Pesquisadores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP atuam com pesquisa e intervenção para ajudar que pessoas em luto possam vivenciá-lo de forma menos isolada e mais fortalecida por uma rede de apoio social
A pandemia de covid-19 causou um cenário em que o óbito se tornou mais presente no cotidiano das pessoas e muitos não sabiam como lidar com o luto. Para ajudar e proporcionar apoio a essas pessoas durante esse período difícil, o grupo de pesquisa e intervenção Lute – Lutos e Terminalidades, integrado ao Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, criou um atendimento on-line para oferecer suporte e apoio social na vivência do luto durante a pandemia.
Nesse período, o grupo terapêutico on-line atendeu pessoas de várias regiões do Brasil. Dessa forma, no auge da pandemia, quem estava enfrentando o luto pôde vivenciá-lo menos isolado e mais fortalecido por uma rede de apoio. “Nós entendemos que a possibilidade das pessoas enlutadas se encontrarem em um grupo terapêutico, um espaço seguro que possibilita troca de afetos, e falarem sobre as suas perdas contribui para a diminuição do isolamento e na criação e no fortalecimento de rede de apoio social, essenciais quando a gente vive um luto”, diz a pesquisadora Pâmela Perina Braz Sola, que acompanha e estuda as ações do grupo para a sua pesquisa de mestrado, mas já rendeu um artigo científico premiado no 14º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde, realizado em Portugal em setembro deste ano.
Para a pesquisadora, o grupo pode continuar ajudando as pessoas mesmo depois desse período de pandemia, “porque o luto continua sendo vivido ao longo de muito tempo”, e se estender a outras pessoas que perderam seus familiares por outras causas além da covid-19, por isso, o Lute vai continuar oferecendo o serviço ao longo de 2023. Para saber como participar, acompanhe o grupo no Instagram no perfil @luteusp (é necessário estar logado na rede social) e no endereço https://linktr.ee/luteusp.
Para levar mais informações sobre os processos de luto e morte para pessoas de fora da Universidade, o Lute também lançou recentemente o Lutecast, um podcast em que os membros do grupo conversam com “pesquisadoras brasileiras sobre morte e luto”. Os episódios estão disponíveis nas plataformas Spotify e Anchor. A ideia é debater e ampliar a discussão sobre o tema no contexto brasileiro, “propor reflexões, inaugurar um espaço em que possamos afetar outras pessoas que também se interessem sobre esses temas”, conta Pâmela, que também apresenta os episódios, junto com o pesquisador Jorge Henrique Correa dos Santos. “A partir dessa vontade de falar e refletir sobre como morremos, como vivemos os nossos lutos, estamos buscando encontrar e até criar novos espaços de diálogo.
“O podcast é uma forma também mais acessível e, ainda assim, científica de difundir conhecimentos acadêmicos que são fundamentais, considerando todo o cenário e toda a pandemia que estamos vivendo desde 2020. Nós nos preocupamos muito em oferecer atendimentos psicológicos de qualidade às pessoas enlutadas, ao mesmo tempo em que a gente também se preocupa com a formação profissional de alunos da graduação de Psicologia e também com a divulgação científica”, completa Pâmela.
A busca por compreensão
A pesquisa de mestrado de Pâmela nasceu do interesse em querer compreender como as pessoas estavam vivendo um luto por uma morte provocada pela covid-19 em plena pandemia. “Os hospitais estavam lotados, faltavam leitos, faltava oxigênio, muitas visitas hospitalares foram proibidas ou foram drasticamente restritas, os protocolos de enterro mudaram também, os caixões passaram a ser lacrados, teve proibição de velórios muitas vezes.”
Por isso, Pâmela passou a procurar pessoas que tinham vivido o luto de algum familiar que faleceu em decorrência da doença e uma das preocupações que tinha era a de “oferecer um espaço de acolhimento e de cuidado para as pessoas. Se elas quisessem, poderiam participar do grupo terapêutico, e a primeira experiência foi tão enriquecedora, que decidimos continuar fazendo grupos terapêuticos para pessoas enlutadas”.
Pâmela conta que, mesmo com esses esforços das equipes de saúde em aproximar as famílias, a distância física durante a internação foi fonte de muito sofrimento e também dificultou a realização de despedidas. “Foi muito difícil para eles, estando distantes, entender qual era o real estado de saúde do familiar. E quando a morte veio, foi uma surpresa difícil de assimilar, com uma despedida no pós-morte muito acelerada e esvaziada.”
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Luto privado
Viver um luto acompanhado de estigmas, com limitações no apoio que se podia receber, foi fonte de muito sofrimento, segundo Pâmela. Isso porque a necessidade de manter o distanciamento físico após contrair o vírus até depois do falecimento “contribuiu muito para que o luto fosse vivido de maneira privada, pois até mesmo as reuniões e locais onde as pessoas receberiam apoio estavam fechados e proibidos”.
A professora e orientadora do estudo, Érika Arantes de Oliveira-Cardoso, diz que o apoio social “tem um papel fundamental para a preservação da saúde mental do enlutado” e pode vir de diversas formas, seja emocional ou na reorganização do cotidiano, que fica muito modificado com a ausência daquela pessoa que tinha tarefas e funções específicas. “O apoio social faz com que o enlutado sinta o tanto que é amado e amparado, mas também o quanto aquela pessoa que se foi era uma pessoa que tinha o afeto dos outros, que colocam seus sentimentos e oferecem ajuda. Nesse sentido, é uma validação da importância social da pessoa que partiu”, afirma.
Fonte: Jornal da USP