
No ano em que se celebra o centenário da canonização de Santa Teresinha do Menino Jesus, o Padre Vinícius Soares, 31, Pároco da Catedral de Santo Antônio e Assessor de Liturgia da Diocese de Osasco (SP), comenta nesta entrevista ao O SÃO PAULO sobre a vida e a espiritualidade da santa carmelita, que desde 1927 é declarada pela Igreja como padroeira das missões católicas, mesmo sem nunca ter saído do Carmelo.
Devoto de Santa Teresinha de Lisieux, o Sacerdote reflete sobre a “pequena via” — caminho de santidade fundado na confiança total em Deus — e destaca a atualidade da mensagem da Santa em um mundo marcado pelo imediatismo e a busca de autossuficiência
O SÃO PAULO: Quem foi Santa Teresinha do Menino Jesus e o que a faz estar entre os grandes santos da Igreja?
Padre Vinícius Soares: Foi uma religiosa francesa que viveu entre 1873 e 1897. Nasceu em Alençon, na França, e morreu em Lisieux, dentro das grades do Carmelo. Ela deixou para a Igreja um grande legado e exemplo. O Papa Pio X, muito antes de ela ser beatificada, disse que se tornaria a maior santa dos tempos modernos. Em um período em que o homem buscava independência de Deus e desejava ser o “super-homem”, Santa Teresinha nos ensina que não podemos ser santos se não formos como crianças nos braços do Senhor, dependendo e confiando infinitamente no seu amor misericordioso. Anos antes de Santa Teresinha nascer, havia nascido Friedrich Nietzsche [1844-1900, filósofo alemão e crítico cultural], e ela surgiu em um contexto histórico muito difícil: no primeiro século após a Revolução Francesa, diante de ideias iluministas e positivistas, e da filosofia de Nietzsche que afirmava a autonomia do sujeito, negando Deus, a alma e a vida eterna. Deus, então, levanta de forma singela esta pequena flor do Carmelo para mostrar que o caminho certo é depender de Seu amor. Por isso, nos tempos modernos, quando tantas pessoas estão desesperadas tentando dar conta da própria vida, Santa Teresinha foi declarada Doutora da Igreja [em 1997] por São João Paulo II, por sua doutrina da “pequena via”, baseada no amor e na confiança no amor misericordioso de Deus.
Como o senhor explicaria de forma simples ‘a pequena via’, esse caminho espiritual para os fiéis?
A santidade não consiste em fazer grandes coisas, mas em colocar muitoamor nas pequenas coisas. Resumiria a ‘pequena via’ em três pontos: primeiro, depender e confiar inteiramente em Deus; segundo, não nos vangloriarmos de nossas qualidades; terceiro, não desanimar diante das nossas próprias quedas.
Santa Teresinha olhava para grandes santos do Carmelo, como Santa Teresa e São João da Cruz, e se sentia apenas um “grãozinho de poeira” ou um “pequeno passarinho” diante deles. Ela dizia: “Meu Deus, desejo ser santa, mas não vou conseguir ser como eles. Sou apenas um passarinho nas mãos do meu Senhor, mas quero teus olhos de águia.” Fascinada pelas invenções da época, como o elevador, dizia que os braços de Jesus seriam o elevador que a faria subir aos altos degraus da santidade.
Em 2025, celebramos o centenário da canonização de Santa Teresinha. O que a faz ser tão atual?
Santa Teresinha foi canonizada pelo Papa Pio XI em 1925 e, desde então, sua presença na Igreja só cresce. Bento XVI, São João Paulo II e São Paulo VI tiveram grande devoção a ela. No Brasil, suas relíquias vieram em 1997-1998 e retornaram em 2024, atraindo novas gerações. Em tempos de imediatismo e desespero, Santa Teresinha nos ensina a esperar, confiar e abandonar-se nos braços de Jesus, que são o elevador que nos leva direto ao Céu.

A confiança e o abandono em Deus são pilares na espiritualidade de Santa Teresinha. Como viver essa dimensão na atualidade?
Ela dizia: “Quanto mais pequena me faço, mais santa eu sou.” Nada escapa ao plano de Deus, por isso é preciso abandonar o futuro nas mãos do Senhor. Ela explicava que devemos esperar tudo de Deus como uma criança espera do pai. Sua doutrina é a aplicação do que Jesus disse: “Se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus (Mt 18).” Quando vemos mães trazendo crianças pequenas à missa, percebemos uma grande lição: as crianças vão em paz nos braços da mãe, confiantes de que nada lhes faltará. Assim é nossa confiança em Deus: nos braços do Senhor, nada nos faltará. No aniversário de 150 anos do nascimento de Santa Teresinha, o Papa Francisco publicou [em 2023] a exortação apostólica C’est la Confiance (sobre a confiança), lembrando que ela nunca esteve tão presente na história da Igreja, e sua confiança no amor misericordioso de Deus continua a gerar milagres, bênçãos e conversões.
E para quem enfrenta desafios ou dificuldades na fé, o que pode aprender com a Santa?
Santa Teresinha dizia que, como uma criança que cai e logo se levanta para brincar de novo, nós também devemos nos levantar diante de nossas quedas. Ela sofreu muito na infância, enfrentando a perda da mãe e da irmã mais velha, e encontrou consolo no sorriso de Nossa Senhora das Vitórias, que passou a ser conhecida como Nossa Senhora do Sorriso. Toda queda era alavancada pelo amor misericordioso de Deus. No convento, mesmo diante de dificuldades com algumas freiras, ela respondia com amor e paciência, conseguindo a conversão daquelas que a tratavam mal. Sua vida nos ensina a não desanimar, a confiar cada vez mais e a reconhecer que quanto mais confiamos, mais Deus cuida de nós. É um presente de Deus para o nosso tempo.
Como a simplicidade de Santa Teresinha pode inspirar os cristãos que se sentem ‘pequenos’ ou ‘invisíveis’?
Santa Teresinha nos ensina que a santidade é possível, bastando colocar muito amor nas pequenas ações: um sorriso para alguém difícil, uma louça bem lavada, um ato de amor no trabalho. Cada ato de amor nos aproxima de Jesus. Ela, sem sair do convento, tornou-se padroeira das missões, intercedendo pela Igreja com amor e oração.

E diante do mundo marcado pelo imediatismo e consumo, como a mensagem da Santa continua atual?
Quando nos abandonamos à providência de Deus, Ele nos leva mais longe do que imaginamos. Santa Teresinha viveu em uma época de ateísmo crescente e enfrentou provações na fé, mas manteve sua confiança no amor misericordioso de Deus. Mesmo em seus últimos dias, quando sofreu de tuberculose, entregava tudo a Deus, mostrando que a confiança inabalável no Senhor é o caminho para vencer o imediatismo e o desespero.
Muitos devotos relatam receber rosas como sinal da intercessão de Santa Teresinha. Como se explica isso?
Santa Teresinha prometeu derramar uma chuva de rosas do Céu para os devotos. Cada rosa é um sinal do amor e da ternura dela, manifestações do amor de Jesus. A devoção das rosas, como a novena das rosas, é aprovada pela Igreja e representa a presença amorosa e espiritual de Santa Teresinha junto aos fiéis.
Que conselho o senhor deixaria para quem deseja conhecer mais a vida e espiritualidade de Santa Teresinha? Primeiramente, ler História de uma Alma, para conhecer sua vida e espiritualidade. Também recomendo Não Morro, Entro na Vida, que narra seus últimos colóquios espirituais. Devemos aprender com ela a amar nas pequenas coisas, confiar no Senhor, abandonar-se à providência, não se vangloriar e não desanimar diante das fraquezas. É a prática da ‘pequena’ via em nosso dia a dia






