o primeiro Reitor. E pelo reconhecimento de seu grandioso e notório trabalho como intelectual e pastor, em 1879 o Papa Leão XIII o nomeou Cardeal. É verdade que já chegava à última década de sua vida, pois, com 89 anos, falece em 11 de agosto de 1890. As palavras que escolheu para serem gravadas em seu túmulo resumem seu itinerário de fé: Ex umbris et imaginibus in veritatem (Das sombras e imagens à verdade).
Publicou cerca de 40 livros de teologia, numerosas orações e sermões, e milhares de cartas. Sua influência cresceu cada vez mais, a ponto de o acadêmico francês Jean Guitton qualificá-lo como “pensador invisível do Vaticano II”.

DOUTOR DA IGREJA
Na bela tradição da Igreja, o título de “Doutor” agora conferido ao Confessor da Fé inglês, une a excelência da doutrina à intensa vida de caridade. O grande intelectual que tanto ilustrou quanto defendeu a fé católica, como pastor atendia os pobres, visitava os doentes e prisioneiros, dedicava imenso cuidado na educação para a formação de um laicato lúcido e atuante, administrava os sacramentos com notável dedicação. Foi um campeão no exemplo da necessidade da vida de oração para nos identificarmos com o Salvador.
O lema que escolheu para seu cardinalato – Cor ad cor loquitur (O coração fala ao coração) – ensina-nos a penetrar na sua compreensão da vida cristã como chamada à santidade, ou seja, como o intenso desejo do coração humano de entrar em completa comunhão com o Coração de Deus. Ele nos recorda de que a fidelidade à oração nos transforma gradualmente na imagem divina.
Se tivermos que sugerir, para reflexão, entre seus muitíssimos escritos, prestemos atenção no sábio realismo com que se dirigiu aos sacerdotes, mas extensivo a todos os cristãos: “Se os anjos tivessem sido os vossos sacerdotes, queridos irmãos, não teriam podido participar nos vossos sofrimentos, nem ser indulgentes, nem ter compaixão por vós, nem sentir ternura em relação a vós, nem encontrar motivos para vos justificar, como nós podemos; não teriam podido ser modelos nem guias para vós, nem vos teriam conduzido do vosso homem velho para uma vida nova, como o podem fazer todos os que provêm do vosso mesmo ambiente” (Homens, e não anjos: sacerdotes do Evangelho).
O Santo Doutor da Igreja John Newman viveu de modo profundamente humano a sua missão, e, ao mesmo tempo, se entregou intensamente à busca da intimidade e identificação com o Salvador.





