Dor abdominal, diarreia e sangue nas fezes são alguns dos sintomas dessas doenças; diagnóstico precoce é fundamental
Ainda pouco conhecidas, as Doenças Inflamatórias Intestinais (DIIs) são o foco da Campanha Maio Roxo, que acaba por ser uma extensão do Dia Mundial da Doença Inflamatória Intestinal, em 19 de maio.
As DIIs afetam o trato digestório com inflamação e sintomas persistentes. As mais comuns são a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa.
Estima-se que em todo o mundo, as DIIs acometam 5 milhões de pessoas, destas 1,6 milhão no Brasil, segundo estudos da Organização Brasileira de Doença de Crohn e Colite (GEDIIB), em 2020. No País, a incidência da doença de Crohn é de 7 a 10 casos por 100 mil habitantes, e da retocolite ulcerativa de 10 a 20 casos por 100 mil habitantes.
“No Brasil, as doenças inflamatórias intestinais ainda são consideradas doenças raras. O que significa que a frequência delas na população é baixa, embora nós, médicos, estejamos assistindo ao crescimento progressivo dessas doenças”, disse ao O SÃO PAULO, Sinara Leite, membro titular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP), especialidade médica e cirúrgica que trata doenças do intestino delgado e do intestino grosso.
Sinara aponta que, apesar dos esforços das instituições e de profissionais que trabalham com as DIIs, faltam dados consolidados no Brasil sobre a incidência e a prevalência de tais doenças.
“Há subnotificação por subdiagnóstico, pois os sintomas são comuns ao de outras doenças que lesam o tubo digestório. Às vezes, o paciente leva até quatro ou cinco anos para obter o diagnóstico correto”, comenta a médica.
As DIIs
As Doenças Inflamatórias Intestinais são enfermidades crônicas, sem cura, que podem causar impacto significativo no cotidiano do paciente. Porém, com o tratamento adequado os sintomas são amenizados e pode-se desfrutar de uma vida com menos restrições.
As DIIs são ligadas ao sistema imunológico. “São doenças imunomediadas (autoimunes) que acometem tanto o intestino delgado quanto o grosso, o que inclui o canal anal e o ânus”, explica Sinara, destacando que não são contagiosas nem causadas por agentes transmissores como vírus, bactérias, parasitas ou tumores.
Embora sejam tratadas pelos coloproctologistas e os gastroenterologistas, o tratamento das DIIs é multidisciplinar e envolve diversas especialidades como reumatologia, dermatologia e nutrição, já que os pacientes podem apresentar sintomas relacionados a outras doenças imunomediadas.
Qualquer pessoa pode ter uma DII. “Do ponto de vista de faixa etária, existem dois picos de incidência. Um que vai dos 20 aos 35 anos, e um segundo pico, menor que o primeiro, que afeta pacientes a partir dos 65 anos”, diz Sinara, lembrando que outras faixas etárias podem ser afetadas, inclusive crianças com poucos meses de vida.
As mais comuns
Debaixo do guarda-chuva das DIIs há duas enfermidades. A doença de Crohn pode afetar qualquer parte do tubo digestório, desde a boca até o ânus. Mas a maioria dos casos costuma acometer a parte inferior do intestino delgado e do intestino grosso.
Já a retocolite ulcerativa afeta o intestino grosso, uma ou mais camadas do cólon, causando úlceras (feridas) e inflamações na camada superficial do órgão. Com diferentes graus de acometimento, ela pode se tornar uma doença bem debilitante.
Sintomas
Dor abdominal, diarreia prolongada, cansaço e sangue nas fezes são os principais sinais gerais de uma DII.
“A recolite ulcerativa por inflamar basicamente o reto e o cólon. Normalmente, a inflamação começa bem no finalzinho do intestino grosso, lá no reto e vai ascendendo”, detalha Sinara.
Sangue e muco nas fezes são os sintomas mais característicos da recolite ulcerativa, que nem sempre apresenta diarreia.
“Quanto maior o segmento envolvido pela inflamação, mais sintomas de alteração intestinal o paciente terá, ou seja, aumento da frequência evacuatória, alteração da qualidade das fezes que ficam mais amolecidas”, diz a doutora.
No caso da doença de Crohn, que pode atingir qualquer parte do intestino, os sintomas variam.
“Com a inflamação no final do delgado, é comum um mal-estar abdominal, cólica e diarreia. Às vezes, uma certa inapetência (fastio) e pode ocorrer perda de peso”, relata Sinara.
Quando o canal anal é acometido, há dor na hora de evacuar. “Um ardor. E o paciente pode até identificar secreção na roupa ou no papel higiênico. Pode ainda ter constipação”, descreve.
Causas
A DII é multifatorial. Trata-se de uma somatória de situações, como fatores genéticos, comportamentais e físicos.
“Passa pela permissão genética, o que significa que o paciente pode ter alguma predisposição, e de acordo com a alteração da flora intestinal dele ou de aspectos da própria vida, que pode estar relacionado ao estresse ou ligado ao sistema imunológico, os fatores se somam e a doença desencadeia”, discorre Sinara.
Histórico familiar (parentes próximos como pais, irmãos ou filhos), dieta rica em gordura e alimentos industrializados, falta de fibras e de água e o tabagismo são outros fatores de risco.
Também não podem ser ignoradas as doenças que afetam o aspecto emocional como a depressão e a ansiedade, que elevam a sensibilidade das células nervosas no intestino.
Ainda sobre o ponto de vista genético, Sinara afirma que já há vários genes que podem estar ligados ao desenvolvimento de DIIs.
Existe ainda uma incidência maior quando o paciente tem alguém na família, um parente em primeiro grau, com a doença. “Mas não é uma coisa matemática, em que o fato de um pai ter uma DII fará com que o filho tenha 50% de chance de ter também. A doença é multifatorial: às vezes, a pessoa tem a permissão genética e jamais a desenvolverá”, afirma Sinara.
Diagnóstico precoce
Antes do diagnóstico, é comum o paciente ignorar os sintomas. Normalmente, quando está com uma crise de diarreia ou cólica, a pessoa acredita estar relacionado a algo que comeu. Embora, na maioria das vezes, seja só isso mesmo, é preciso estar atento a frequência com que isso acontece e observar os demais sintomas.
Obter um diagnóstico precoce é fundamental para melhor tratar as DIIs. “Porque são doenças progressivas, ou seja, nesse inflama e desinflama, a área afetada do intestino vai ficando deformada. Ela vai espessando, estreitando, pode perfurar e quanto mais antiga a doença, mais sequelas o paciente pode ter”, alerta.
Quanto mais precoce for o diagnóstico, maior a chance de controlar a DII com medicação. “Já quando as sequelas estão estabelecidas, nos casos mais avançados, o paciente vai precisar de cirurgia”, explica.
Ao perceber os sintomas, é preciso procurar atendimento médico, para obter o diagnóstico correto. “Não é porque a pessoa teve uma diarreia e viu um pouquinho de sangue nas fezes, que significa que está com uma DII”, conclui Sinara, reforçando a recomendação de que haja a procura do serviço médico especializado.