O canal da graça de Deus presente nas relíquias

Conheça a origem da histórica tradição de pedir a intercessão dos santos por meio de vestes ou objetos que lhes pertenceram e até mesmo fragmentos de seus corpos

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Desde as origens do Cristianismo, a Igreja dedica veneração aos santos, mártires e beatos por seu testemunho de vida e de serviço a Deus. E, muitas vezes, roga por sua intercessão por meio de vestes ou objetos que lhes pertenceram e até mesmo fragmentos de seus corpos, que eram considerados pelos primeiros fiéis como verdadeiras relíquias muito valiosas.

“Os santos correspondem à graça de Deus de maneira tão plena que, mesmo passando mil anos ou mais desde que seus corpos caíram sem vida, seus ossos continuam sendo canal de graça”, recorda o teólogo Scott Hahn, no livro “Sinais de Vida – Quarenta costumes católicos e suas raízes bíblicas”, semanalmente abordado pelo jornal O SÃO PAULO para a série de reflexões sobre os sinais da fé cristã.

LONGA TRADIÇÃO

O termo relíquia tem sua origem na palavra latina reliquiae, que significa “resto, aquilo que sobrou”. As primeiras comunidades cristãs se reuniam nas catacumbas, ao lado dos túmulos dos mártires, para celebrar a Eucaristia. Dessa prática, surgiu a tradição mantida até hoje de depositar relíquias dos santos próximas dos altares das igrejas, quando do rito de sua dedicação.

“Dentro das basílicas, a Igreja construiu altares imediatamente acima das tumbas dos apóstolos e mártires. Com o tempo, passou a ser costume entre as paróquias católicas depositar pequenas relíquias dos santos em uma cavidade vedada sob o altar da Igreja. Desse modo, todas as igrejas da face da terra podiam seguir, de maneira consciente, o culto espiritual que São João vislumbrou no céu: ‘Quando abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as almas dos homens imolados por causa da Palavra de Deus e por causa do testemunho de que eram depositários’(Ap 6,9)”, recorda Hahn.

Luciney Martins/O SÃO PAULO

No Concílio de Trento, os padres conciliares aprovaram o “Decreto sobre a invocação, a veneração e as relíquias dos santos e sobre as imagens sagradas”, em 3 de dezembro de 1563, que diz: “Devem ser venerados pelos fiéis os santos corpos dos santos mártires e dos outros que vivem com Cristo, corpos que foram membros vivos do mesmo Cristo e templo do Espírito Santo, que por ele devem ser ressuscitados para a vida eterna e glorificados, e pelos quais Deus concede aos homens muitos benefícios”.

PRINCÍPIOS BÍBLICOS

Para entender essa histórica tradição, podemos recorrer às passagens bíblicas. No Antigo Testamento, Moisés, ao sair do Egito, levou consigo os restos mortais de José (cf. Ex 13,19). No Novo Testamento, podemos encontrar exemplos de curas de pessoas que, só de tocarem na roupa dos apóstolos, recebiam o milagre (cf. At 19,11-12). Os evangelistas Mateus, Marcos e Lucas narram uma mulher que sofria de hemorragia havia doze anos e foi curada após tocar na roupa de Jesus.

“No tempo de Jesus, os fiéis encaravam a doutrina das relíquias como algo totalmente natural. […] Embora tivesse desistido dos médicos, ela sabia que podia confiar no toque de algo que, por sua vez, havia tocado o sagrado. Quando Jesus passou, ela disse a si mesma: ‘Se eu somente tocar na sua vestimenta, serei curada’ (Mt 9,20-21). E ela de fato se curou”, recorda Hahn.

NATUREZA DAS RELÍQUIAS

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Tradicionalmente são três a natureza das relíquias. As de primeira natureza são os restos mortais propriamente ditos; os objetos que estiveram em contato com o santo ainda em vida são as de segunda natureza. As de terceira natureza são objetos que tocaram o túmulo daquele santo. Há, ainda, as relíquias insignes, de grandes partes do corpo, como cabeça e membros. Essas não podem ser conservadas de forma privada, mas mantidas em locais de culto público e sob custódia de instituições religiosas.

Todas as relíquias, principalmente as de primeira natureza, possuem um certificado que atesta sua autenticidade, emitido geralmente por autoridades eclesiásticas ou pelos postuladores das causas de beatificação e canonização. As relíquias de terceira natureza são mais populares e costumam ser distribuídas pelos postuladores das causas dos santos, com o objetivo de difundir a devoção ao ainda servo de Deus, que está em processo de beatificação.

Existem, ainda, as relíquias ligadas a Jesus Cristo, como fragmentos da cruz, da coroa de espinhos, da coluna da flagelação ou da mesa do Cenáculo, que são mais antigas e sua autenticidade é atestada por alguma autoridade eclesiástica e por seu astro histórico.

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