‘Ecologia Integral’: o que significa o tema da Campanha da Fraternidade deste ano? 

O SÃO PAULO apresenta algumas fundamentações sobre a temática, que está amplamente detalhada na Encíclica Laudato si’

A Ecologia Integral supõe a inter-relação entre o Criador e toda a criação, tendo o ser humano como protagonista no cuidado da Casa Comum
Tomaz Silva/Agência Brasil

Há algumas décadas, falar sobre ecologia remetia simplesmente à ciência que estuda as interações entre os seres vivos e destes com o meio ambiente. Com o passar dos anos, quando se tornaram mais perceptíveis os impactos da degradação ambiental causada pelo homem, a ecologia tornou-se também bandeira de ativismo dos grupos que defendem o meio ambiente. Hoje, porém, com toda a humanidade sujeita aos recorrentes eventos climáticos extremos – tempestades, ondas de calor, queimadas etc. – a temática ecológica tornou-se uma mentalidade, sobre a qual nenhuma pessoa, instituição ou governo pode ser indiferente. 

“Hoje, olhamos para a ecologia como uma mentalidade, uma maneira nova de nos relacionarmos entre nós, buscando comunhão, e com a criação, com o lugar que Deus preparou para nós. E é por isso que se fala em Ecologia Integral”, detalhou Dom Rogério Augusto das Neves, Bispo Auxiliar de São Paulo e Referencial arquidiocesano para a Campanha da Fraternidade, na coletiva de imprensa de lançamento da CF 2025, no dia 5. “Trata-se de uma mentalidade que passa a olhar para a criação não como um bem a ser dominado, mas como um jardim a ser cultivado e guardado”, complementou. 

TUDO ESTÁ INTERLIGADO 

No texto-base da CF 2025, é ressaltado que a Ecologia Integral não se limita ao pensamento de uma “ecologia verde” – o zelo pelas florestas, rios, biomas etc. – mas atenta-se ao cuidado com o meio ambiente como um todo, “ou seja, com o ambiente em meio ao qual nós vivemos e nos relacionamos: da cidade, do trabalho, da família, da espiritualidade, enfim, o cuidado com todas as relações humanas e sociais que compõem a nossa vida nesta Casa Comum” (CF 9). 

Para os cristãos, a Ecologia Integral também tem uma dimensão espiritual: “Professamos, com alegria e gratidão, que Deus criou tudo com seu olhar amoroso. Todos os elementos materiais são bons, se orientados para a salvação dos seres humanos e de todas as criaturas. Assim, ‘Deus viu que tudo era muito bom! (Gn 1,31)” (CF 12). 

Trata-se, portanto, de uma perspectiva sistêmica: “A Ecologia Integral supõe uma inter-relação entre o Criador e toda a criação, na qual o ser humano deveria se destacar como protagonista no cuidado, pois coube a ele a missão de guardião responsável da Casa Comum” (CF 46). 

Desse modo, na Ecologia Integral, conectam-se a preocupação com a natureza, a justiça social, o engajamento na sociedade e a paz interior (cf. Laudato si’- LS 10), e ela apenas se tornará uma realidade a partir da conversão ecológica, uma mudança nas maneiras de ser, pensar e agir individualmente e como comunidade: “Os apelos para uma conversão ecológica propostos pelo Papa Francisco na Laudato si’ permitem resgatar uma Ecologia Integral, unindo fiéis e não fiéis na missão da Casa Comum, construindo grandes e pequenas alianças, reforçando laços da Amizade Social” (CF 56). 

A ECOLOGIA INTEGRAL NA ENCÍCLICA LAUDATO SI’ 

No capítulo IV da encíclica Laudato si’, publicada em maio de 2015 pelo Papa Francisco, são apresentados os componentes da Ecologia Integral, a partir das perspectivas ambiental, econômica, social, cultural, da vida cotidiana, do bem comum e da justiça intergeracional. 

No texto, o Papa Francisco aponta que o conceito de meio ambiente trata da relação entre a natureza e a sociedade que a habita: “Isto impede-nos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera moldura da nossa vida. Estamos incluídos nela, somos parte dela e compenetramo-nos” (LS 139). 

O Pontífice fala ainda de uma necessária ecologia econômica – “capaz de induzir a considerar a realidade de forma mais ampla. Com efeito, ‘a proteção do meio ambiente deverá constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada isoladamente’ [Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, 1992]” (LS 141) – e de uma ecologia social, em diferentes dimensões, “que vão desde o grupo social primário, a família, até a vida internacional, passando pela comunidade local e a nação” (LS 142). 

A Ecologia Integral também envolve pensar no cuidado das riquezas culturais da humanidade: “Mais diretamente, pede que se preste atenção às culturas locais, quando se analisam questões relacionadas com o meio ambiente, fazendo dialogar a linguagem técnico-científica com a linguagem popular” (LS 143). 

Também é destacada a ecologia da vida cotidiana, uma vez que os ambientes do dia a dia influem na maneira como as pessoas veem, sentem e agem. Cada um busca fazer de sua casa, lugar de trabalho e bairro um ambiente que exprima sua própria identidade (cf. LS 147), e mesmo nas situações de grande densidade populacional, são desenvolvidas calorosas relações humanas (cf. LS 148). Por outro lado, viver sob precárias condições facilita a ocorrência de comportamentos desumanos, a cooptação das pessoas pelas organizações criminosas e a sensação de um desenraizamento (cf. LS 149). Assim, é fundamental “cuidar dos espaços comuns, dos marcos visuais e das estruturas urbanas que melhoram o nosso sentido de pertença, a nossa sensação de enraizamento, o nosso sentimento de ‘estar em casa’ dentro da cidade que nos envolve e une” (LS 151). 

Também a ecologia do homem – conceito apresentado pelo Papa Bento XVI, referente à lei moral inscrita na natureza de cada homem e de cada mulher – deve ser respeitada: “A aceitação do próprio corpo como dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mundo inteiro como dom do Pai e Casa Comum (…) Aprender a aceitar o próprio corpo, a cuidar dele e a respeitar os seus significados é essencial para uma verdadeira ecologia humana”. (LS 155). 

O Papa Francisco aponta, ainda, que “a Ecologia Integral é inseparável da noção de bem comum” (LS 156), sendo que este “pressupõe o respeito pela pessoa humana como tal, com direitos fundamentais e inalienáveis orientados para o seu desenvolvimento integral” (LS 157), um princípio que também leva à solidariedade e à opção preferencial pelos mais pobres (cf. LS 158). 

A relação entre a Ecologia Integral e a justiça intergeracional também é destacada: “Se a terra nos é dada, não podemos pensar apenas a partir de um critério utilitarista de eficiência e produtividade para lucro individual. Não estamos falando de uma atitude opcional, mas de uma questão essencial de justiça, pois a terra que recebemos pertence também àqueles que hão de vir” (LS 159). “Às próximas gerações, poderíamos deixar demasiadas ruínas, desertos e lixo. O ritmo de consumo, desperdício e alteração do meio ambiente superou de tal maneira as possibilidades do planeta, que o estilo de vida atual – por ser insustentável – só pode desembocar em catástrofes, como aliás já está a acontecer periodicamente em várias regiões” (LS 161). 

Ainda na Laudato si’, o Papa Francisco lembra que a Ecologia Integral “exige que se dedique algum tempo para recuperar a harmonia serena com a criação, refletir sobre o nosso estilo de vida e os nossos ideais, contemplar o Criador, que vive entre nós e naquilo que nos rodeia” (LS 225); e que ela também é feita de simples gestos cotidianos que quebrem a lógica da violência, da exploração e do egoísmo, bem como do consumo exacerbado que maltrata a vida em todas as suas formas (cf. LS 230). 

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