A pornografia é um desserviço à sexualidade

A pandemia e o consequente isolamento social provocaram aumento do consumo de pornografia, com muitas consequências negativas

O consumo de pornografia aumentou devido ao isolamento social causado pela pandemia de COVID-19. A revista The Economist publicou que, em abril de 2020, o tráfego em um dos principais sites com esse tipo de conteúdo aumentou 22% em comparação ao mês de março. Também aumentou o número de pessoas que se exibem nuas em frente às câmeras para ganhar dinheiro, em relacionamentos virtuais e, igualmente, sites que cobram mensalidade para que os assinantes tenham acesso a esse tipo de conteúdo.

Por outro lado, crescem grupos e iniciativas que pretendem barrar o aumento do consumo de pornografia, por demonstrar que se trata de uma prática prejudicial, que leva ao vício e pode ter consequências graves para o bem-estar da própria pessoa ou para o relacionamento de um casal.

A página “Se Recuse a Clicar”, que reúne, em grupos separados, homens, mulheres ou grupos mistos, é uma dessas iniciativas. Nesses espaços virtuais, as pessoas compartilham informações, denunciam conteúdos pornográficos de outras páginas e, o mais importante, trocam experiências que levam à mútua ajuda, sobretudo quando consumir pornografia já se tornou um vício.

GRUPOS DE APOIO

“Vinte e quatro dias sem pornografia! O sono melhorou muito, a mente e a concentração também…”, publicou alguém em resposta à postagem fixa do grupo “Se Recuse a Clicar”: “Para quem está recomeçando: como se sente hoje?”.

“Tive conhecimento dos malefícios da pornografia há pouco tempo. Antes, eu tinha um consumo corriqueiro. Mês passado, eu e alguns amigos conversa- mos sobre isso e paramos”, comentou outra pessoa no mesmo grupo. A mo- deração deixa claro que o objetivo não é compartilhar dicas ou links de conteúdo pornográfico, e quem for pego fazendo isso será imediatamente excluído.

Grupos de apoio em comunidades religiosas ou de atendimento terapêutico perceberam que o acesso a conteúdos pornográficos deve ser tratado como vício, e as pessoas, em alguns casos, precisam de auxílio para conseguir se libertar e recomeçar a viver uma sexualidade saudável.

O VÍCIO

“A relação com pornografia consiste numa relação de consumo e está ligada a um mercado sexual. Na maioria das vezes, esse conteúdo apresenta sexo explícito e, em muitos casos, submissão feminina. O consumo se dá por meio de cenas, vídeos, músicas e imagens. Quando se torna vício, tem consequências graves e um descontrole compulsivo”, explicou ao O SÃO PAULO Lívia Pires Guimarães, 39, psicóloga clínica e mestra em Educação, Cultura e Organizações Sociais.

Ela salientou que, como acontece com todo vício, a pessoa não está focada na vivência, mas no prazer final. “Droga é como tomar o segundo copo de água quando o primeiro já matou sua sede. Ou seja, todo vício é excesso e, no caso da pornografia, as principais consequências são a idealização, a diminuição da autoestima até o comprometimento do casamento”, disse.

A psicóloga explicou também que o aumento do consumo de pornografia durante o isolamento social pode potencializar casos em que as pessoas já tenham dificuldades no campo da sexualidade. “Sexualidade é autoconhecimento, é cuidado, e a pornografia acaba sendo o contrário disso”, comentou Lívia.

RELAÇÕES COMPROMETIDAS

Antonio Sena é psicólogo e facilitador do Programa de Educação Afetivo-Sexual (Peas) para capacitação de professores e profissionais de saúde no estado de Minas Gerais. Ele foi firme ao dizer, em entrevista à reportagem, que a “pornografia presta um desserviço à sexualidade”. E insiste que esse tipo de conteúdo incentiva algo que é totalmente diferente da realidade.

“Corpos perfeitos, relações performáticas e irreais. Ver filmes deste tipo e tentar imitar traz grandes frustrações e até mesmo danos físicos. Além disso, pode causar vício”, explicou.

“Devido à pandemia, casais que convivem mais tempo realçam divergências, muitos tiveram perdas de rendimento financeiro, o que causa estresse, depressão, preocupação e pode interferir na sexualidade. Isso tudo impacta a relação entre os dois e pode levar à pornografia. Os casais podem isolar-se dentro da própria casa, mesmo estando juntos, quando um dos dois começa a consumir pornografia ou intensifica o consumo, sobretudo durante o isolamento social”, alertou.

Expor as crianças a conteúdos pornográficos é crime!
 
A psicóloga Lívia Pires Guimarães afirmou que expor crianças e adolescentes a conteúdos pornográficos ou permitir que eles presenciem os relacionamentos entre os pais em casa é crime, passível de denúncia ao Conselho Tutelar.
 
“O contato de crianças com conteúdo pornográfico é gravíssimo. Crianças, em nenhuma idade, podem ter contato com sexo ou pornografia. A mente da criança é fantasiosa, e ela não tem maturidade para discernir quando vê algo do tipo. Se a criança vê um filme, imagem ou presencia algo, pode ficar confusa sobre o que é relação, o que é amor, e ter distúrbios psiquiátricos sérios, sobretudo se ela for envolvida propositalmente”, explicou.
 
Quando acontece algo não intencional, a psicóloga orienta os pais a conversar com a criança e tentar saber o que ela entendeu do conteúdo visto. “Os pais têm que evitar, ao máximo, que isso aconteça”, disse Lívia.
 
O psicólogo Antonio Sena, por sua vez, disse que crianças expostas à pornografia ou conteúdos inadequados para sua idade crescem com a sensação de que tudo isso é bom e normal.
 “Isso pode prejudicar muito o desenvolvimento da criança. Outro aspecto a ser considerado é que, com o acesso amplo à internet, adolescentes e jovens são expostos muito cedo a este tipo de conteúdo e acabam se tornando adultos inseguros ou sem auto- controle”, afirmou.
 

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