Os legados de Bento XVI para a Igreja e a sociedade

Um homem sereno, simples, inteligente, atento ao interlocutor, interessado em ouvir, extremamente gentil e fino no trato com as pessoas. Estas são algumas das memórias que tive dos momentos de proximidade com o Papa Bento XVI, situações que retratam um homem de Igreja muito diferente de um perfil “autoritário” ou “duro”, como, por muito tempo, os críticos tentaram enquadrá-lo.

Recordo-me, por exemplo, da vigília na Jornada Mundial da Juventude em Madrid 2011. Um temporal muito forte se formou durante a fala do Papa; o vento balançava até a estrutura do palco onde ele e os bispos estavam. E mais de um milhão de jovens estava ali para ouvi-lo, apanhando toda aquela chuva. Alguns seguranças até sugeriram que o Papa se retirasse para um lugar mais seguro, mas Bento XVI quis permanecer próximo dos jovens. No final da celebração, se aproximou deles e de maneira muito paternal desejou que pudessem repousar ao menos um pouquinho. Na manhã seguinte, já debaixo de muito sol, a primeira coisa que fez foi perguntar aos jovens como tinham passado a noite. Achei isso de uma sensibilidade finíssima, que emocionou e cativou o coração dos jovens.

À frente da “barca de Pedro” e, depois, como Papa emérito, ele jamais deixou de rezar pelo bem da Igreja e sempre foi uma pessoa de grande fé, lucidez e profundidade teológica e doutrinal. Bento XVI deixa um legado importante para a Igreja e será certamente recordado como um dos grandes papas teólogos, tanto pelo que escreveu e falou quando já era Sumo Pontífice quanto pelo que escreveu antes disso.

Também será recordado pelo seu esforço em ajudar a Igreja a voltar-se para a essência de sua fé e de sua missão. Mostram isso suas encíclicas sobre a esperança e a caridade, as exortações apostólicas sobre a Eucaristia e a Palavra de Deus. Bento XVI também será lembrado como o Papa  que estimulou o clero a buscar a autenticidade na vivência de sua vocação e toda a Igreja na revalorização de sua fé e no esforço renovado para transmiti-la aos outros.

Bento XVI manifestou-se sobre todos os assuntos e fatos relevantes ao longo de seu pontificado. Sua contribuição para a cultura, a filosofia, a busca da verdade e do bem é extraordinária; como teólogo e humanista, tem largos horizontes e teve sua palavra geralmente acolhida com respeito e consideração; estimulou o mundo a pensar e a ir além das superficialidades de uma cultura consumista e imediatista. Sua encíclica social – Caritas in Veritate – é uma contribuição importante para o discernimento sério sobre as questões que atualmente afligem a humanidade. Estimulou muito, também, o diálogo entre as religiões e as culturas. Teve sempre a preocupação da justiça, da paz e da solidariedade entre os povos.

Em fevereiro de 2013, diante de um grupo de cardeais reunidos em Consistório Ordinário para as Causas dos Santos, ele surpreendeu a Igreja e o mundo com o anúncio de sua renúncia. Com este gesto, Bento XVI nos deu um grande exemplo de humildade e coragem e, ao mesmo tempo, de fé e generosidade, ao colocar em evidência que o bem e a missão da Igreja devem ocupar o primeiro lugar nas preocupações de todos aqueles que são chamados e constituídos no serviço do Rebanho do Senhor. Também indicou qual é a verdadeira natureza do ministério do Papa, dos bispos e de todos os sacerdotes: somos todos servidores do Povo de Deus em nome de Jesus Cristo e por encargo seu. É Ele o verdadeiro e único Senhor e Pastor da Igreja, que cuida dela e quer o seu bem mais do que ninguém outro!

Pessoalmente, cultivei pelo Papa Bento XVI um sincero sentimento de admiração e de gratidão pelo bem que fez à Igreja nos quase oito anos de pontificado, mesmo em meio a tantos sofrimentos e até incompreensões. Também sou muito grato por ter me chamado a integrar o Colégio Cardinalício e a colaborar em diversos organismos da Santa Sé.

E todos nós, brasileiros, seremos sempre agradecidos ao Papa Bento XVI pela visita que nos fez em 2007, especialmente aqui em São Paulo, para a canonização de Santo Antonio de Sant’Anna Galvão e, em Aparecida, para a abertura da 5o Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho. Também gratos por ele ter escolhido o Rio de Janeiro para sediar a Jornada Mundial da Juventude de 2013.

No encontro em que se despediu do Colégio Cardinalício, em 28 de fevereiro de 2013, no Vaticano, Bento XVI enfatizou que a Igreja não é simplesmente um projeto humano, feito e montado num escritório, para ser levado à aplicação prática: ela é uma realidade viva; é obra do Espírito Santo, que a renova, faz florescer e produzir frutos. Bento XVI orientou a todos na Igreja para que permanentemente se abrissem à ação do Espírito.

Depois de sua renúncia, Bento XVI viveu com discrição e humildade no interior do Vaticano, rezando e oferecendo sua vida pela Igreja, sempre em união estreita com seu sucessor, o Papa Francisco, que lhe dedicou visível e enorme carinho. Que Deus acolha agora esse “humilde servo na vinha do Senhor” e o recompense por todo bem que fez. Que Bento XVI descanse de suas fadigas e sofrimentos e viva em paz na casa do Pai, na luz eterna.

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