O suicídio é um ato de desespero perante a dor, e não a falta de Deus no coração

Alerta o Padre Licio de Araújo Vale, estudioso sobre a prevenção ao suicídio e a necessidade de acolhimento às pessoas que perderam entes queridos que colocaram fim à própria vida 

setembroamarelo.com

O suicídio causa mais mortes do que HIV e câncer de mama: segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), anualmente, ele é responsável por mais de 700 mil mortes, sendo que 58% delas ocorrem antes dos 50 anos de idade. Entre os jovens de 15 a 29 anos, o autoextermínio é a 4º maior causa de mortes. 

No Brasil, entre os anos de 2010 e 2019 foram registrados mais de 112 mil suicídios, com um aumento de 43% no número anual, que passou de 9 mil para mais de 13 mil. Em média, todos os dias, 38 pessoas comentem suicídio no País. 

Neste ano, a campanha nacional de prevenção ao suicídio, Setembro Amarelo, tem por lema “A vida é a melhor escolha”. 

Organizada desde 2014 pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), a iniciativa alerta que é preciso falar sobre o tema durante todo o ano, mas há uma data especial para que se enfatize o assunto: 10 de setembro, o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. 

“O suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial. O suicida não quer acabar com sua vida, ele quer matar a sua dor mental e emocional. É o último ato de desespero de quem quer se livrar da dor”, disse ao O SÃO PAULO o Padre Licio de Araújo Vale, sacerdote da Diocese de São Miguel Paulista, especializado em Suicidologia, a ciência que estuda o fenômeno do suicídio em dois aspectos: prevenção e posvenção (qualquer ato ou ações de cuidado com a pessoa enlutada que perde alguém para o suicídio). 

Uma motivação pessoal levou Padre Licio a se especializar no tema. “Meu pai se matou quando eu tinha 13 anos e ele, 43. Foram muitos anos buscando reelaborar a dor da perda, o luto”, contou. “Foram 30 anos de terapia para poder elaborar o estrago emocional que o suicídio dele fez em mim.” 

POSSÍVEIS CAUSAS 

A depressão é um dos fatores determinantes para o comportamento suicida. “Mas não significa que toda pessoa com depressão evoluirá para um quadro de comportamento suicida”, explicou Padre Licio. 

Esse comportamento provém de uma série de fatores que se associam, como transtornos mentais e emocionais, questões familiares e sociais. “Além da depressão, são fatores de risco a angústia, a ansiedade e até o desemprego, que desencadeia baixa auto- estima e aumenta o estresse”, citou. 

SINAIS 

Padre Licio assegurou que uma pessoa que caminha em direção ao suicídio dá sinais, como falar a respeito dessa possibilidade. 

“É mito aquela história de quem quer se matar mesmo nunca fala. A grande maioria que atenta contra a própria vida avisa, sim!”, enfatizou, citando algumas das frases mais comuns: “‘Eu vou me matar’; ‘eu quero morrer’. E existem falas indiretas, como ‘estou pensando em fazer uma grande besteira’”, acrescentou.

As mudanças de comportamento são outro grande sinal. “São mudanças claras. Mudanças de padrões de sono e de humor.” 

O Sacerdote comentou que o estado mental comum de alguém em comportamento suicida é de ambivalência. “A pessoa oscila entre momentos de querer viver e de querer morrer”, esclareceu, frisando que, muitas vezes, a pessoa pode estar bem, não apresentar sinal algum, mas por algum gatilho ela se autoextermina. 

FOI POR FALTA DE FÉ? 

Quando uma pessoa comete suicídio, é comum que muitos associem o ato à falta de fé, argumento que Padre Licio refuta. 

“O suicídio não é a falta de Deus no coração. Mesmo pessoas que professam uma fé e que vivem em uma comunidade de fé, podem ter dores de alma e ter comportamento suicida”, afirmou Padre Licio, comentando que tem crescido no Brasil o autoextermínio de lideranças religiosas, como pastores evangélicos e padres católicos. 

O Sacerdote lembrou que o suicídio é um fenômeno que atinge pessoas de todas as idades e classes sociais e que deve se cuidar para que não seja erroneamente interpretado: “O suicídio não é ato de coragem, nem ato de covardia ou falta de fé”. 

Ter uma religiosidade, porém, é um dos fatores de proteção ao suicídio. “Ao se relacionar com Deus e participar de uma comunidade de fé, são estabelecidos relacionamentos afetivos e sociais. Portanto, há a sensação de estar mais protegido, mais acolhido, amado e mais livre de sentimentos como a solidão e o abandono”, explanou Padre Lício. 

Proximidade com a família e uma percepção otimista da vida também são fatores de proteção. “A proximidade com a família é importante porque nos momentos de dor ela é um lugar de acolhimento. O amor salva”, comentou o especialista, lembrando ainda que quando a pessoa sabe que se tornará pai ou mãe, passa a ter nos filhos o centro de sua razão para viver, o que ajuda a conter eventuais comportamentos suicidas.

Ainda sobre a fé, Padre Licio lembrou que as religiões monoteístas, como o Judaísmo e o Cristianismo, rezam pelas almas das pessoas que cometem suicídio, prática que não era comum anteriormente: “Elas acreditam que Deus pode socorrer com sua misericórdia as pessoas que se matam porque elas não estavam ali inteiras para tomar aquela decisão. Portanto, não queriam pecar contra o 5º Mandamento”. 

ATITUDES DE PREVENÇÃO 

Ao identificar alguém com comportamento suicida, é preciso agir. “A primeira atitude básica e fundamental é dar afeto”, orientou Padre Licio. 

“Encontrou com a pessoa? Toque nela, faça um gesto ou diga uma palavra de carinho. Encontrou com ela de novo? Toque outra vez, diga que está ali, caso ela queira conversar”, acrescentou. “Pode ser um toque afetivo, um cafuné. Mesmo que você não fale nada, sinaliza que está próximo dela, que está disponível para ouvi-la.” 

Padre Licio enumerou ainda três atitudes importantes para prevenir o suicídio:

  • Avaliar riscos com base nos sinais; 
  • Ouvir a pessoa;
  • Motivar para que ela procure ajuda. 

“Mas ouça sem julgar, sem condenar, com cordialidade. Tenha empatia com a emoção do outro”, orientou. “Ouça com atenção. Dor não se compara. Só sabe o tamanho da sua dor quem a sente. Nunca desqualifique a dor do outro.” 

Também é preciso ter cuidado para não ser invasivo, querendo que o outro fale de qualquer jeito a respeito da própria dor. “A estratégia que mais funciona é a do acolhimento, às vezes, encontrar com a pessoa e não falar nada. Apenas dar um abraço. Se quiser dizer algo, diga que a ama, que ela pode contar com você. Frases bem curtas, mas com muito afeto.” 

Caso a pessoa já tenha tentado cometer suicídio, é preciso falar a respeito e incentivar a busca de ajuda profissional. “Há o tabu de que é melhor não tocar no assunto. Mas o tentante já está no mais alto grau de risco.” 

DIANTE DA DOR DE QUEM FICA 

Manter-se próximo é a melhor maneira de acolher as pessoas que perderam alguém muito próximo que tenha cometido suicídio. 

“É preciso estar ali. Mande mensagem. Caso não saiba o que dizer, dê um abraço, leve um prato de comida, uma fruta. Diga que está junto, mostre-se disponível para quando a pessoa quiser falar”, guiou Padre Licio. 

“Lembre-se de que o luto é um processo natural e individual, não existe receita. Cada um de nós tem seu tempo para elaborar as emoções”, comentou. “Mas estar próximo e trazer memórias afetivas, lembranças boas da convivência com a pessoa, ajudam o enlutado a viver de uma maneira menos sofrida o seu luto.” 

ONDE ENCONTRAR AJUDA 

Serviços de saúde 
CAPS (Centros de Atenção Psicossocial);
UBS (Unidades Básicas de Saúde). 

Em caso de emergência 
SAMU 192;
UPA, Pronto-Socorros e Hospitais. 

Escuta emergencial 
CVV (Centro de Valorização da Vida) – atende gratuitamente, 24 horas por dia – telefone 188, e-mail ou chat e ainda pelo site www.cvv.org.br 
Instituto Vita Alere www.vitaalere.com.br 
Instituto Influir www.institutoinfluir.com.br 

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