Eleições 2020 em…?

Câmara e Senado discutem possível adiamento do pleito municipal. TSE mantém cronograma dos preparativos, mas não descarta novas datas

Uma comissão de deputados e senadores deve se reunir na sexta-feira, 29, com o novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, para discutir o possível adiamento das eleições municipais marcadas para o primeiro domingo de outubro.

Eleições municipais estão marcadas para o primeiro domingo de outubro (crédito: TSE)

No dia 19 deste mês, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (MDB-AP), anunciaram a criação de uma comissão mista para analisar a possibilidade de adiamento das eleições, em virtude da crise sanitária do novo coronavírus e das recomendações para que se evite aglomerações de pessoas.

No Brasil, há mais de 150 milhões de eleitores, a votação acontece em uma data unificada e não são raros os registros de filas nas seções de votação, o que torna mais difícil que se evitem aglomerações. A situação tende a ser ainda ser pior em 2020, já que o próprio TSE informou que será necessário aumentar de 380 para 430 a quantidade de eleitores por seção eleitoral, pois não dispõe de verbas adicionais para adquirir mais urnas eletrônicas.

Ao tomar posse da presidência do TSE, na segunda-feira, 25, Barroso não descartou um possível adiamento das eleições, mas ressaltou que isso somente acontecerá “se não for possível realizá-las sem risco para a saúde pública; em caso de adiamento, ele deverá ser pelo prazo mínimo inevitável; prorrogação de mandatos, mesmo que por  prazo  exíguo,  deve  ser evitada  até  o  limite;  e o  cancelamento  das  eleições municipais,  para  fazê-las  coincidir  com  as eleições  nacionais  em  2022,  não  é uma hipótese sequer cogitada”.

O Congresso decide

Na terça-feira, 26, Barroso disse que se pandemia persistir e colocar em risco a saúde da população e não se encontrar uma alternativa para o problema, talvez o 1o turno possa ser adiado para 15 de novembro, e o 2o turno, nas cidades onde haja essa necessidade, para 6 de dezembro. Essa e outras propostas de datas já são debatidas nas duas casas legislativas.

De acordo com o advogado Acacio Miranda da Silva Filho, especialista e professor em Direito Eleitoral, Constitucional e Penal Internacional, qualquer alteração no calendário das eleições só pode ser feita mediante a apresentação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que precisa ser aprovada em dois turnos na Câmara e no Senado.

“Se houver uma proposta de alteração, todo o calendário será mudado. Assim, não há um prazo máximo para que aconteça, pois a proposta já estará encarregada de englobar, inclusive, o prazo máximo de alteração legislativa. Como regra, há no Direito Eleitoral o princípio da anualidade. Assim, todas as alterações feitas na legislação eleitoral somente são aplicáveis àquelas eleições que aconteçam um ano depois da alteração. Porém, se alterarem as eleições e toda a estrutura do processo eleitoral, é provável que o princípio da anualidade seja modificado”, detalhou ao O SÃO PAULO.

O Congresso, no entanto, só deve chegar a uma deliberação sobre o assunto em julho, conforme decisão tomada em uma reunião de Alcolumbre com líderes partidários no dia 25. Os congressistas pretendem aguardar o panorama da pandemia no Brasil até 30 de junho para propor uma solução.

“Vamos esperar e ver os efeitos dessa pandemia, da curva da pandemia no Brasil, pra tomar uma decisão. Até lá não há nada definido”, disse em entrevista à Agência Senado o líder do PDT na casa, senador Weverton Rocha, do Maranhão.

Alternativas

Para evitar aglomerações durante a votação, alguns parlamentares, como o deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), defendem que se estenda o horário para comparecimento das seções eleitorais, das 8h às 20h (hoje a votação se encerra às 17h) e até mesmo a votação ocorra em mais de um dia. “Por que não fazer a eleição na sexta, no sábado e no domingo, por exemplo?”, afirmou à imprensa.

Se as eleições forem em dois dias, o TSE calcula que haverá um gasto adicional de R$ 180 milhões. “Pode haver esse fracionamento, caso esteja contido no projeto de alteração constitucional sobre as eleições. Por exemplo: eleitores de uma determinada zona votariam em um dia, ou eleitores de determinadas iniciais votariam em dias diferentes”, explicou Silva Filho.

Ministro Barroso vê o adiamento como a última das opções

A ampliação do horário de votação também foi ventilada esta semana por Barroso:   “Iríamos de 8h às 20h, com 12 horas de votação. Essa é uma ideia, é uma possibilidade que não depende de lei. Podemos, nós mesmos, regulamentar no TSE”.

A única alternativa ainda não ventilada é a de que o voto seja feito remotamente. Assim, deve ser mantida a necessidade de comparecimento à seção eleitoral para votar. No entanto, se a pandemia persistir, o eleitor que se ausentar pode não ser punido.  

“Existem justificativas em virtude das quais você pode não votar e não será multado. Eu imagino que se o cenário da pandemia até as eleições ainda estiver nebuloso, essa pode ser uma justificativa plausível, mas se houver a alteração das eleições de outubro para dezembro, por exemplo, imagino que isto esteja sendo construído com base em elementos concretos de que a pandemia até lá não estará com uma situação como a atual. Portanto, há essa possibilidade de não ida ao local de votação, desde que o eleitor justifique, e caberá à Justiça Eleitoral entender se é plausível ou não”, comentou Silva Filho.

Corrida contra o tempo

O adiamento das eleições trará problemas práticos à Justiça Eleitoral. Um deles, já mencionado por Barroso, é a falta de tempo hábil para analisar a prestação de contas dos candidatos até a posse dos eleitos, em 1o de janeiro.

Barroso também já se manifestou contrário a quaisquer propostas que levem a extensão dos atuais mandatos de prefeitos e vereadores, como alguns projetos que já tramitam na Câmara e no Senado, propondo que as eleições municipais aconteçam junto com o pleito estadual e federal de 2022.

Acacio Miranda da Silva Filho explica que também essa mudança depende de alteração constitucional. “O mandato de vereador e de prefeito é de quatro anos, nesse caso, encerra-se em 31 de dezembro de 2020. Se uma extensão de mandato não for regulamentada em uma PEC, será declarada vacância destes cargos e os juízes da comarca vão exercer o poder executivo até que sejam realizadas novas eleições”, alertou.

O especialista em direito eleitoral também teme que com o adiamento das eleições não haja tempo para cumprir os procedimentos posteriores ao dia da votação: “Por mais que hoje tenhamos as urnas eletrônicas e a apuração seja célere, existem outras etapas e formalidades a ser cumpridas: eventuais impugnações, diplomações, o tempo de transição entre o atual mandatário e o candidato eleito, isso está regulamentado em alguns municípios, por exemplo. Tudo ficaria bastante complicado. Essa proposta de alteração me parece que está sendo feita sem a devida observância às outras etapas naturais do processo eleitoral e não sei se teremos capacidade de cumprir tudo”.

Monitoramento do TSE

O TSE já constituiu um grupo de trabalho para analisar, semana a semana, o possível impacto da pandemia nas eleições. Um dos relatórios mais recentes deste grupo, datado de 21 de maio, dá conta que “a Justiça  Eleitoral,  até  o  presente  momento, tem condições materiais para a implementação das eleições no corrente ano”.

(Crédito: Agência Brasil)

Por meio de sua assessoria de imprensa, o Tribunal informou à reportagem que a sua Assessoria de Gestão Estratégica e Socioambiental “prossegue com o levantamento dos riscos junto às unidades do TSE. Tal atividade busca identificar hipoteticamente riscos futuros, considerando  cada  cenário  no  decorrer  do  tempo, com o objetivo  de antecipar o adequado tratamento desses eventos, caso ocorram”.

Os trabalhos das equipes técnicas para o desenvolvimento e manutenção das urnas eletrônicas continua sendo feito, e já houve testes em outros sistemas que envolvem a realização das eleições. Outros foram adiados para junho e julho.

O TSE não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre qual o planejamento traçado para que não haja aglomerações de eleitores no dia da votação do 1o turno das eleições municipais.

(Com informações da Agência Senado, Câmara Notícias)

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Fleury Felipe
Fleury Felipe
3 anos atrás

Primeiramente deve-se zelar pela saúde dos eleitores. Do mesmo modo, na economia de recursos públicos que se faz premente, haja vista os gastos exorbitantes necessários para realização de um pleito (custos com fundo partidário, despesas com a Justiça Eleitoral, campanhas, etc). Neste momento, estaria presente uma extraordinária oportunidade para o adiamento das eleições, a fim de unificá-las e se coincidirem com as eleições de 2022, estendendo tão somente os atuais mandatos de prefeitos e vereadores. Bastando para isso, apenas a anuência dos nossos excelentíssimos congressistas para outorga de uma Emenda Constitucional, em liminar de caráter emergencial.

Fleury Felipe
Fleury Felipe
3 anos atrás

A realização de pleito unificado, daqui dois anos, renderá uma economia de cerca de R$ 3 bilhões em dinheiro público, em ano de crise sanitária, gerando uma economia bilionária. Só para se ter um parâmetro, a última eleição, de 2018, custou R$ 5 bilhões aos cofres públicos. É muito dinheiro gasto para um país pobre, cheio de outras e mais urgentes necessidades.
A tese de que unificar eleições traria um inferno gerencial, por si só não se sustenta. Como as eleições hoje são informatizadas, seriam apenas mais dois logs na base de dados para votação. Hoje o eleitor brasileiro já se encontra bastante familiarizado com a urna eletrônica, acrescentar mais dois cargos na votação de modo algum criaria prejuízo. Já querer manter a eleição para outubro, somente uma mente atrasada pensaria nessa absurda possibilidade. Merece destaque, igualmente, o fato de diversas autoridades ao redor do mundo também concordarem com o adiamento de importantes eventos em função da pandemia.