E depois que a tragédia climática passou…

Rovena Rosa/Agência Brasil

À medida que as mudanças no clima se intensificam em todo o mundo, a realidade de eventos climáticos extremos, como tempestades devastadoras, ondas de calor implacáveis, enchentes e incêndios florestais se tornam cada vez mais comuns e obrigam as cidades a pensar em estratégias para serem mais resilientes, ou seja, terem maior capacidade de se prevenir, resistir e se recuperar dos desastres naturais, além de se adaptarem às mudanças climáticas.

UM EXEMPLO DO ‘OUTRO LADO DO MUNDO’

O Japão, considerado referência mundial em tecnologia, tem se destacado na concepção de cidades resilientes. Após enfrentar situações adversas, como terremotos e tsunâmis, as cidades estão sempre preparadas para o pior: os prédios contam com sistemas de amortecimento capazes de resistir a grandes abalos sísmicos; e pensando em minimizar os impactos ambientais, os dutos de ar-condicionado utilizam materiais alternativos, como o papelão.

A cidade de Kyoto, por exemplo, têm investido em conscientização ambiental, envolvendo as empresas, os cidadãos e as escolhas do poder público. Entre as ações, estão o uso de painéis solares em edifícios públicos e o incentivo à adoção de tecnologias de energia limpa. Foram implementadas políticas de eficiência energética, visando à redução do consumo de eletricidade e à diminuição da emissão de carbono.

A frota de ônibus elétricos aumentou e a população é constantemente orientada sobre a importância de reduzir o consumo, reutilizar e reciclar, diminuindo, assim, a quantidade de lixo enviado para os aterros.

O DESPREPARO DAS CIDADES BRASILEIRAS

Já no Brasil, um estudo da Associação de Pesquisa Iyaleta indica o quanto o tema da resiliência das cidades aos extremos climáticos ainda não é uma prioridade:

  • Somente 13,09% das cidades têm um plano específico de redução de riscos a desastres;
  • 27,61% dos municípios têm em seu plano diretor algo que contemple algum tipo de prevenção a enxurradas e inundações;
  • Apenas 13,11% das cidades têm no plano diretor a prevenção de deslizamentos de encostas;
  • Sistemas de alerta para tragédias ambientais existem em somente 7,81% dos municípios.

O saldo do despreparo das cidades brasileiras aos extremos climáticos pôde ser visto no Rio Grande do Sul, em abril e maio deste ano: 469 municípios, com quase 2,4 milhões de pessoas, foram impactados, houve 806 feridos, 182 óbitos confirmados e 29 pessoas ainda estavam desaparecidas até o início de novembro.

OS PRINCÍPIOS DAS CIDADES RESILIENTES

Em entrevista ao O SÃO PAU-LO, Marcelo Dutra da Silva, ecólogo e professor de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explicou que as “cidades resilientes são aquelas que, além de se prepararem para resistir a desastres naturais e eventos extremos, têm a capacidade de se recuperar rapidamente e se adaptar a condições adversas, como mudanças climáticas e outras ameaças globais”.

O ecólogo ressaltou que tornar as cidades resilientes envolve alguns princípios: “Identificar, compreender e utilizar cenários de risco atuais e futuros; ter uma revisão eficiente do plano diretor; proteger áreas naturais, como encostas de rios e áreas verdes para melhorar as funções protetoras decorrentes dos ecossistemas naturais; garantir respostas eficazes a desastres”. Ele também enfatizou que “o crescimento desordenado das cidades e o planejamento inadequado da infraestrutura urbana criam áreas vulneráveis a desastres ambientais”.

O professor lembrou que após a tragédia deste ano, algumas cidades gaúchas estão repensando seu reordenamento urbano, como é o caso de Muçum (RS), no Vale do Taquari, que está reestruturando seu plano diretor e tirando a população das áreas de perigo e realocando-a para locais mais seguros. “É preciso conscientização e implementação das iniciativas para evitar ou minimizar futuras demandas”, finalizou.

RESILIÊNCIA APÓS DESASTRES

Marcos Leandro Kazmierczak, engenheiro florestal, mestre em sensoriamento remoto e doutor em eventos extremos, enfatizou que o estado gaúcho nos últimos 30 anos tem registrado um crescimento significativo de extremos climáticos, sendo os mais recentes a seca em 2021 e 2022 e as enchentes devastadoras em 2023 e 2024.

O especialista frisou que para construir cidades resilientes é preciso priorizar ações que incluam “investimentos em infraestrutura verde, como parques e áreas de drenagem natural, a adoção de sistemas de mobilidade urbana sustentáveis, políticas de eficiência energética em prédios públicos e privados, programas de incentivo ao uso de energias renováveis e à reciclagem, bem como projetos de adaptação climática para lidar com eventos extremos, como enchentes e ondas de calor”.

Um município que têm sido referência na temática, segundo Kazmierczak, é Santos, no litoral paulista. “A cidade destaca-se, por exemplo, como uma das mais adiantadas do país em adotar medidas proativas no enfrentamento das tempestades extremas, com obras de contenção nos morros, recuperação de mangues, macrodrenagem, entre outras ações”, exemplificou.

Kazmierczak ressaltou também ser fundamental que haja investimentos em sistemas de alerta precoce, infraestrutura verde e em iniciativas de educação climática: “É urgente desenvolver programas para conscientizar a população sobre a preservação do meio ambiente e a redução de riscos de desastres; além de utilizar geoprocessamento, sensoriamento remoto e inteligência artificial no planejamento urbano e gestão de riscos”.

TEMPO DE REPENSAR A AÇÃO HUMANA

O doutor em eventos extremos mencionou o exemplo de Santa Cruz do Sul (RS), que após a tragédia deste ano “está com um plano de ação com medidas de controle e atenuação de riscos no enfrentamento de calamidades como enchentes ou estiagens”.

Mara Denise, 62, aposentada, moradora da cidade, perdeu tudo durante as enchentes de maio. À reportagem, ela contou que tem percebido as consequências da ação humana no planeta. “Quando eu era criança, tínhamos quatro estações, com chuvas regulares e temperatura agradável. Agora, enfrentamos longos períodos de estiagem e chuvas intensas em curto período”, recordou. “Precisamos cuidar do meio ambiente, nossa casa comum”, pediu, emocionada, enquanto recordava a experiência de ver sua casa devastada após as fortes chuvas.

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