O que pensa Francisco sobre a ideologia de gênero?

‘A teoria do gênero é extremamente perigosa porque cancela as diferenças com a pretensão de tornar todos iguais’, alerta o Papa Francisco
Vatican Media

Há duas semanas, repercutiu nos meios de comunicação internacionais a manifestação do Papa Francisco contra a “ideologia de gênero”. A afirmação foi feita durante o encontro internacional “Homem-Mulher, imagem de Deus. Por uma antropologia das vocações”, promovido pelo Centro de Pesquisa e Antropologia das Vocações, nos dias 1º e 2, no Vaticano.

Na ocasião, ao falar da relevância do encontro entre homens e mulheres, o Pontífice afirmou que “o perigo mais feio é a ideologia de gênero, que anula as diferenças”.

“Pedi para fazer estudos sobre essa ideologia ruim do nosso tempo, que apaga as diferenças e torna tudo igual; cancelar a diferença é cancelar a humanidade. Homem e mulher, porém, vivem uma ‘tensão’ fecunda”, completou.

Tal afirmação foi interpretada por alguns veículos de comunicação como uma novidade, ou até mudança de posicionamento do Papa a respeito dessa temática. No entanto, não é a primeira vez que Francisco enfatiza sua preocupação com o tema.

Em 8 janeiro, no discurso aos embaixadores do corpo diplomático acreditado na Santa Sé, ao falar dos atuais problemas mundiais, como as guerras e ameaças ao convício social, o Papa ressaltou que o caminho da paz exige o respeito pelos direitos humanos e lamentou as tentativas para introduzir novos direitos, como a teoria de gênero, “extremamente perigosa porque cancela as diferenças com a pretensão de tornar todos iguais”.

NEGAR A DIFERENÇA

O tema também teve destaque em um dos principais documentos de seu magistério, a exortação apostólica pós-sinodal Amoris laetitia (2016). Ao enumerar os desafios enfrentados pelas famílias na atualidade, o Santo Padre destacou a “ideologia genericamente chamada gender” (gênero, em inglês), que, segundo afirmou, “nega a diferença e a reciprocidade natural de homem e mulher”, pois “prevê uma sociedade sem diferenças de sexo, e esvazia a base antropológica da família”.

“Esta ideologia leva a projetos educativos e diretrizes legislativas que promovem uma identidade pessoal e uma intimidade afetiva radicalmente desvinculadas da diversidade biológica entre homem e mulher. A identidade humana é determinada por uma opção individualista, que também muda com o tempo”, enfatizou, acrescentando que “preocupa o fato de algumas ideologias deste tipo, que pretendem dar resposta a certas aspirações por vezes compreensíveis, procurarem impor-se como pensamento único que determina até mesmo a educação das crianças”. O Papa completa: “É preciso não esquecer que ‘sexo biológico (sex) e função sociocultural do sexo (gender) podem-se distinguir, mas não separar”.

Um ano antes, em 24 de março de 2015, durante sua viagem à cidade italiana de Nápoles, o Pontífice se referiu às “colonizações ideológicas” que afetam seriamente a família. Entre essas, salientou o “erro da mente humana que é a teoria de gênero, que cria tanta confusão”.

FRUSTRAÇÃO HUMANA

Na Audiência Geral de 15 de abril de 2015, Francisco dedicou uma catequese da série sobre o tema da família para tratar do ser humano criado por Deus como homem e mulher. Na ocasião, ele reconheceu que a cultura moderna e contemporânea abriu novos espaços, novas liberdades e novas profundidades para o enriquecimento da compreensão desta diferença, mas também introduziu muitas dúvidas e muito ceticismo.

“Por exemplo, pergunto-me se a chamada ‘teoria do gênero’ não seja expressão de uma frustração e de uma resignação, que visa a cancelar a diferença sexual porque não sabe mais como lidar com ela. Sim, corremos o risco de dar um passo atrás. A remoção da diferença, na verdade, é o problema, não a solução”, disse.

Durante o encontro com os bispos da Polônia na Catedral de Cracóvia, em 27 de julho de 2016, o Papa novamente se referiu às “colonizações ideológicas”, citando: “E uma destas, digo claramente com nome e sobrenome – é a ideologia de gênero! Hoje ensinam as crianças – as crianças! –, que estão na escola: que cada um pode escolher o seu sexo. E por que ensinam isso? Porque os livros são das pessoas e instituições que lhes dão dinheiro. São as colonizações ideológicas, sustentadas também por países muito influentes. Isto é terrível”.

DOUTRINAÇÃO

Em 1º de outubro de 2016, no discurso aos sacerdotes e religiosos em Tbilisi, na Geórgia, o Papa Francisco definiu a “teoria de gênero” como um inimigo atual do casamento, afirmando existir uma “guerra mundial para destruí-lo”. Dois dias depois, na coletiva de imprensa do voo de regresso daquela viagem apostólica, um jornalista recordou tal afirmação e lhe indagou: “Que diria a uma pessoa que sofreu durante anos com a sua sexualidade e sente verdadeiramente que tem um problema biológico, que o seu aspecto físico não corresponde àquilo que ele ou ela considera a sua própria identidade sexual? O Santo Padre, como pastor e ministro, como acompanharia estas pessoas?”

O Papa iniciou sua resposta enfatizando que em sua vida de sacerdote, bispo e até de pontífice, acompanhou pessoas com tendência e prática homossexual. “Acompanhei-as, aproximei-as do Senhor… e nunca abandonei ninguém… As pessoas devem ser acompanhadas como Jesus as acompanha”, disse, explicando, contudo, que se referia em seu discurso à “maldade que se faz hoje com a doutrinação da teoria de gênero”.

Para exemplificar, o Santo Padre contou o que, certa vez, ouviu de um pai francês, sobre uma conversa com os filhos à mesa. “Ele católico, a esposa católica, os filhos católicos, descomprometidos, mas católicos – e perguntou ao filho de 10 anos: ‘E você, o que quer ser quando crescer?’ –‘Uma menina’. E, então, o pai se deu conta de que, nos livros escolares, se ensinava a teoria de gênero. Ora, isso é contra as coisas naturais”, salientou.

Por fim, o Papa enfatizou aos jornalistas: “Quero que fique claro. É um problema de moral. É um problema humano. E se deve resolver como se puder, sempre com a misericórdia de Deus e com a verdade”.

A QUESTÃO DE GENDER NA EDUCAÇÃO

A preocupação da Santa Sé com esse assunto no âmbito das escolas é objeto de um documento da então Congregação para a Educação Católica, atual Dicastério para a Cultura e a Educação, com título: “Homem e Mulher os Criou – Para uma via de diálogo sobre a questão de gender na Educação”, que pode ser acessado em: https://tinyurl.com/25xmakno.

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