Com forte presença no Brasil desde o fim do século XIX, imigrantes italianos, e seus descendentes, deixam marcas na cultura, arquitetura e religiosidade de São Paulo
Em 1872 São Paulo era uma cidade com cerca de 30 mil habitantes. Poucos anos depois, em 1931, passaram pela Hospedaria no Brás, que hoje abriga o Museu da Imigração do Estado de São Paulo, cerca de 90 mil pessoas, 80 mil delas, italianas. A transformação vivida pela capital paulista aconteceu devido a um dos maiores movimentos migratórios da história da humanidade, quando 10 milhões de europeus rumaram para a América.
Entre 1875 e 1900, 803 mil imigrantes europeus chegaram ao continente americano por portos brasileiros. Desse total, 577 mil eram italianos.
No Brasil, 21 de fevereiro é o Dia do Imigrante Italiano. A data foi oficializada pela lei nº 11.687, de 2 de junho de 2008 e a escolha do dia foi feita em homenagem à expedição de Pietro Tabacchi ao Espírito Santo, em 1874, quando chegaram ao País 380 famílias italianas.
ONTEM E HOJE
“É bem difícil medir o que é a cultura italiana e qual o grau de influência dela na sociedade brasileira. Isso porque não é fácil falar numa única cultura italiana, pois existem diversas. Os imigrantes do norte da Itália vieram principalmente para Espírito Santo, São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina no século XIX, uma imigração que se concentrou na indústria cafeeira. No século XX, há uma maior distribuição em relação às regiões de origem”, explicou, em entrevista à reportagem, Henrique Trindade, historiador e pesquisador do Museu da Imigração, trabalha na instituição desde 2014 e é responsável pela pesquisa sobre os migrantes.
Algumas características, contudo, foram apontadas pelo historiador como importantes para a formação de São Paulo como um novo modo de falar, novos elementos gastronômicos, além questões envolvendo política, como a organização do movimento operário.
Trindade recordou ainda algumas frases famosas como: “Em São Paulo se fala mais a língua de Dante que a de Camões”. Sobre a influência na Arquitetura, ele recordou edifícios famosos, mas lembrou também que arquitetos, engenheiros e operários italianos construíram muitas casas populares. “Desde o Teatro Municipal, até as casas espalhadas pelos bairros mais antigos, há muita italianidade em São Paulo”
Já em relação às festas, ele explicou que, em sua maioria, se trata de festas tradicionais do sul da Itália. “A religiosidade é parte integrante da cultura italiana e os santos, muitas vezes, mostram a nova fase de vida dos imigrantes, pois eles se associam simbolicamente aos santos que os apoiam para uma vida nova. Por meio das festas, os imigrantes se recordam da sua cultura original, que está sempre em transformação em um novo país”.
No que se refere ao papel do Museu da Imigração, Trindade afirmou que “o Museu tem o papel de refletir sobre os processos migratórios, sejam do passado, sejam contemporâneos. É um museu de afetividade, porque contamos as histórias de famílias e todo mundo tem um passado migrante. Nosso objetivo é que as pessoas reflitam sobre esses processos.”
O Museu oferece exposições, eventos, palestras e material de estudo no Blog e no site (https://museudaimigracao.org.br), além de projetos de história oral com entrevistas e várias outras ações formativas.
“Às vezes, olhando para um migrante boliviano hoje, conseguimos compreender um imigrante italiano no século passado. É importante rememorar as culturas migrantes e compreender que São Paulo foi formada por imigrantes e hoje ainda acolhe imigrantes”, disse Trindade.
NO CORAÇÃO DA CIDADE
Há quatro anos, o Padre Antônio Sagrado Bogaz, sacerdote orionita, é Pároco da Paróquia Nossa Senhora Achiropita, fundada por imigrantes italianos em 4 de março de 1926. Em entrevista ao O SÃO PAULO, ele afirmou que a cultura italiana está no coração de São Paulo e no coração do Bairro Bela Vista, que nasceu e cresceu como um dos bairros mais tradicionais de São Paulo.
“O bairro teve, em sua origem, populações indígenas e afrodescendentes. Na segunda metade do século XIX, surgem os italianos como uma força importante para a cidade, trazendo a tradição cultural italiana e a grande religiosidade católica, com suas crenças, devoções e práticas sacramentais”, recordou.
O Padre disse também sobre a importância da presença italiana para fortalecer a devoção mariana e a promoção de festas católicas, com a preservação de valores culturais da gastronomia, das danças, das vestes e dos cantos.
“Essa tradição ainda é preservada na cidade e, sobretudo, no bairro. Mesmo que muitos imigrantes não habitem mais a região, eles ainda a frequentam e mantêm a religiosidade, com festas, sacramentos, procissões e os valores da tradição cristã”, comentou.
Na Paróquia Nossa Senhora Achiropita existe a constante preocupação em unificar as várias culturas que desde as origens fazem parte da comunidade. “Consideramos, sobretudo, os descendentes de africanos, italianos e imigrantes de várias partes do Brasil, principalmente nordestinos, nortistas, caipiras e de outras regiões”, explicou Padre Bogaz, salientando o fato de a Paróquia promover as pastorais dos nordestinos, dos negros e dos italianos.
“As famílias italianas, mesmo morando em outras regiões da cidade, mantêm vínculos com a comunidade, tanto nas pastorais quanto nas festas e atividades caritativas. Os italianos estão presentes em todas as pastorais: na Catequese, nos grupos de casais e de de caridade. As primeiras gerações dos italianos envelheceram, mas seus descendentes continuam suas atividades e ao lado dos migrantes nordestinos compõem as forças vivas da comunidade”, enfatizou.
Padre Bogaz disse, ainda, que os diferentes núcleos culturais se fazem respeitar e caminham em conjunto na paróquia e que, além da devoção a Nossa Senhora Achiropita, a de São Luís Orione é referência para os paroquianos.
A tradicional Festa de rua da Achiropita, que acontece anualmente durante o mês de agosto, ajuda a manter a tradição e a garantir que as obras sociais ligadas à Paróquia tenham continuidade. Mais de 50% do sustento das obras provém dos recursos arrecadados nas festas.
São 180 crianças e 360 jovens de 7 a 14 anos, na Creche e no Centro Educativo e 60 jovens aprendizes de 15 a 17 anos. Cerca de 190 moradores de rua são atendidos mensalmente, além dos projetos de alfabetização de jovens e adultos e atendimento permanente a migrantes e toxicodependentes.
“A Festa tem dois propósitos importantes, que são cultivados nos dias de festividades e nos meses antecedentes: a espiritualidade e a cultura italiana. Momentos de bênçãos, procissões, orações, danças e novenas são vividas com intensidade. A parte gastronomia é essencial para que a festa possa acontecer”, afirmou o Padre.
A INCIDÊNCIA DOS IMIGRANTES ITALIANOS EM SP
* RELIGIÃO
Paróquia Pessoal Italiana São Francisco de Assis e Santa Catarina de Sena, no bairro da Liberdade, realiza missa em italiano no 1º domingo de cada mês, às 11h.
Paróquia San Gennaro, localizada na Mooca foi fundada há 107 anos e promove uma grande festa durante o mês de setembro e outubro.
Paróquia Nossa Senhora Achiropita, localizada na Bela Vista, promove uma das maiores festas de rua da cidade, durante o mês de agosto.
Paróquia Nossa Senhora de Casaluce, que está no bairro do Brás, promove a festa italiana mais antiga de São Paulo, que teve início em 1900, que acontece durante os meses de abril e maio.
Paróquia de São Vito Mártir, no Brás, Criada em 1940, atrai uma grande número de fiéis. Suas festas em homenagem a “San Vitto Martire” são tradicionais e fazem parte do Calendário Cultural de São Paulo durante o meses de junho e julho.
* ARQUITETURA/CULTURA/ESPORTE
Masp – Museu de Arte de São Paulo – foi inaugurado em 1947 e idealizado por Assis Chateaubriand (1892-1968) e Pietro Maria Bardi (1900-1999).
Monumento às bandeiras – localizado no Parque Ibirapuera, na área da Praça Armando de Salles Oliveira, representa os bandeirantes que desbravaram o país no período colonial. A obra do escultor Victor Brecheret foi inaugurada durante as comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo, em 1953.
Edifício Martinelli – na Avenida São João, centro histórico de São Paulo, foi o primeiro arranha-céu de São Paulo. Construído a partir do projeto de Giuseppe Martinelli, imigrante italiano que chegou ao Brasil em 1889.
Edifício Itália – cujo nome oficial é Circolo Italiano, está localizado na Avenida Ipiranga e é o segundo maior prédio da cidade de São Paulo e um dos maiores do Brasil.
Marco da Paz – projetado por Gaetano Brancati Luigi foi instalado no Pateo do Colégio e reproduzido em outros cinco países, com cópias nos bairros da Lapa, Tatuapé e no Parque da Juventude, em Santana.
Juventus Football Club – chamava-se, originalmente, Conde Rodolfo Crespi (hoje nome de um estádio do time). O Juventus homenageia dois times italianos: o Juventus, que deu nome ao time da Mooca, e o Torino, do qual a agremiação reproduziu as cores.