“A oração de Abraão” foi o tema da catequese do Papa Francisco na Audiência Geral, desta quarta-feira, 03, na Biblioteca do Palácio Apostólico, no Vaticano.
“Há uma voz que ressoa improvisamente na vida de Abraão. Uma voz que o convida a empreender um caminho que parece absurdo: uma voz que o encoraja a sair de sua pátria, das raízes de sua família, para ir em direção a um futuro novo, um futuro diferente. Tudo isso baseado numa promessa, na qual apenas é preciso confiar. Confiar numa promessa não é fácil, é preciso coragem. E Abraão confiou”, disse o Pontífice no início de sua catequese.
A Bíblia se cala sobre o passado do primeiro patriarca. A lógica faz pensar que ele adorasse outras divindades, “talvez fosse um homem sábio, acostumado a examinar o céu e as estrelas. O Senhor promete a ele que sua descendência será numerosa como as estrelas que pontilham o céu”.
HOMEM DA PALAVRA
“Abraão parte. Escuta a voz de Deus e confia na sua palavra. Isso é importante: confia na palavra de Deus”, reiterou Francisco, afirmando que “com essa partida nasce uma nova maneira de compreender a relação com Deus. É por esse motivo que o patriarca Abraão está presente nas grandes tradições espirituais judaica, cristã e islâmica como o homem perfeito de Deus, capaz de se submeter a Ele, mesmo quando sua vontade se revela árdua, se não até mesmo incompreensível”.
Abraão é o homem da Palavra. Quando Deus fala, o homem se torna receptor dessa Palavra e sua vida o lugar onde ela pede para se encarnar. Esta é uma grande novidade no caminho religioso do homem: a vida do fiel começa a ser entendida como uma vocação, ou seja, chamado, como um lugar onde uma promessa se realiza; e ele se move no mundo não tanto sob o peso de um enigma, mas com a força dessa promessa, que um dia se realizará. Abraão acreditou na promessa de Deus. Acreditou e foi, sem saber para onde ia, assim diz a Carta aos Hebreus. Mas ele confiou.
A FÉ SE TORNA HISTÓRIA
Quando lemos o Livro do Gênesis, “descobrimos como Abraão viveu a oração em contínua fidelidade a essa Palavra, que periodicamente aparecia ao longo de seu caminho”, disse o Papa, acrescentando:
Em síntese, podemos dizer que, na vida de Abraão, a fé se torna história. A fé se torna história. De fato, Abraão, com sua vida, com seu exemplo, nos ensina esse caminho, esse caminho no qual a fé se torna história. Deus não é mais visto apenas nos fenômenos cósmicos, como um Deus distante, que pode incutir terror. O Deus de Abraão se torna o “meu Deus”, o Deus da minha história pessoal, que guia os meus passos, que não me abandona, o Deus dos meus dias, o companheiro das minhas aventuras, o Deus Providência. Eu me pergunto e pergunto a vocês: nós temos essa experiência de Deus, o “meu Deus”, o Deus que me acompanha, o Deus da minha história pessoal, o Deus que guia meus passos, que não me abandona, o Deus dos meus dias? Temos essa experiência? Pensemos um pouco…
O DEUS QUE É CERTEZA
Segundo o Papa, essa experiência de Abraão também é testemunhada por um dos textos mais importantes da história da espiritualidade: o Memorial de Blaise Pascal que começa assim: “Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó, não dos filósofos e dos sábios. Certeza, certeza. Sentimento. Alegria. Paz. Deus de Jesus Cristo”.
“Esse memorial, escrito num pequeno pergaminho, e encontrado depois de sua morte costurado dentro de um traje do filósofo, não expressa uma reflexão intelectual que um homem sábio como ele pode entender sobre Deus, mas o sentido vivido e experimentado de sua presença. Pascal anota o momento preciso em que sentiu essa realidade, finalmente encontrada, na noite de 23 de novembro de 1654. Não é o Deus abstrato ou o Deus cósmico: não. Ele é o Deus de uma pessoa, de um chamado, o Deus de Abraão, de Isaac, de Jacó. O Deus que é certeza, que é sentimento, que é alegria”, disse ainda Francisco.
“A oração de Abraão se expressa, primeiramente, com ações: homem de silêncio, em cada etapa constrói um altar ao Senhor”, frisou o Pontífice, citando um trecho do Catecismo da Igreja Católica.
“Abraão não edifica um templo, mas espalha o caminho de pedras que recordam o trânsito de Deus, um Deus surpreendente, como quando o visita na figura de três hóspedes, que ele e Sara acolhem com zelo e que anunciam o nascimento de seu filho Isaac. Abraão tinha 100 anos e sua esposa 90, mais ou menos. E eles acreditaram. Confiaram em Deus e Sara, sua esposa, concebeu. Com aquela idade! Este é o Deus de Abraão, o nosso Deus, que nos acompanha”, sublinhou o Papa.
Deste modo, “Abraão se familiariza com Deus, discute com Ele, mas sempre fiel. Fala com Deus e discute. Até a provação final, quando Deus pede que ele sacrifique seu próprio filho Isaac, o filho da velhice, o único, o herdeiro. Abraão vive a fé como um drama, como um caminhar tateando à noite, sob um céu desta vez sem estrelas. Muitas vezes acontece conosco também, de caminhar no escuro, mas com fé. Deus detém a mão de Abraão pronta para golpear, pois viu sua disponibilidade realmente total”.
APRENDAMOS A REZAR COM FÉ
O Papa concluiu sua catequese, convidando-nos a “aprender com Abraão a rezar com fé: ouvir o Senhor, caminhar, dialogar até discutir”, e acrescentou:
Não tenhamos medo de discutir com Deus. Direi uma coisa que pode parecer uma heresia. Muitas vezes ouvi pessoas me dizerem: “Mas o senhor sabe, me aconteceu isso e eu fiquei bravo com Deus”. “Mas você teve a coragem de ficar bravo com Deus?”. “Sim, fiquei bravo!” Esta é uma forma de oração, porque apenas um filho é capaz de ficar zangado com seu pai e depois reencontrá-lo. Aprendamos com Abraão a rezar com fé, a dialogar, a discutir, mas sempre dispostos a acolher a palavra de Deus e colocá-la em prática. Com Deus, aprendemos a falar como um filho a seu pai. Ouvi-lo, responder e discutir, mas transparente, como um filho com o pai. Assim, Abraão nos ensina a rezar.
TENSÃO NOS EUA
Ao saudar os fiéis de língua inglesa, Francisco falou dos protestos nos Estados Unidos depois do assassinato de George Floyd:
“Queridos amigos, não podemos tolerar nem fechar os olhos para qualquer tipo de racismo ou de exclusão e pretender defender a sacralidade de cada vida humana. Ao mesmo tempo, devemos reconhecer que a violência das últimas noites é autodestrutiva e autolesionista. Nada se ganha com a violência e muito se perde.”
(Com Informações de Vatican News)