Fiocruz: pandemia impulsiona déficit de 1,1 milhão de procedimentos no SUS

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

De 2020 até maio deste ano, o Sistema Único de Saúde (SUS) deixou de realizar 1.102.146 procedimentos e atendimentos hospitalares, se comparado à média registrada entre 2014 e 2019, período anterior à pandemia de COVID-19.

A conclusão é de um estudo conduzido por pesquisadores do Monitora Covid-19 e do Projeto de Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde (Proadess), iniciativas vinculadas ao Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz). Os dados consideram os 30 grupos de procedimentos listados no Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do SUS.

 No período inicial da pandemia – de março a maio de 2020 –, muitos procedimentos hospitalares deixaram de ser realizados, especialmente aqueles com finalidades diagnósticas e cirúrgicas. E, apesar de nos primeiros cinco meses de 2022 haver uma recuperação, a demanda represada ainda é alta.

 “O déficit se observa pela expressiva redução da capacidade dos serviços de saúde de atenderem demandas distintas da COVID-19. Embora o maior impacto tenha se dado no ano de 2020, em 2021 houve poucas variações, e 2022 apresenta diversidade de situações, embora com algumas tendências de recuperação, como, por exemplo, dos tratamentos clínicos”, detalhou, ao O SÃO PAULO, Ricardo Dantas, pesquisador em Saúde Pública, coordenador do Proadess e um dos responsáveis pelo estudo.

MAIORES DÉFICITS

Entre os procedimentos com maiores déficits estão as cirurgias do aparelho digestivo e de órgãos anexos e parede abdominal; do aparelho geniturinário; do aparelho circulatório; das vias aéreas superiores, da face, da cabeça e do pescoço; e tratamentos em nefrologia, o que se explica, segundo Dantas, “muito possivelmente pelo caráter eletivo de boa parte desses procedimentos em contraposição àqueles de emergência. Durante a pandemia, houve a suspensão da realização de procedimentos eletivos em função das demandas relacionadas à COVID-19. Acrescente-se o receio da população de procurar atendimento em função do risco de contaminação”.

Na nota técnica emitida pelos pesquisadores, há a ressalva de que “as ações de promoção e prevenção em saúde já vinham apresentando tendência de queda em períodos anteriores ao processo epidêmico. Os transplantes de órgãos, tecidos e células, os procedimentos com finalidade diagnóstica, os procedimentos cirúrgicos e os procedimentos clínicos tiveram uma queda significativa durante o processo epidêmico”.

Em todas as regiões, houve redução nos procedimentos, mas o cenário mais preocupante se deu no Nordeste, especialmente quanto às cirurgias. “A oferta hospitalar concentrada nas capitais e em municípios de maior porte populacional, associada à densidade populacional dos estados da região, pode ser uma possível razão dessa situação complexa”, observou Dantas.

Em números absolutos, o maior déficit ocorreu no Sudeste, com 398.729 procedimentos a menos. Nessa região, segundo Dantas, “os tratamentos clínicos estão apresentando certa recuperação, porém boa parte dos procedimentos cirúrgicos ainda não voltaram aos padrões anteriores”.

CENÁRIO PREOCUPANTE

De acordo com os pesquisadores, a demanda reprimida nos exames e diagnósticos pode levar ao agravamento de condições clínicas não atendidas a tempo: “Por exemplo, a queda dos atendimentos por glaucoma e catarata que seriam realizados por meio de cirurgias eletivas e que, no momento oportuno, evitariam o agravamento do problema, podem a longo prazo trazer impactos maiores e indiretos como a cegueira”.

 Dantas apontou que possivelmente haverá no SUS “o aumento da procura de pessoas em condições mais críticas relativas a Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs), como diabetes, doenças relacionadas à hipertensão, entre outras; também, situações agravadas relacionadas a cirurgias não realizadas e outros tratamentos, que podem levar à procura de soluções mais complexas e custosas. Além, logicamente, do próprio impacto das síndromes pós-COVID, que, por sua longa duração e complexidade, podem implicar maiores custos”.

INVESTIMENTO E UNIÃO DE ESFORÇOS

Os pesquisadores apontaram, ainda, que a atual demanda represada demandará a destinação de mais recursos à saúde pública. “O investimento massivo no SUS é necessário para a identificação de problemas que não puderam ser diagnosticados. Ainda é necessário monitorar em longo prazo os impactos indiretos da COVID-19, sobretudo em casos que não puderam ser atendidos no momento oportuno, além de solucionar demandas postergadas”, consta na nota técnica.

Na avaliação de Dantas, o melhor caminho diante deste cenário é que se adotem estratégias articuladas entre os entes federativos, “destacando princípios relevantes do SUS como a regionalização e a hierarquização; mas, fundamentalmente, são necessários investimentos na ampliação da oferta de serviços, especialmente na contratação de profissionais e no fortalecimento do papel dos serviços públicos”.

Questionado se os mutirões de saúde feitos por municípios e estados podem ser uma alternativa viável, Dantas observou que o déficit é muito diverso, e que, por isso, “talvez caiba mais um mutirão de consultas e de exames para melhor avaliação das situações individuais, direcionando para uma regulação mais articulada e capaz de usar os recursos das redes de forma mais eficiente”.

 Em agosto deste ano, em uma carta enviada a todos os presidenciáveis, a Fiocruz defendeu um aumento progressivo do investimento público em Saúde para 7% do PIB nos próximos oito anos. Em 2022, o orçamento do Governo Federal para a área da Saúde foi inferior a 4% do PIB.

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