Das horas no asfalto ao ouro no solo: Rebeca Andrade alcança o auge em Paris 2024

Brasileira conquistou um ouro, duas pratas no individual e o bronze por equipes na capital francesa. Na carreira, são 6 medalhas olímpicas, um feito único entre os brasileiros

Foto: Comitê Olímpico do Brasil

“Eu estou muito feliz e muito honrada por hoje estar nessa posição. É algo que é muito difícil de ser conquistado. A gente treina bastante, luta bastante, bate diversas vezes no quase e, às vezes, não acontece. Então, realmente é uma honra mesmo poder representar, poder mostrar que é possível e acredito que quando você tem uma equipe que luta pelo mesmo sonho que você e que quer as mesmas coisas que você, as coisas acontecem. E foi assim”.

Rebeca Rodrigues de Andrade, 25 anos, fez história no Jogos Olímpicos de Paris 2024 e deixou o melhor deste enredo para sua última prova. Na disputa do solo, na segunda-feira, 5, ela conquistou a medalha de ouro, superando a norte-americana Simone Biles,  o principal nome da ginástica artística na atualidade.

A referência ao “luta bastante” não é em vão. A hoje multimedalhista olímpica precisou de resiliência no começo da carreira para acreditar no sonho de ser ginasta. Não só ela. Toda sua família.

Rebeca Andrade nasceu em Guarulhos (SP). Foi criada apenas pela mãe, dona Rosa, uma empregada doméstica que se desdobrava para assegurar o sustento dos oito filhos. Nem sempre Rebeca tinha dinheiro para ir de transporte público até o ginásio de treinamentos. Restava-lhe, então, caminhar a pé, por cerca de duas horas até chegar a seu destino.

Tempos depois, um de seus irmãos, Emerson Rodrigues, comprou uma bicicleta. Nos dias de treino, ele levava Rebeca, ainda que para isso não tivesse tempo para almoçar, pois ele não podia se atrasar para a entrada na escola.

Aos 9 anos, Rebeca foi convidada para treinar em Curitiba (PR), no principal centro de ginástica do Brasil. Já como ginasta profissional, teve de passar por três cirurgias, em razão de lesões, em 2015, 2017 e 2019.

Em 2021, nos Jogos de Tóquio, Rebeca Andrade conquistou suas primeiras medalhas olímpicas: prata no individual geral e ouro no salto. Ainda em 2021, a brasileira conquistou uma medalha de ouro e uma de prata no mundial. No ano seguinte, mais uma medalha de ouro e uma de bronze. No Campeonato Mundial de 2023, ela ganhou uma medalha de ouro, três medalhas de prata e uma medalha de bronze.

A CONFIRMAÇÃO DE UM FENÔMENO DO ESPORTE

Rebeca chegou a Paris tida como uma das ginastas que poderiam desbancar a melhor do mundo na ginástica artística: Simone Biles.

Na ‘Cidade Luz’, foram cinco finais envolvendo as duas ginastas: na disputa por equipes, Biles conquistou o ouro com os Estados Unidos, enquanto Rebeca ajudou o Brasil a faturar uma inédita medalha de bronze. No individual geral e no salto, a norte-americana foi ouro, e a brasileira ficou com as medalhas de prata.

Na segunda-feira, 5, as duas surpreendentemente não foram ao pódio na barra de equilíbrio: Rebeca terminou em 4º lugar; Biles foi a 5ª colocada.

Era chegada a hora do embate final: a prova do solo. Rebeca se apresentou primeiro, alcançando a nota de 14.166, acima dos 13.900 da classificatória. Ficou na liderança, mas ainda restavam sete ginastas para competir.

Biles era uma delas – a sétima da lista de nove finalistas – e optou por uma apresentação com um grau de dificuldade maior que o de Rebeca. Apesar da vistosa execução dos movimentos, a norte-americana pisou duas vezes fora do tablado. As falhas geraram um desconto de 0.6 e foram determinantes. Com 14.133, Biles estava atrás de Rebeca.

Vieram, então, as apresentações da romena Sabrina Maneca-Voinea e da norte-americana Jordan Chiles, que não conseguiram pontuação para desbancar Rebeca. O sonho da garota de Guarulhos estava finalmente concretizado: ouro no solo, com um ginásio olímpico lotado, e superando Biles, uma lenda da ginástica artística mundial.

A MAIOR MEDALHISTA DO BRASIL

O ouro no solo, as pratas no individual geral e no salto e o bronze por equipes em Paris 2024 somaram-se ao ouro no salto e à prata no individual geral nos Jogos de Tóquio 2020. Seis medalhas ao todo, que fazem de Rebeca a esportista brasileira – entre homens e mulheres – que mais vezes esteve no pódio em olimpíadas, superando os velejadores Robert Scheidt e Torben Grael, cada um com cinco medalhas.

Rebeca ainda não tem certeza se estará nos Jogos de Los Angeles 2028, mas se Paris 2024 tiver sido sua despedida olímpica, foi certamente em grande estilo, inclusive sendo reverenciada pela própria Simone Biles e por Jordan Chiles, medalhistas de prata e de bronze, respectivamente, em um pódio 100% com mulheres negras e em uma cena que faz lembrar algo dito por São João Paulo II há 40 anos, ao receber no Vaticano uma delegação de futebolistas do México.

“A atividade esportiva deve ser ocasião inevitável de praticar as virtudes humanas e cristãs da solidariedade, da lealdade, do comportamento correto e do respeito pelos outros, por aqueles que são vistos como concorrentes, e não como adversários ou rivais”.

“Eu tenho uma equipe multidisciplinar que é muito excelente, tenho meu treinador, tenho as meninas e o foco também, a vontade de querer fazer acontecer, mesmo nos dias ruins, os dias que são excelentes, com medo, sem medo, eu vou sair para fazer. Às vezes eu morro de medo, é normal, faz parte do ser humano, mas há dias que são mais leves e eu senti que todos os dias aqui foram muito leves”, disse Rebeca aos jornalistas após o ouro.

Este enaltecimento ao trabalho em equipe no esporte também é apreciado pela Igreja, conforme consta no Documento Dar o Melhor de Si, publicado pelo Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, em 2018: “O esporte é uma escola de espírito de equipe que ajuda cada um a superar o egoísmo. Aqui, a individualidade de cada atleta está ligada à equipe, que trabalha unida, apontando um objetivo comum”.

(Com informações do COB e Confederação Brasileira de Ginástica)

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