Fusão nuclear e o futuro da energia limpa

Pela primeira vez, cientistas conseguiram realizar uma reação de fusão nuclear capaz de gerar mais energia do que a empregada; resultado está sendo comemorado como o futuro da energia limpa

Foto: Divulgação LLNL

A fusão é o processo pelo qual dois núcleos leves se combinam para formar um único núcleo mais pesado, liberando uma grande quantidade de energia (Foto: Divulgação LLNL)

No início deste mês, o Departamento de Energia dos Estados Unidos anunciou que cientistas do Laboratório Nacional Lawrence Livermore (LLNL, na sigla em inglês), realizaram uma reação de fusão nuclear que gerou mais energia do que a empregada. A conquista, inédita em todo o mundo, está sendo celebrada como um divisor de águas para o futuro da energia limpa, que entrará para a história como um dos mais importantes avanços científicos da humanidade. Mas o que é uma reação de fusão e como esse experimento irá contribuir para o futuro do planeta?

Atualmente, uma das formas de se produzir energia é a fissão nuclear, em que os núcleos de átomos são divididos em núcleos menores, gerando uma reação em cadeia que libera grande quantidade de energia. Essa tecnologia, descoberta na década de 1930, apresenta diversas limitações, como a baixa disponibilidade de Urânio 235, que é o principal combustível empregado no processo, os riscos de acidentes — como os ocorridos em Chernobyl e Fukushima — e a alta produção de rejeitos radioativos, que precisam ser armazenados cuidadosamente por cerca de 300 anos.

A fusão, por sua vez, é o oposto desse processo. Nela, núcleos de átomos muito leves — geralmente Trítio e Deutério — se fundem, o que também gera uma grande quantidade de energia. Este é o mesmo fenômeno que acontece no interior de estrelas como o sol. É muito complexo reproduzi-lo, porque núcleos atômicos possuem cargas positivas, que se repelem. Tal complexidade é uma vantagem, porque, se houver qualquer problema com o reator à fusão, a reação simplesmente para de acontecer, ao invés de continuar de forma descontrolada, como acontece nos acidentes nucleares.

O cientista Ricardo Galvão, que pesquisa fusão nuclear controlada e física de plasmas — o estado da matéria encontrado nas estrelas —, explica que outras vantagens incluem o fato de o combustível do Deutério ser facilmente retirado da água do mar, enquanto o Trítio pode ser produzido a partir do Lítio das baterias. Além disso, essa tecnologia praticamente não gera resíduos radioativos. “Eles produzem um pouco, porque as paredes do reator precisam ser irradiadas e se tornam radioativas, mas não é algo que precise ser guardado por centenas de anos. Seriam cerca de trinta anos”, afirma.

Foto de um homem que aparece do pescoço para cima. Ele é branco, tem cabelo e bigode grisalhos e usa terno escuro.
Foto: Antonio Scarpinetti

Galvão, que é docente na USP, ajudou a estabelecer um grupo de pesquisas sobre física de plasmas na Unicamp, onde cursou o mestrado em engenharia elétrica, além de ter contribuído para a construção do primeiro reator experimental de fusão nuclear da América Latina. Ele explica que existem duas formas de gerar reações de fusão, chamadas de confinamento magnético e confinamento inercial. No primeiro tipo, o gás presente no plasma é confinado por campos magnéticos com o uso de uma máquina chamada Tokamak, enquanto, no segundo, uma pastilha-alvo contendo isótopos de hidrogênio é aquecida por um laser.

O experimento do LLNL faz parte do segundo caso. Um laser com 192 feixes de luz incidiu mais de 500 terawatts de potência sobre uma cápsula de dois milímetros contendo Trítio e Deutério congelados. “Quando o laser bate, ele ioniza toda a superfície da pastilha e produz o que nós chamamos de plasma de altíssima densidade”, comenta Galvão. “Este plasma explode, gerando uma onda de choque tão intensa que comprime a pastilha a uma densidade cerca de vinte vezes maior do que a do chumbo. Com uma temperatura altíssima, da ordem de milhões de graus centígrados, a fusão ocorre novamente, gerando um efeito em cascata”, esclarece.

Perspectivas comerciais

O dispositivo usado no experimento, chamado de National Ignition Facility (NIT), incidiu 2,05 megajoules (MJ) de potência, que produziram 3,15 MJ de energia de fusão. Embora seja uma quantidade maior do que a empregada, ainda falta muito para que isso resulte em uma aplicação comercial. Primeiro, porque essa quantidade de energia é suficiente para ferver apenas 20 chaleiras de água — o que custou cerca de US$3,5 bilhões; segundo, porque os lasers consumiram uma quantidade de energia bem maior no processo: 322 megajoules. Além disso, o NIT é capaz de produzir apenas uma reação por dia, enquanto uma planta comercial precisaria gerar dez por segundo.

Foto de um equipamento.
Foto: Divulgação LLNL

De acordo com Ricardo Galvão, a criação dessa tecnologia foi algo muito complexo. Cada laser utilizado tem quase um quilômetro de comprimento e chega a potências tão altas que quebram as lentes que são inseridas para focalizar. Ao mesmo tempo, a superfície da pastilha-alvo fica instável quando recebe a incidência de energia. “Ela pode distorcer, escapar, romper. E a física necessária é muito complicada, porque quando essa bolinha é comprimida, a matéria passa para um estado desconhecido para nós. A temperatura é tão alta que não sabemos nem descrever esse estado corretamente, então houve um processo muito longo de aprendizagem”, revela.

Por outro lado, existe a possibilidade de que a fusão por laser nunca seja utilizada para a produção de energia comercial. Isto porque o National Ignition Facility não foi criado com esse objetivo, mas sim para auxiliar o programa de pesquisa em armamento nuclear do Departamento de Energia dos Estados Unidos. Desde que o primeiro laser foi criado, na década de 1960, cientistas perceberam que ele poderia ser utilizado para ativar bombas de hidrogênio e, com a assinatura do Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares (CTBT), nos anos 1990, a fusão por confinamento inercial passou a ser uma alternativa que permitiria simular esses artefatos em laboratório.

Para muitos pesquisadores, incluindo Galvão, a fusão que levará à energia verde virá do confinamento magnético, que não tem aplicação militar. No entanto, o International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER), protótipo baseado na tecnologia Tokamak que está sendo construído no sul da França, prevê os primeiros resultados somente para 2035. “A razão dessa demora é que eles trabalham muito mais cuidadosamente e sem tanto dinheiro investido. Por outro lado, nas pesquisas por confinamento magnético, há muita troca de experiências e de pesquisadores, o que não acontece no confinamento inercial, porque as informações são confidenciais, devido às aplicações militares”, relata.

Foto de um experimento científico com emissão de uma luz azul
Foto de capa JU-online

(Texto: Paula Penedo Pontes)

Fonte: Jornal da Unicamp

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