Elizabeth Saad: ‘Seguiremos juntos com a IA. É um cenário sem volta’

ECA-USP/Departamento de Jornalismo e Editoração – CJE

Uma das conferencistas do 4º Seminário de Comunicação, promovido pelo Serviço à Pastoral da Comunicação (SEPAC) e Paulinas Cursos, em Parceria com a Arquidiocese de São Paulo e a Signis Brasil, entre os dias 2 e 4, a professora Elizabeth Nicolau Saad, titular sênior do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicação e Artes da USP, falou ao O SÃO PAULO sobre os desafios e perspectivas da inteligência artificial, tema 58º Dia Mundial das Comunicações Sociais, a ser celebrado em 12 de maio.

Doutora em Ciências da Comunicação, Beth Saad, como é mais conhecida, é pesquisadora nas áreas de comunicação digital e jornalismo digital, palestrante internacional e estrategista digital.

O SÃO PAULO – Como a senhora enxerga a recente evolução das tecnologias de inteligência artificial na comunicação?

Elizabeth Saad – A presença da inteligência artificial (IA) na sociedade, e claro na comunicação, não é uma novidade. O momento atual chama mais a atenção por causa do lançamento do modelo ChatGPT, em novembro de 2022, um aplicativo público, aberto e disponível para qualquer pessoa que tenha em mãos algum dispositivo digital – computador, celular, relógio, assistentes de voz etc. Como assistimos em momentos anteriores da internet, por exemplo, o surgimento da web social que permite interações entre usuários, agora a IA chega para explicitar nossa interação direta com as máquinas. Reforço que a IA sempre existiu nos bastidores dos sistemas digitais para sustentar mecanismos de busca, enquetes, dar um like, comentar etc. Para o campo da comunicação, temos um momento interessante, por um lado, facilitador na criação de conteúdo, imagens, formatos visuais, correlação de informações etc.; por outro lado, é um momento em que precisamos conter o entusiasmo – o hype [moda, tendência], em nomear tudo com o rótulo “inteligência artificial” como uma forma de passar uma imagem de marketing, de pioneirismo e inovação.

Quais são os principais desafios éticos que a inteligência artificial apresenta para a sociedade?

A IA é feita e operada pelo ser humano. Sua autonomia operacional é definida e limitada às necessidades de seu desenvolvedor e daquele que “encomendou” a aplicação de uso. Com isso, os desafios éticos são os mesmos que a sociedade enfrenta no seu cotidiano. A ética da IA, e dos algoritmos que a constituem, depende de como a máquina e o software foram instruídos pela mão humana para realizar tal ou qual atividade, tal ou qual busca. Exemplificando: se desenvolvemos um algoritmo com razoável autonomia de aprendizado – como o ChatGPT, e pedimos para que este crie uma narrativa tendenciosa a respeito de um fato, e que distribua esse conteúdo por sistemas de busca ou os mensageiros tipo Telegram, resulta numa ação de IA pouco ética, que deliberadamente manipula uma informação. Considero a ética, no atual cenário da sociedade digitalizada, como o ponto central e de inflexão para seguirmos numa convivência responsável. Ainda temos muitos desafios pela frente.

Como a inteligência artificial está influenciando a maneira como consumimos e produzimos conteúdo informativo?

Atualmente, sistemas como as versões mais recentes do ChatGPT para textos, ou o Midjourney para imagens, são usados como facilitadores à produção de conteúdos. Pensando no jornalismo, tais sistemas podem fazer checagem de dados, construir listas diversas, verificar a origem e veracidade de um conteúdo já disponibilizado na rede. Com isso, o jornalista pode ter seu tempo otimizado para desenvolver aprofundamentos, investigações criteriosas, buscar fontes obscuras e gerar matérias mais bem construídas e contextualizadas. Por outro lado, sob o ponto de vista do consumo informativo, o leitor final não tem como distinguir um conteúdo criado exclusivamente por IA (a não ser que o veículo deixe essa autoria explícita). Mas, a mídia usa a IA para fazer seus conteúdos mais contextualizados, verificados, o consumidor sai ganhando em qualidade e pertencimento social.

A inteligência artificial pode ajudar a resolver problemas de desinformação e fake news? Ou justamente o contrário: pode potencializá-los?

As duas possibilidades são reais, dependendo do uso que se faça de um sistema de IA. Não diria que a IA “resolveria” a disseminação de desinformação, mas tem o potencial de identificar sua consistência por meio de verificação de fontes e de produtores do conteúdo, estruturas de distribuição de uma notícia, comparação entre conteúdos similares, por exemplo. Ocorre que, da mesma forma e com os mesmos instrumentos, é possível potencializar a desinformação dependendo da instrução que o homem dá ao sistema inteligente.

Como as tecnologias de IA estão moldando o futuro do jornalismo e da produção de notícias?

Como afirmei anteriormente, o jornalismo pode se beneficiar em muito do uso de sistemas de IA generativa, ou seja, de sistemas que aprendem e se autoaprimoram com o uso para construir um processo mais otimizado das rotinas nas redações. Ocorre que, para que tal eficiência se instale, será preciso uma mudança cultural do campo jornalístico, com ampliação dos treinamentos dos profissionais para dialogar com a “inteligência” da empresa, para investir em sistemas inteligentes confiáveis e que não sejam uma caixa preta cuja alteração dependa do “dono” ou criador do sistema. De toda forma, o futuro do jornalismo já é o agora, já vivencia a incorporação da IA em suas operações, exigindo atenção contínua e olhar em perspectiva para não perder (novamente) o bonde da inovação.

Quais são os desafios legais e regulatórios que surgem com o avanço da IA na comunicação?

A questão da regulação é complexa e uma preocupação global, pois os sistemas de IA são pautados pelo predomínio de seus proprietários – as big techs e suas subsidiárias. O embate acerca da governança da rede envolve, de um lado, o capital neoliberal das corporações com alto interesse no controle de dados, dos governos com interesses dos mais diversos e da sociedade em geral, cuja voz é pouco considerada em vários momentos, quando deveria ser o contrário. A regulação é necessária, o cenário de IA está tomando o tecido social de forma acelerada, mas as discussões ainda estão em seus primeiros passos.

Como as preocupações com a privacidade e a segurança de dados estão sendo abordadas no contexto da inteligência artificial na comunicação?

Importante ressaltar que nossa privacidade já se perdeu há muito, embora a grande maioria das pessoas não tenha consciência disso. O simples fato de preenchermos um cadastro, seja no computador, seja no celular, ou utilizarmos aplicativos como o Instagram, indica que estamos enviando nossas informações para algum banco de dados que irá fazer uso disso de múltiplas formas, sem o nosso conhecimento, apesar de nossa LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais]. Uma vez que nossos dados seguem para uma grande nuvem gerenciada por uma corporação, há que se confiar que estas tenham múltiplas camadas de segurança em seus sistemas, conexões, linhas de comunicação. Todo esse cenário incide em cada um de nós: cuidados na divulgação de informações pessoais, cliques em links que chegam aleatoriamente no celular, cuidados com a própria imagem ao divulgar fotos, locais, entre outros.

Por fim, na avaliação da senhora, para onde vamos com a inteligência artificial?

Seguiremos juntos com a Inteligência Artificial, como seguimos anteriormente com as mídias e redes sociais. É um cenário sem volta. Caberá ao ser humano definir se iremos autônomos e esclarecidos ou se partirmos para uma submissão desoladora. Sou otimista que seguiremos ativos e comandantes da IA.

POR FERNANDO GERONAZZO E IRMÃ HELENA CORAZZA

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