
Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO
No domingo, 19, a comunidade peruana no Brasil foi à Paróquia Nossa Senhora da Consolação, na Região Sé, para festejar o Señor de los Milagros – Senhor dos Milagres.
Inicialmente, foi celebrada a missa solene, presidida pelo Padre Assis Donizeti de Carvalho, Vigário Paroquial, e concelebrada pelos Padres Alessandro Enrico de Borbón, Pároco, e Antonio Díaz Muñoz, Animador da Irmandade do Senhor dos Milagres, que veio do Peru especialmente para as festividades, que incluíram uma novena preparatória entre os dias 10 e 18.

Após a missa, houve a tradicional procissão pelas ruas do entorno da matriz paroquial, reunindo fiéis em um forte testemunho de fé e devoção.
No mesmo dia, na Basílica de São Pedro, no Vaticano, foi celebrada uma missa em honra ao Señor de los Milagros, presidida pelo Cardeal Pedro Barreto, Arcebispo Emérito de Huancayo, no Peru. Mais cedo, antes da oração do Angelus, o Papa Leão XIV, que foi sacerdote missionário e bispo no Peru, saudou os peregrinos da Irmandade do Senhor dos Milagres.

O CRISTO QUE RESISTE E SE FAZ PRESENÇA
A devoção ao Senhor dos Milagres teve início por volta de 1650, quando um escravo angolano pintou uma imagem de Cristo Crucificado em um muro de adobe – tijolos de barro cru –, no bairro de Pachacamilla, em Lima, Peru.
Em 1655, um forte terremoto afetou Lima, reduzindo a escombros igrejas e edifícios, porém, o muro onde estava pintada a imagem do Senhor crucificado não sofreu dano algum. Em 28 de outubro de 1687, Lima foi afetada por um maremoto, acarretando grandes danos à cidade, entretanto o altar onde estava a imagem foi poupado.
Depois desses acontecimentos, a imagem do Senhor crucificado passou a ser venerada pela população escrava e indígena da cidade, sendo chamada de “Señor de los Milagros”.
Hoje, a festa é celebrada em Lima e em outros países no mês de outubro, em uma grande procissão na qual a pesada imagem do Senhor é carregada pelos fiéis.

‘O ABRAÇO DE DEUS’
A devoção ao Senhor dos Milagres nasceu e se fundamenta na fé simples e profunda de um povo que olha para o padroeiro com esperança. “O olhar para Ele se funda na necessidade de sentir-se acolhido”, explicou Osvaldo Alfredo Rovetto Castaneda, membro da Irmandade do Senhor dos Milagres da Paróquia Nossa Senhora da Consolação. “Há uma mística particular. Ele produz esse efeito de consolo, especialmente para quem deixou o país em busca de um novo começo”, completou.
Para Osvaldo, o patrono é um símbolo de esperança para a comunidade imigrante: “Mais do que uma devoção, o Senhor dos Milagres tornou-se um elo entre culturas e gerações. A fé no Senhor dos Milagres é o abraço de Deus aos que deixaram sua terra, mas não perderam a esperança”.
Padre Assis Donizeti acompanha os membros da Irmandade e os devotos. Ele assegurou que embora a tradição tenha raízes peruanas, a celebração do Senhor dos Milagres “acolhe todas as etnias e povos”.

“Aqui, além dos peruanos, há argentinos e brasileiros que participam. Os pedidos são por saúde, trabalho, reconhecimento, inclusão. É a fé que une a todos”, sublinhou Padre Assis.
Padre Antonio Dias Muñoz lembrou que a fé se estruturou em irmandades que levaram a imagem e sua mensagem por todo o mundo. “É o padroeiro da cidade de Lima e dos migrantes peruanos espalhados pelo mundo. É uma devoção que expressa a identidade de um povo que, mesmo diante da dor e da distância, encontra força em Cristo crucificado.”

FÉ ALÉM DAS FRONTEIRAS
Para Luís Armando Monteagudo, cônsul-geral do Peru em São Paulo, a celebração é um marco de união. “É uma tradição que nos enche de emoção. O povo peruano é profundamente religioso, e o Senhor dos Milagres é símbolo de fé, amor e esperança. Onde há um peruano, há essa devoção viva,” disse, mencionando que a comunidade peruana no estado de São Paulo é de 38 mil pessoas, no Brasil em torno de 70 mil, e que existem 260 irmandades no mundo
Carlos Roberto Mamani Romero, presidente da Irmandade do Senhor dos Milagres em São Paulo, destacou que a missão do grupo é difundir a fé e a espiritualidade do Cristo Crucificado e manter viva a devoção: “Para manter a devoção, dedicamos o primeiro domingo de cada mês à Santa Missa e preparamos a grande festa do padroeiro em outubro, com a novena preparatória e a tradicional procissão. Queremos ampliar nosso trabalho com ações de caridade, ajudando os irmãos que mais precisam”.

Vicentina Cancapa Garcia, 51, veio ao Brasil há 28 anos para trabalhar. Ela se emocionou ao contar a ação do Senhor dos Milagres em sua vida: “Eu sentia fortes dores, não conseguia mexer o braço. Comecei a frequentar as missas e procissões do Senhor dos Milagres, e as dores simplesmente sumiram. Ele me trouxe cura e conforto. Na sua presença, eu me sinto acolhida, nunca sozinha”.
A devoção também é transmitida de geração em geração. A peruana Júlia Isabel Cabrera, acompanhada do esposo Paulo Roberto e das filhas, Nicole, Jade e Naisha, afirma que participar da procissão é uma forma de preservar a fé e a cultura herdada dos pais: “É uma tradição que aprendi com meus pais e agora queremos deixar como legado para nossas filhas. O Senhor dos Milagres faz muitos milagres, e a gente sente sua presença a nos abençoar no dia a dia.”