Papa encoraja a Ucrânia a negociar uma trégua no conflito com a Rússia

Invasão russa ao território da Ucrânia completa 2 anos, com saldo de destruição de cidades e milhares de mortos
UNICEF/Aleksey Filippov

Em um conflito, “é mais forte quem pensa no povo, quem tem a coragem da bandeira branca” e “quando se vê que foi derrotado, que as coisas não estão bem, é preciso ter a coragem de negociar.”

Essas palavras do Papa Francisco, em entrevista a um canal de comunicação suiço, RSI, tinham como objetivo estimular os líderes internacionais, em particular o governo da Ucrânia e dos países ocidentais que a apoiam na guerra contra a Rússia, a pedir uma trégua nos confrontos e nas mortes.

“Se tiver vergonha [de negociar], com quantas mortes se terminará?”, declarou. “Hoje é possível negociar com a ajuda das potências internacionais. A palavra ‘negociar’ é corajosa”, disse. A entrevista completa será transmitida em 20 de março, mas alguns trechos foram divulgados para a agência de notícias italiana Ansa.

A fala do Papa despertou reações na Ucrânia, na Rússia, nos Estados Unidos e na Europa. Em particular, a expressão “bandeira branca” foi entendida por alguns como um rendimento da Ucrânia, país invadido pela Rússia, que, segundo essa interpretação, assumiria uma derrota e perdas em seu território para dar fim à guerra – o que, conforme esclareceu o Vaticano – não foi o sentido dado por Francisco.

EXPLICAÇÃO E REAÇÕES

O porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni, explicou: “O Papa usou o termo ‘bandeira branca’ e respondeu recuperando uma imagem proposta pelo entrevistador, para indicar com isso o cessar das hostilidades, a trégua obtida com a coragem da negociação”, disse, em nota.

“O desejo do Papa continua sendo aquele repetido nestes anos, e repetido recentemente por ocasião do segundo aniversário do conflito: ‘Enquanto renovo o meu vivíssimo afeto ao martirizado povo ucraniano e rezo por todos, em especial pelas numerosíssimas vítimas inocentes, suplico que se encontre aquele pouco de humanidade que permita criar condições de uma solução diplomática, em busca de uma paz justa e duradoura”, completou.

A declaração do Pontífice foi feita depois que a Turquia, na pessoa do presidente Tayyip Erdogan, se ofereceu para mediar uma reunião entre representantes da Rússia e da Ucrânia para dar fim à guerra. O conflito já dura mais de dois anos e deixou dezenas de milhares de mortos.

Num gesto de insatisfação, como resposta o governo da Ucrânia convocou o Núncio Apostólico no país, representante diplomático da Santa Sé, Dom Visvaldas Kulbokas, que, ao jornal italiano La Repubblica, afirmou: “O coração do Papa é adolorado por tantas vítimas da guerra na Ucrânia.” Ele disse, ainda, que é preciso começar a buscar “caminhos de paz” e que, primeiro de tudo, “é a Rússia que deveria parar de matar”. Por fim, o Arcebispo lituano esclareceu que a questão é muito séria e que “não deve ser enfrentada com questões episódicas”.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que defende o aumento do apoio militar à Ucrânia na guerra contra a Rússia, afirmou, por meio da Casa Branca, que a paz poderia ser alcançada “se a Rússia decidisse colocar fim”, retirando suas tropas do território ucraniano. Na Alemanha, outro país de peso no conflito, o chanceler Olaf Scholz afirmou, por meio de um porta-voz, que a Ucrânia está se defendendo de um agressor e que é preciso manter o apoio internacional.

Já o governo russo, na figura do porta-voz Dmitry Peskov, segundo a agência Interfax, comentou que “o que o Papa afirmou é bastante compreensível, pois se manifestou a favor das negociações”. Disse, ainda, que as declarações do Papa devem ser lidas “em um contexto mais amplo” e culpou a Ucrânia de não querer dialogar.

O SIGNIFICADO DE ‘BANDEIRA BRANCA’

Em entrevista ao jornal Avvenire, que pertence à Conferência Episcopal Italiana (CEI), o professor Marco Mascia, especialista em direito humanitário da Universidade de Pádua, explicou que, no direito internacional, a expressão “bandeira branca” não é um símbolo de rendimento, mas um pedido de paz.

“É um sinal explícito de pedido de colóquio. Algo como ‘vamos chegar à paz’. O fundador do direito internacional moderno, Ugo Grozio, nos diz que com a bandeira branca se deseja iniciar uma negociação, não render-se”, comentou. “Esse é o sentido das palavras do Papa, que, além do mais, não evocou essa imagem, mas seguiu o raciocínio do seu entrevistador”, disse. “Não se trata da solicitação de rendimento da Ucrânia, mas da suspensão temporária das hostilidades.”

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