Bento XVI explica a sua primeira encíclica, ‘Deus Caritas est’

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Na primeira encíclica de seu pontificado Deus caritas est (Deus é amor), publicada em dezembro de 2005, Bento XVI fez um convite “aos bispos, aos presbíteros e aos diáconos, às pessoas consagradas e a todos os fiéis leigos” para que vivam o amor infinito de Deus em fraternidade.

Ao explicar as motivações para a redação da carta, Bento XVI detalhou que quis responder a perguntas muito concretas para a vida cristã. 

A primeira pergunta é a seguinte: é possível amar a Deus?; mais ainda: pode o amor ser algo obrigatório? Não é um sentimento que se tem ou não se tem? A resposta a primeira pergunta é: sim, podemos amar a Deus, dado que ele não ficou a uma distância inalcançável, mas que entrou e entra em nossa vida. Sai ao encontro de cada um de nós; fazendo-nos encontrar homens, tocados por ele, que nos transmitem sua luz; com as disposições por meio das quais intervém em nossa vida; também com os sinais da criação que nos deu. Não só nos ofereceu o amor, antes de tudo o viveu primeiro e bate à porta de nosso coração de muitos modos para suscitar nossa resposta de amor.

A segunda pergunta é a seguinte: podemos verdadeiramente amar o ‘próximo’, quando ele nos é estranho ou inclusive antipático? Sim, podemos, se somos amigos de Deus. Se somos amigos de Cristo. Se somos amigos de Cristo, fica cada vez mais claro que ele nos amou e nos ama, ainda que com frequência afastamos dele nosso olhar e vivamos segundo outros critérios. Se, ao contrário, a amizade com Deus se converte para nós em algo cada vez mais importante e decisivo, então começaremos a amar aqueles a quem Deus ama e que tem necessidade de nós.

Por último, propõe-se também esta pergunta: com seus mandamentos e suas proibições, a Igreja não amarga a alegria do ‘Eros’, de nos sentirmos amados, que nos impulsiona para o outro e que busca transformar-se em união? Na encíclica tentei demonstrar que a promessa mais profunda do ‘Eros’ pode amadurecer somente quando não só buscamos a felicidade transitória e repentina. Ao contrário, encontramos juntos a paciência de descobrir cada vez mais o outro na profundidade de sua pessoa, na totalidade do corpo e da alma, de modo que, finalmente, a felicidade do outro chegue a ser mais importante que a minha.

O Pontífice prosseguiu detalhando que na carta fala de um caminho de purificação e de amadurecimento necessário “para que a verdadeira promessa do ‘Eros’ possa cumprir-se. A linguagem da tradição da Igreja chamou este processo de ‘educação na castidade’, que em definitivo, não significa outra coisa que aprender a totalidade do amor na paciência do crescimento e do amadurecimento.

Na segunda parte, fala-se da caridade, do serviço do amor comunitário da Igreja para com todos os que sofrem no corpo ou na alma, e têm necessidade do dom do amor. Aqui surgem antes de tudo duas perguntas: pode a Igreja deixar este serviço ás demais organizações filantrópicas? A resposta é não. A Igreja não pode fazer. A Igreja deve praticar o amor para com o próximo inclusive como comunidade, pois do contrário anunciaria de modo incompleto e insuficiente o Deus do amor.

A segunda pergunta: não seria melhor promover uma ordem de justiça na qual não houvesse necessitados e a caridade se convertesse em algo supérfluo? A resposta é a seguinte: sem dúvida, a finalidade da política é criar uma ordem justa na sociedade, onde a cada um lhe seja reconhecido o próprio e onde ninguém sofra por causa da miséria. Neste caso, a justiça é a verdadeira finalidade da política em primeira pessoa, mas respeita a autonomia do Estado e de suas instituições.

É tarefa da Igreja curar a razão e reforçar a vontade por fazer o bem… Nesse sentido, sem fazer política, a Igreja participa apaixonadamente da batalha pela justiça.  Aos cristãos comprometidos no serviço público, corresponde, na ação política, abrir sempre novos caminhos para a justiça…

A justiça, porém não faz nunca supérfluo o amor. Para além da justiça, o homem terá sempre necessidade de amor, que é o único capaz de dar uma alma á justiça. Em um mundo tão profundamente ferido, como o que conhecemos em nossos dias, esta afirmação não tem necessidade de demonstrações. O mundo espera o testemunho do amor cristão que se inspira na fé.  Em nosso mundo, com frequência tão obscuro, com este amor brilha a luz do Deus.

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