Cerca de 13 milhões de brasileiros convivem com doenças raras. Elas resultam de um conjunto diverso de condições médicas, cujas causas podem estar associadas a fatores genéticos, ambientais, infecciosos e imunológicos que afetam diversos sistemas do organismo humano, podendo causar deficiências e alterações no desenvolvimento.
As doenças raras são assim chamadas por afetarem uma parcela mínima da população: a incidência é de até 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos. Atualmente, existem cerca de 8 mil tipos de doenças raras e cerca de 300 milhões de pessoas convivem com elas no mundo, um desafio para si e suas famílias, como é destacado nas histórias a seguir, no contexto da comemoração do Dia Mundial e Nacional das Doenças Raras, celebrado em 28 de fevereiro.
Rebeca e o amor sem medida pelos 3 filhos

Na pequena Rio das Pedras, no interior de São Paulo, Rebeca Santiago Alexandria, 25, teve três filhos: Benjamin, 4 anos, Elisa, 2, e Joaquim, 1. O primogênito convive com a alteração dos genes THSD1 (relacionado a doenças vasculares e aneurismas familiares) e ANGPT2 (caracterizado pela proteína que regula a formação dos vasos sanguíneos, e que está relacionado a doenças vasculares e inflamatórias). Elisa também tem alteração no THSD1, enquanto Joaquim tem alterações nos dois genes citados, mas, por ora, não desenvolveu doenças raras.
“Com sete dias de vida, o Benjamin começou a apresentar a primeira infecção no olho. Em seguida, estava com uma barriga muito acentuada. Logo vieram os inchaços do pezinho, dos dois olhos e das mãos”, recordou Rebeca, dizendo que, à época, os médicos não souberam chegar a um diagnóstico sobre o que acontecia com seu filho.
Benjamin foi internado outras vezes, mas sem um diagnóstico preciso, não teve o tratamento específico. O procedimento mais comum era o de receber reposição de imunoglobulina, na alternância das internações semanais e dos períodos em casa.
“Dava ‘derrame no coração’, na área do pulmão, ‘derrame na barriga’. Paralisava o rim e ele inchava, além de ficar com dor o dia todo. Então, ele tomava a albumina, secavam os edemas, mas depois de alguns dias já voltava tudo de novo”, recordou a mãe.
Dois meses depois do nascimento de Elisa, Benjamin precisou ser hospitalizado na UTI, com a suspeita de trombose. Exames posteriores, porém, descartaram esse diagnóstico, mas um médico buscou saber mais sobre o histórico de saúde do menino e após alguns exames, descobriu-se que ele tinha malformação no intestino. Assim, foi possível chegar ao diagnóstico de linfangiectasia, e iniciar o devido tratamento.
As dificuldades para o tratamento
Os tratamentos tanto para a THSD1 quanto para a ANGPT2 exigem compressão, fisioterapia, uso de meias especiais e enfaixamento. Após a recuperação de Benjamin, foram necessárias injeções diárias de anticoagulante na barriga.
Enquanto transcorria o tratamento de Benjamin, Elisa, já com seis meses de vida, começou a apresentar sintomas de imunodeficiência. Uma médica identificou semelhanças entre os irmãos e suspeitou de razões genéticas.
No mês seguinte, Rebeca descobriu a gravidez do terceiro filho, Joaquim. A gestação ocorreu sem maiores complicações, e já com 45 dias de vida do menino, a família iniciou exames genéticos para averiguar a possível ocorrência de alguma doença rara. Os resultados mostraram que Joaquim herdou uma cópia do gene THSD1, responsável pela malformação, mas com risco reduzido de manifestações mais intensas da doença rara.
Um dos principais desafios enfrentados pela família é o acesso às terapias adequadas, que são limitadas e disponíveis apenas na cidade de São Paulo. Rebeca conta que o plano de saúde não cumpriu as diretrizes de encaminhamento. O alto custo dos enfaixamentos também é uma dificuldade: os valores das faixas variam de R$ 100 a R$ 150.
Padre Marlon: ‘Que os raros tenham diagnóstico precoce e cuidado’

Padre Marlon Múcio, 52, convive com a deficiência do transportador de riboflavina (RTD), um diagnóstico que ele só descobriu de modo preciso recorrendo a mais de 100 profissionais de saúde, após ter pioras significativas de sua condição de saúde a partir do ano de 2009.
“Eu cheguei a ficar só um pedaço de carne em uma maca fria de hospital. Só que aquele pedaço de carne tinha alma”, relembra o Padre, que fundou a Casa de Saúde Nossa Senhora dos Raros, em Taubaté (SP).
O Sacerdote afirma ter encontrado um propósito na vida: divulgar as obras de Deus, levar esperança e proporcionar um atendimento humanizado a inúmeras pessoas no Brasil e no mundo, garantindo o acesso ao diagnóstico precoce de doenças raras 100% gratuito.
“Eu quero que os raros tenham diagnóstico precoce e cuidado no tratamento. No dia 8 de dezembro de 2023 nasceu o nosso hospital em Taubaté. De 11 de março de 2024 até 31 de janeiro de 2025, nós atendemos 1.040 raros, de todos os 26 estados da federação, mais o Distrito Federal, e de três países”, destaca.
Para a geneticista Manuella Galvão, 37, coordenadora médica da Casa de Saúde Nossa Senhora dos Raros, o desafio dos tratamentos das doenças raras não está na complexidade das patologias, mas nas diversas manifestações que exigem uma análise minuciosa de cada paciente: “Você lida com pessoas fragilizadas que estão em uma jornada sofrida e com mães que não foram ouvidas. A parte técnico-científica é importantíssima, mas se ela não vier com a empatia e sensibilidade, não serve de nada”.
A fé de Dudu e a luta contra o capacitismo

Em 1988, Regina Próspero, hoje com 58 anos, teve seu primeiro filho, Niltinho, que nasceu prematuro e logo apresentou problemas de saúde. Após exames, o diagnóstico apontou suspeita de mucopolissacaridose, uma doença genética autossômica recessiva.
Anos depois, Regina engravidou novamente e recebeu a orientação médica para interromper a gravidez devido ao risco de transmissão da doença para o segundo filho. A família, porém, disse sim à vida. Nasceu Dudu. Já em 1995, Niltinho faleceu com complicações cardiorrespiratórias.
Dudu também desenvolveu mucopolissacaridose. Aos 11 anos, ele começou a apresentar os sinais da doença como a baixa visão, baixa audição, dificuldades na locomoção e graves problemas cardiorrespiratórios.
Dudu, hoje com 34 anos, afirma que ao longo da infância e juventude sofreu alguns percalços como capacitismo (discriminação e preconceito contra pessoas com deficiência): “Na faculdade de Direito, a diretora pediu para minha mãe ir às aulas comigo e fazer as provas, mas eu não aceitei. Eu pensei: ‘Se eu for bem, todo mundo irá falar que foi por causa da minha mãe’”.
Momentos de depressão e crises de ansiedade já fizeram parte da trajetória de Dudu, mas ele busca a superação na fé: “A espiritualidade sempre esteve presente na minha vida e na de minha família. A fé que Deus deposita em mim é sempre maior do que a que eu tenho Nele”.