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Com a Nostra Aetate, Igreja amplia diálogo com as religiões há 60 anos

Cardeal Odilo Pedro Scherer fala na abertura do Simpósio, ao lado de Dom Teodoro Mendes e de Dom Paulo Jackson, na Faculdade de Teologia
Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO

Entre os dias 14 e 16, a Arquidiocese de São Paulo, o Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Comissão Episcopal para o Diálogo Católico-Judaico e a Casa da Reconciliação promoveram o Simpósio Internacional e Inter-religioso pelos 60 anos da Declaração Nostra Aetate, documento do Concílio Vaticano II que marcou o início de uma nova era de diálogo entre a Igreja Católica e as demais religiões não cristãs. 

A programação teve início com uma manhã acadêmica na Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção da PUC-SP, no bairro do Ipiranga, e um ato inter-religioso no Teatro Tuca, em Perdizes, reunindo representantes de diversas tradições religiosas. 

O segundo dia contou com uma visita à Mesquita Brasil, no Cambuci, e uma noite cultural na Faculdade Santa Marcelina, em Perdizes, em que as comunidades compartilharam expressões artísticas e experiências de convivência. O encerramento, no dia 16, ocorreu na Congregação Israelita Paulista (CIP), com uma roda de conversa sobre o diálogo católico-judaico e os frutos da Nostra Aetate

POSTURA DE RESPEITO 

Na abertura do simpósio, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano de São Paulo, destacou que a Nostra Aetate foi “um dos frutos mais significativos do Concílio Vaticano II”, ao promover “uma nova atitude da Igreja Católica diante das religiões não cristãs”. Segundo ele, a Declaração “não significou abdicar da própria fé, mas assumir uma postura de respeito com quem crê de modo diferente”. 

Dom Odilo ressaltou que, seis décadas depois, “o diálogo inter-religioso amadureceu, mas ainda há muito a fazer para superar preconceitos históricos enraizados na cultura”. O Arcebispo propôs que o diálogo avance “da amizade para uma colaboração mais construtiva”, inspirada nas palavras do Papa Francisco de convite às religiões para se colocarem “a serviço do bem da humanidade”. 

Em sua reflexão, o Cardeal também alertou para os desafios atuais: “Renascem focos de antissemitismo em várias partes do mundo e vemos situações de discriminação religiosa, sobretudo contra as religiões de matriz africana. Essas hostilidades não devem interromper o diálogo, mas fortalecê-lo, pois a Igreja não aceita o antissemitismo nem qualquer forma de discriminação religiosa”. 

O Arcebispo lembrou ainda que o diálogo sincero é o melhor antídoto contra a instrumentalização política da religião. “As religiões têm a missão de promover a dignidade humana, a justiça e a paz, sem se identificarem com ideologias. A fé deve ser força para a solidariedade e o respeito entre as pessoas”, afirmou. 

MEMÓRIA AGRADECIDA 

Dom Teodoro Mendes Tavares, Bispo de Ponta de Pedras (PA) e Presidente da Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso da CNBB, sublinhou que o encontro teve por objetivo “fazer memória agradecida dos 60 anos da Nostra Aetate e sensibilizar as pessoas para a importância de construir uma sociedade mais justa, solidária e livre”. 

Segundo ele, o documento conciliar “marcou a abertura definitiva da Igreja Católica ao diálogo inter-religioso” e continua a inspirar a construção da “cultura do encontro e da reconciliação”, diante do atual momento de polarizações e intolerância. 

Na mesma linha, Dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa, Arcebispo de Olinda e Recife e 2º Vice-presidente da CNBB, ressaltou que a Nostra Aetate “foi um marco fundamental da nova compreensão da Igreja quanto à presença das sementes do Verbo em todas as tradições religiosas”. Ele lembrou que o texto conciliar inaugurou uma “civilização de paz e de pontes”, conforme a linguagem do Papa Francisco, que convoca todos à construção de uma “cultura do encontro”. 

VOZES DA ESPERANÇA 

O Cônego José Bizon, Diretor da Casa da Reconciliação e Assistente Eclesiástico para o Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso na Arquidiocese, descreveu os 60 anos da Nostra Aetate como uma celebração do amor e do respeito entre irmãos e irmãs de fé. “Diante dessa pluralidade, o diálogo amoroso é o que pode nos unir. É hora de esquecer diferenças e construir juntos um mundo de paz, justiça e esperança.” 

O Rabino Ruben Sternschein, representante para o diálogo inter-religioso da Confederação Israelita do Brasil (Conib), destacou que a celebração dos 60 anos deve ser mais do que um gesto simbólico. “Queremos que o diálogo não seja apenas uma figura jornalística ou diplomática, mas um movimento profundo, religioso, educativo e social”, sublinhou. 

O Sheikh Mohamad Al Bukai, da Mesquita Brasil, recordou que “todos somos criaturas de Deus”, e que o diálogo inter-religioso “abre portas para uma convivência pacífica, livre de problemas sociais e marcada pelo reconhecimento mútuo”. 

(Colaborou: Fernando Arthur)

Marco do Concílio Vaticano II para a convivência entre os povos 

A Declaração Nostra Aetate, promulgada por São Paulo VI em 28 de outubro de 1965, é um documento fundamental do Concílio Vaticano II. No contexto de um gênero humano que se torna cada vez mais unido, a Igreja Católica considera atentamente sua relação com as religiões não cristãs. 

Na sua função de fomentar a união e a caridade, a Declaração considera primeiramente o que os homens têm de comum e os leva à convivência. Todos os homens constituem uma só comunidade, com a mesma origem em Deus, e considera as buscas das diversas religiões por respostas para os enigmas da condição humana. 

SÍNTESE DO DOCUMENTO 

“A Igreja Católica nada rejeita do que nessas religiões existe de verdadeiro e santo’, respeitando preceitos e doutrinas que refletem um ‘raio da verdade que ilumina todos os homens’. Contudo, a Igreja anuncia, e tem obrigação de anunciar incessantemente, Cristo, “caminho, verdade e vida”, em quem os homens encontram a plenitude da vida religiosa. 

A Declaração menciona o Hinduísmo e o Budismo, nos quais se busca a libertação das angústias por ascetismo, meditação ou iluminação. Olha com estima para os muçulmanos, que adoram o Deus único e honram Maria e Jesus como profeta; exorta a que, esquecendo o passado, se promova a justiça, a paz e a liberdade. Recorda o vínculo espiritual com o povo judeu, por quem a Igreja recebeu o Antigo Testamento e se alimenta da raiz da oliveira mansa. Sublinha que o que se perpetrou na Paixão de Cristo não se pode imputar indistintamente a todos os judeus da época ou aos atuais, e os judeus não devem ser apresentados como reprovados por Deus. 

Por fim, a Igreja deplora todos os ódios e manifestações de antissemitismo e reprova toda discriminação ou violência praticada por motivos de raça, cor, condição ou religião. 

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