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Índice revela municípios com maior dificuldade de adaptação às mudanças climáticas

Vulnerabilidade da população a eventos climáticos extremos aumenta devido à ausência de gestão de riscos e apoio ao planejamento urbano e uso do solo

Prefeitura Municipal de Porto Alegre

Os municípios brasileiros estão cada vez mais expostos a eventos climáticos extremos, como grandes inundações e secas severas. Para avaliar sua capacidade de se adaptar e apoiar os gestores na governança climática, pesquisadores da USP e de instituições do Brasil e do exterior criaram o Urban Adaptation Index (UAI). O índice avalia políticas públicas e instrumentos importantes para a adaptação, incluindo aqueles relacionados à habitação, mobilidade, sistemas alimentares, gestão ambiental e de riscos climáticos. A aplicação do índice revela uma grande ausência de planos de redução de riscos e até de instrumentos de apoio ao planejamento urbano e sobre o uso e ocupação do solo, aumentando as condições de vulnerabilidade de populações e territórios aos impactos dos eventos climáticos.

Entre as capitais brasileiras, Recife aparece com a pior pontuação: 0,46, superada por Aracaju e Boa Vista, que também tiveram pontuação baixa: 0,54, chamando atenção – assim como regiões vulneráveis dentro dos munícipios que pontuaram mais – para carências de infraestrutura, ausência ou ineficácia de políticas públicas que ampliam ainda mais as desigualdades estruturais e seus efeitos. Os 4.893 menores municípios do País tiveram pontuação ainda mais baixa no índice, alcançando entre 0,33 e 0,44.

Brasília (0,95), Belo Horizonte e Curitiba (ambas 0,98) são as três primeiras colocadas entre as capitais, e São Paulo, como maior cidade do País, pontuou 0,89 – a existência dos instrumentos avaliados pelo índice não
significa que os esforços de adaptação estejam avançando concretamente,
tampouco que a adaptação esteja distribuída homogeneamente.

“A existência de um instrumento ou política pública não necessariamente significa sua eficácia, tampouco contempla as complexidades e desigualdades de seus territórios”, explica ao Jornal da USP Gabriela Di Giulio, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP que coordenou o estudo.

Os resultados do estudo são descritos em artigo da revista científica Sustainable Cities and Society

“Adaptação climática pode ser entendida como processos de ajustamentos em diferentes áreas e setores para antecipar possíveis impactos adversos relacionados aos extremos climáticos na tentativa de reduzir as vulnerabilidades”, diz a professora, primeira autora do artigo. “Capacidade adaptativa, por sua vez, é o potencial de um sistema, como uma cidade, em mudar para um estado considerado mais desejável frente aos impactos e riscos às mudanças climáticas.”

A professora aponta que o estudo procurou avançar em três frentes. “A primeira foi trazer um retrato atual sobre a capacidade de adaptação institucional dos municípios brasileiros por meio da aplicação de um índice que desenvolvemos chamado Urban Adaptation Index (UAI)”, relata. “Ele é estruturado em torno de cinco dimensões de políticas públicas que apoiam intervenções de adaptação urbana, incluindo habitação, mobilidade urbana, sistemas alimentares urbanos, gestão ambiental e gestão de riscos climáticos.”

“Aplicamos esse índice para todos os municípios do Brasil e mostramos quais são as dimensões mais deficientes e por que a inexistência de políticas públicas importantes é preocupante no contexto atual das cidades brasileiras que têm sofrido cada vez mais com os impactos das alterações climáticas” – Gabriela Di Giulio

De acordo com ela, entre essas políticas estão o plano municipal de habitação, plano municipal de redução de riscos ou ainda leis ou instrumentos de uso e ocupação do solo relacionados à prevenção de enchentes e deslizamentos.

A segunda frente avançou sobre o entendimento sobre as interações que existem entre capacidade adaptativa e justiça climática na escala local. “A adaptação requer não apenas medidas relacionadas à capacidade genérica, que abordam múltiplos problemas e oferecem diversos benefícios, por exemplo, moradia adequada, proteção ambiental, práticas alimentares sustentáveis e mobilidade”, diz a professora da FSP. “Ela envolve também o desenvolvimento e a consolidação de itens de capacidade específica, importantes para lidar com os riscos climáticos, cujos impactos atingem com mais força as populações vulnerabilizadas, tais como mapeamento de áreas de risco e coordenações de defesa civil.”

“Justiça climática refere-se a como os resultados e procedimentos implementados pelas políticas, em particular as relacionadas com as questões climáticas, estão abordando ou agravando questões de desigualdade social. Nosso estudo focou o princípio distributivo, ou seja, se e como as políticas e instrumentos avaliados pelo UAI e seus impactos são distribuídos pela sociedade e quem se beneficia dessas medidas”, sinaliza Gabriela Di Giulio. “Para isso, a terceira frente do estudo publicado foi fazer uma análise em maior profundidade nas cidades de São Paulo e Brasília, que apresentaram uma boa pontuação do UAI e exemplificam bem que a existência de um instrumento ou política pública não necessariamente significa sua eficácia, tampouco contempla as complexidades e desigualdades de seus territórios.”

Índice de adaptação

Jornal da USP

O UAI, que tem um conjunto de indicadores que variam de 0 (capacidade adaptativa institucional muito baixa) a 1 (capacidade adaptativa alta), foi aplicado em 5.569 municípios, além do Distrito Federal, tendo como base os dados da pesquisa sobre municípios (Munic) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), edição 2020/2021. “Apenas 1,4% dos municípios brasileiros estão no nível superior do UAI, entre 0,8001 e 1, e mais da metade dos municípios (54,1%) estão nas duas faixas inferiores do índice”, descreve a professora. 

“As pontuações do UAI variam entre 0,33 e 0,44 para os 4.893 municípios menores, que têm até 50 mil habitantes, indicando baixa capacidade adaptativa institucional. Para os 49 mais populosos, com mais de 500 mil habitantes, a média é de 0,74. Mesmo para as capitais, a pontuação final varia substancialmente: incluindo, por exemplo, São Paulo (0,89), e Brasília (0,95), Manaus (0,70), Natal (0,57), Curitiba (0,98) e Porto Alegre (0,85).”

A aplicação do UAI reforça alguns aspectos preocupantes, destaca Gabriela Di Giulio. “Somente um em cada três municípios brasileiros (36,9%) possui planos municipais de habitação, o que sugere que os esforços para abordar as áreas de vulnerabilidade e risco no setor habitacional ainda precisam ser aprimorados na maioria das cidades”, relata.

 “Apenas 13% das cidades informaram, em 2020, que tinham Planos Municipais de Redução de Riscos; e só 5,5% tinham Cartas Geotécnicas, instrumento de apoio ao planejamento urbano que fornece diretrizes para o uso e ocupação do solo com base na análise das características físicas do terreno e das formas de ocupação.”

A professora salienta que as cidades e regiões brasileiras são cada vez mais afetadas pelos impactos das mudanças climáticas e expostas a eventos simultâneos, como inundações, secas, deslizamentos de terra, que ameaçam o abastecimento de água, a infraestrutura e a agricultura, gerando impactos sociais, econômicos e de saúde em cascata.

“Um exemplo claro, citado inclusive no artigo, é o Rio Grande do Sul, que em 2023 sofreu uma seca causada pelo fenômeno La Niña, a pior em 17 anos, resultando em perdas econômicas substanciais”, explica. “Em 2024, o Estado sofreu inundações extremas que deslocaram mais de 615 mil pessoas, principalmente de baixa renda que viviam em moradias inadequadas e com acesso precário a serviços públicos.”

Fonte: Jornal da USP

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