Dom Paulo Evaristo Arns: exemplo de ação e diálogo ecumênico na esperança

Na Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, a Casa da Reconciliação e o Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (Ceseep) promoveram, na noite de 31 de maio, uma live sobre a dimensão ecumênica da vida ministerial de Dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016), cujo centenário de nascimento tem sido recordado desde setembro de 2021 por diferentes iniciativas promovidas e apoiadas pela Arquidiocese de São Paulo, da qual foi Arcebispo entre 1970 e 1998.

O encontro virtual, conduzido pelo Cônego José Bizon, Diretor da Casa da Reconciliação, e com a mediação de Nilda Assis, do Ceseep, contou com a participação do Cardeal Odilo Pedro Scherer. “Neste centenário de Dom Paulo, é importante que seja feita a recordação sobre ele também na dimensão ecumênica, uma vez que está sendo recordado sob diversos aspectos de sua vida, de sua atuação na Igreja e na sociedade”, comentou o Arcebispo de São Paulo em sua saudação inicial.

VIVÊNCIA CONCRETA DO ECUMENISMO

Dom Paulo Evaristo é saudado SP após ser feito cardeal (Arquivo O SÃO PAULO – 1973)

O Cardeal Scherer recordou que Dom Paulo foi nomeado bispo por São Paulo VI em 1966, um ano após a conclusão do Concílio Ecumênico Vaticano II, que demarcou uma nova posição da Igreja Católica em relação às demais comunidades cristãs, com o fortalecimento de diálogos e a busca da unidade entre os cristãos.

“Dom Paulo, portanto, era marcado pelo Concílio Vaticano II e no ministério episcopal dele em São Paulo, mas também em sua atuação pública e enquanto membro do episcopado no Brasil, tentou traduzir em novas práticas pastorais, em novas práticas eclesiais, essa postura mais ecumênica”, destacou Dom Odilo.

“Ele agiu ecumenicamente, na certeza de que a busca da unidade deveria começar com a abertura dos corações uns aos outros, com uma sincera amizade, conversas, ações em comum, a partir de uma fé comum e do mandato comum do testemunho do Evangelho, da caridade e da esperança no mundo. E assim, vimos Dom Paulo unido a outros líderes cristãos na defesa da pessoa e da dignidade humana, bem como na defesa da justiça social, no serviço à esperança, à democracia e à liberdade na convivência, sem violência e sem opressão. Dom Paulo, portanto, agiu ecumenicamente, mais do que fez discursos sobre o ecumenismo”, ressaltou o Arcebispo de São Paulo, enaltecendo o fato da live estar sendo realizada durante a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos.

“O ecumenismo, para nós cristãos, não é uma opção, é um dever e devemos buscá-lo como fidelidade ao Evangelho. Dom Paulo nos deu o exemplo do diálogo ecumênico na esperança, não no sentido de que todos os problemas de diálogo serão superados imediatamente, pois isso acontecerá pouco a pouco, na medida em que houver a aproximação entre os cristãos e a busca do encontro, do diálogo, do servir juntos à humanidade a partir do Evangelho. Desse modo, também as dificuldades doutrinais e as feridas históricas poderão ser superadas pouco a pouco”, concluiu o Cardeal Scherer.

PROXIMIDADE COM O REVERENDO WRIGHT

Um exemplo de como Dom Paulo vivia o ecumenismo de modo prático foi sua proximidade com o Reverendo Jaime Wright (1927-1999). Em 1973, o pastor presbiteriano procurou o então Arcebispo de São Paulo para que o ajudasse a encontrar seu irmão, Paulo Wright, que acabaria por ser assassinado pelo regime militar.

“Essa grande amizade entre um pastor presbiteriano e um bispo católico foi tamanha que meu pai foi convidado a trabalhar com Dom Paulo na área de direitos humanos na Arquidiocese, em uma sala ao lado da usada por Dom Paulo na Cúria Metropolitana. O momento emblemático para o movimento ecumênico, para a atuação ecumênica de Dom Paulo foi no ato inter-religioso após a morte do Vladimir Herzog na Praça da Sé, junto com o Rabino Sobel. Foi um testemunho de unidade em um momento de adversidade”, recordou Anita Wright, filha de Jaime Wright e atual vice-presidente do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic).

Anita também classificou como histórico o gesto de Wright e Dom Paulo entregarem ao então presidente norte-americano, Jimmy Carter, quando este esteve no Brasil em 1978, uma lista com os nomes de pessoas desaparecidas no País. “Também foi notória a visibilidade que Dom Paulo e meu pai deram ao ecumenismo participando juntos de celebrações ecumênicas e de atos inter-religiosos pela defesa da vida e dos direitos humanos”, comentou.

O Cardeal Arns e o Reverendo Wright também lideraram o projeto “Brasil: Nunca Mais”, uma ampla pesquisa sobre a tortura política no País, que resultou no livro de mesmo nome, publicado em 1985. Frei Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, que participou do projeto, comentou sobre o protagonismo dos dois idealizadores. “Dom Paulo e Reverendo Wright tiveram essa ousadia profética de produzir esta obra histórica, que honra o discipulado cristão dos dois. Como Jesus, eles não tiveram medo, pois quem tem fé não tem medo”, ressaltou.  

‘NÃO OPRIMAS TEU IRMÃO’

Também na live, o Padre José Oscar Beozzo, coordenador geral do Ceseep, recordou que Dom Paulo teve papel fundamental para que este centro ecumênico de formação popular iniciasse seus trabalhos em 1982, caminhando em comunhão com as diferentes igrejas cristãs, mas com autonomia enquanto uma instituição civil.

Ao ressaltar que Dom Paulo mais do que falar sobre ecumenismo agia ecumenicamente e pela defesa de toda a vida, Padre Beozzo recordou o episódio em que o Cardeal Arns levou ao plenário da assembleia do Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Itaici, a denúncia de que Vladimir Herzog, judeu e filiado ao Partido Comunista Brasileiro, que fora encontrado morto em 25 de outubro de 1975, havia sido torturado até a morte e não cometido suicídio, conforme a versão apresentada pelos militares à época. O Sacerdote recordou que diante da reação de um dos bispos de que a Igreja nada teria dizer sobre episódio porque Herzog era comunista e judeu, Dom Paulo foi enfático. “‘Ele é uma pessoa, cuja a vida foi tirada. E isso toca a todos nós. Não matarás’. Depois disso, a assembleia dos bispos aprovou que se fizesse um documento, a declaração ‘Não oprimas teu irmão’, que tem apenas uma página, mas fala do que estava acontecendo no País naquele momento. Ela foi assinada no dia 30 e no dia 31 de outubro foi feito o ato inter-religioso na Catedral da Sé, que foi um momento de virada da sociedade civil para resistir à ditadura”, recordou Padre Beozzo.

Durante a live, também foram apresentadas fotos de Douglas Mansur, com diversas passagens sobre a vida de Dom Paulo Evaristo, especialmente em relação à promoção do ecumenismo e do diálogo inter-religioso.

“Temos pela frente o grande desafio e a responsabilidade de pegarmos o legado de Dom Paulo, ligado também ao Evangelho, para que possamos ser testemunhas onde nós estamos”, disse o Cônego José Bizon na conclusão da live.

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