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Tutela dos Menores: segundo relatório propõe medidas corretivas contra abusos

O documento publicado pela Pontifícia Comissão apresenta um manual com recomendações para uma “escuta informada” e para o apoio econômico, psicológico e espiritual às vítimas. Destaca a necessidade de uma comunicação mais transparente, de uma assunção pública de responsabilidade por parte da Igreja e de uma simplificação dos mecanismos de denúncia.

Um manual operacional, elaborado a partir da escuta de quem sofreu abusos. Estas diretrizes visam auxiliar as comunidades eclesiásticas na implementação de “medidas restaurativas”, acompanhando passo a passo o processo de denúncia e buscando sua simplificação geral. Entre as recomendações: “escuta informada” inicial, acesso a informações sobre o caso e apoio financeiro, psicológico e espiritual. Tudo isso coadjuvado por declarações oficiais transparentes que “reconhecem o dano causado” e assumem publicamente a responsabilidade. Uma “peregrinação perpétua”, como definiu dom Thibault Verny — presidente da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores, nomeado pelo Papa Leão XIV em julho passado — a missão que se concretiza no II Relatório Anual sobre Políticas de Tutela na Igreja Católica, publicado nesta quinta-feira, 16 de outubro.

Escuta direta das vítimas e organizações não eclesiais

Assim como o I Relatório Anual, o estudo também foi elaborado em consulta com o Grupo de Escuta de Vítimas/Sobreviventes do Relatório Anual (Annual Report Focus Group) da Comissão. Elaborado de forma voluntária, o estudo foi selecionado com base em critérios de diversidade em termos de idade, gênero e origem étnica, abrangendo quatro regiões globais. Esses dados são complementados por pesquisas coletadas por organizações não eclesiais. As questões críticas identificadas incluem a “necessidade de uma Igreja mais atenta” e a “falta de estruturas claras para denúncia e assinalação”.

Medidas reparadoras

A primeira parte do Relatório concentra-se em medidas reparadoras para vítimas de abuso, baseadas na “escuta informada” e proporcionais aos danos sofridos. O manual para comunidades locais apela principalmente à criação de “espaços seguros” onde vítimas/sobreviventes possam partilhar as suas experiências, inclusive diretamente com autoridades eclesiásticas. Explora o conceito de “reparação”, que a Encíclica Dilexit nos destaca não apenas como “um dever individual, mas uma responsabilidade partilhada por toda a comunidade — com a exceção das vítimas/sobreviventes —, com o objetivo de promover um ambiente de cuidado e respeito mútuo”. A Igreja é então chamada a emitir declarações oficiais “reconhecendo o dano causado” e assumindo publicamente a sua responsabilidade.

Apoio completo

Depois, o tema do apoio — articulado em diversas áreas — com o objetivo de fornecer aconselhamento profissional e apoio espiritual às vítimas/sobreviventes, “com atenção especial ao longo prazo”. Isso acresce uma ajuda financeira adequada para as despesas incorridas em decorrência dos abusos, incluindo assistência médica e psicológica. O manual também prevê o fortalecimento da tutela das vítimas por meio da imposição de sanções significativas contra quem cometeu ou facilitou o abuso. As vítimas “não devem ser deixadas na incerteza quanto à assunção de responsabilidade dos autores dos abusos e daqueles que os facilitaram ou encobriram “.

Transparência e conscientização

O Relatório enfatiza a necessidade “fundamental” de acesso à informação sobre o caso, um elemento essencial no percurso de cura, e apela à implementação de programas de conscientização destinados ao clero, aos religiosos e aos fiéis leigos, a fim de promover “um processo de cura coletiva”.

Procedimentos simplificados e comunicação clara

Entre outras conclusões significativas, a Comissão reitera a importância de desenvolver um “procedimento simplificado” para a remoção de líderes eclesiásticos envolvidos em “ações administrativas passadas e/ou omissões que tenham causado mais danos às vítimas/sobreviventes”. Recomenda também uma “comunicação clara” dos motivos das demissões ou remoções e uma avaliação eficaz dos progressos alcançados pelas Igrejas locais e ordens religiosas na implementação concreta de políticas de proteção. Para tal fim, propõe-se a criação de uma “rede acadêmica internacional” que envolva centros universitários católicos especializados em direitos humanos, prevenção de abusos e tutela, para coletar dados relevantes nos países objeto do Relatório.

Apoiar o “ministério da proteção”

Recomenda-se também a criação de um “mecanismo sistemático e obrigatório de denúncia/reclamação”, que possa ser utilizado por diversos órgãos de proteção em nível local. A comunidade eclesial, observa o Relatório, tem a capacidade de “promover maior transparência e exercício de responsabilidade institucional”, em linha com o pedido do Papa Francisco de fornecer “relatórios confiáveis ​​sobre o que está acontecendo e o que ainda precisa mudar, para que as autoridades competentes possam agir”. Por fim, reafirma-se o papel fundamental dos núncios apostólicos nas Igrejas locais, que prestam apoio e orientação no “ministério da proteção”.

As Igrejas locais examinadas

Na Seção 1, o Relatório examina as atividades de tutela das Igrejas locais em vários países, incluindo Itália, Gabão, Japão, Guiné Equatorial, Etiópia, Guiné (Conacri), Bósnia e Herzegovina, Portugal, Eslováquia, Malta, Coreia, Moçambique, Lesoto, Namíbia, Mali, Quênia, Grécia e a Conferência Episcopal Regional do Norte da África (que inclui Argélia, Marrocos, Saara Ocidental, Líbia e Tunísia). Os dados baseiam-se na análise de informações coletadas por meio do processo ad limina da Comissão e complementadas por outras fontes.

O caso italiano

Na Itália, foram visitadas as dioceses de Lácio, Ligúria, Lombardia, Sardenha, Sicília, Emília-Romanha e Toscana. Ao longo dos anos, afirma o Relatório, houve progressos significativos no desenvolvimento de “instrumentos e políticas abrangentes” para prevenção e proteção. A Comissão reconhece o trabalho realizado pela Conferência Episcopal Italiana (CEI) na criação de um sistema multinível (nacional, regional, diocesano e interdiocesano) de “coordenação, formação e supervisão”, com o objetivo de apoiar as igrejas locais com pessoal profissional e adequadamente formado A Conferência relata a existência de 16 serviços regionais de proteção, 226 serviços diocesanos e interdiocesanos e 108 centros de escuta. Estes oferecem um serviço pastoral para acolher e receber denúncias. No entanto, alguns desafios permanecem: a Comissão observa que, embora algumas Igrejas locais tenham empreendido iniciativas pioneiras e colaborado com a sociedade civil, ainda existem “disparidades entre diferentes regiões” e a falta de um escritório centralizado para receber e analisar as assinalações, o que é necessário para garantir uma gestão uniforme e eficaz dos casos.

Igrejas continentais e práticas exemplares

No âmbito global, o documento observa que, embora algumas Igrejas nas Américas, Europa e Oceania mostrem um forte compromisso com as reparações, há uma “confiança excessiva” na compensação econômica, o que corre o risco de limitar uma “compreensão integral” do processo de cura. Além disso, muitas áreas da América Central e Latina, África e Ásia ainda carecem de recursos adequados para apoiar vítimas/sobreviventes. No entanto, práticas exemplares são destacadas, como: a prática tradicional de cura comunitária Hu Louifi, em Tonga; o relatório anual sobre serviços de apoio a vítimas nos Estados Unidos; os processos de revisão de diretrizes em andamento no Quênia, Maláui e Gana; e o projeto de busca da verdade “A coragem de olhar”, na Diocese de Bolzano-Bressanone.

Cúria Romana e colaboração interdicasterial

A terceira seção do documento explora as responsabilidades da Cúria Romana em matéria de proteção, promovendo uma abordagem interdicasterial. O Relatório analisa especificamente a contribuição do Dicastério para a Evangelização – Seção para a Primeira Evangelização e Novas Igrejas Particulares, que apoia as comunidades eclesiásticas locais em diversos territórios, supervisionando não apenas a administração geral, mas também as iniciativas de proteção. Esta Seção auxilia aproximadamente 1.200 circunscrições eclesiásticas e participou ativamente da elaboração do Relatório.

Ministérios sociais e tutela

A Seção 4 do documento analisa as diversas dimensões da Igreja na sociedade, destacando as iniciativas que promovem os direitos de menores e adultos vulneráveis. A edição deste ano apresenta uma metodologia piloto aplicada à associação laical Obra de Maria – Movimento dos Focolares. A Comissão acolhe com satisfação as reformas recentemente adotadas pelo Movimento, como a criação de uma Comissão central independente para a gestão de casos de abuso; uma política de informação sobre abuso sexual; e diretrizes para apoio e reparação financeira às vítimas.

A Iniciativa Memorare

A seção final do documento concentra-se nos progressos da Iniciativa Memorare: instituída pela Comissão em 2022, a iniciativa arrecadou fundos provenientes das conferências episcopais, ordens religiosas e fundações filantrópicas para apoiar Igrejas com menos recursos no Sul Global. Atualmente, existem 20 acordos em vigor para apoiar as Iniciativas Memorare locais em todo o mundo, e uma dúzia está em negociação. Entre as entidades envolvidas estão: Ruanda, Venezuela, Arquidiocese da Cidade do México (México), AMECEA – Associação dos Membros das Conferências Episcopais da África Oriental, Província Eclesiástica de Chubut (Argentina), Honduras, Uruguai, Haiti, Província Eclesiástica de Mombasa (Quênia), Província Eclesiástica de San Luis Potosí (México), Tonga, República Centro-Africana, Maláui, Província Eclesiástica do Paraná (Argentina), Paraguai, IMBISA – Encontro Inter-regional dos Bispos da África Austral, Panamá, Província Eclesiástica de Santa Fé (Argentina), Costa Rica e Zimbábue.

Fonte: Vatican News

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