Pastoral da Criança quer engajar mais jovens para atenção às famílias

Durante a pandemia, 2/3 dos agentes deixaram de atuar. Visitas domiciliares são indispensáveis para acompanhar o desenvolvimento das crianças e gestantes

Fotos e imagens: acervo da Pastoral da Criança

Há quase quatro décadas, a Pastoral da Criança tem ajudado a salvar vidas a partir de orientações simples sobre aleitamento materno, higienização, alimentação saudável, acompanhamento nutricional, vacinação e reidratação para gestantes e famílias em situação de vulnerabilidade com crianças até 6 anos.

O trabalho iniciado em 1983 pela sanitarista e pediatra Zilda Arns Neumann e o Cardeal Geraldo Majella Agnelo, então Arcebispo de Londrina (PR), hoje ocorre em todo o Brasil e em outras nações e é viabilizado por agentes da Pastoral, os chamados líderes, que, em sua maioria, moram nas comunidades das famílias atendidas.

Como medida preventiva ao coronavírus, a Pastoral suspendeu alguns momentos celebrativos, para evitar a aglomeração de pessoas, mas as visitas domiciliares foram mantidas, com os devidos cuidados. Entretanto, o que se viu com a pandemia foi a significativa redução do número de líderes.

“Nós perdemos 2/3 da nossa capacidade de atendimento. Estamos atuando hoje com 1/3 das pessoas”, conta ao O SÃO PAULO o médico Nelson Arns Neumann, doutor em Saúde, que integra a coordenação nacional da Pastoral e a gerencia internacionalmente.

Dados da Pastoral na Arquidiocese de São Paulo confirmam essa retração. No comparativo entre 2019 e 2021, o número de paróquias com ação da Pastoral da Criança caiu de 111 para 79, bem como o de comunidades, de 153 para 118. A quantidade de líderes decresceu de 682 para 266, o de crianças acompanhadas passou de 7.477 para 2.972 e o de gestantes de 339 para 111.

Um apelo à volta das visitas presenciais

Em 21 de junho, a Pastoral emitiu um informe técnico, assinado por Nelson Arns Neumann, com orientações para a retomada das visitas presenciais (leia mais abaixo).

“As visitas domiciliares são a principal ação da Pastoral da Criança. Por meio delas, ficamos mais próximos das famílias, conhecemos a realidade das crianças e gestantes e podemos orientar e partilhar conhecimentos e experiências sobre pré-natal, saúde, nutrição, higiene, prevenção de doenças, incluindo a COVID-19”, escreveu o médico.

Irani Madalena de Sousa, coordenadora da Pastoral da Criança na Arquidiocese de São Paulo, também reforça que o contato presencial é indispensável: “Indo até a casa, a líder pode observar a criança, como é o convívio dela na família, e, ao perceber o espaço que a criança tem, consegue orientar brincadeiras e outras coisas para mães e pais”.

Com o apoio da tecnologia

Antes da pandemia, a Pastoral criou o aplicativo Visita Domiciliar, que até o começo do ano passado tinha sido acessado por cerca de 8 mil pessoas. Hoje, já são mais de 20 mil usuários. Nele é possível encontrar materiais orientativos, como o tradicional “Guia do líder”, bem como conteúdos formativos sobre saúde, alimentação saudável e desenvolvimento infantil, e avaliar em tempo real o estado nutricional da criança com base nos seus dados de peso e altura.

Durante a pandemia, houve acréscimos de conteúdos tanto no app quanto no site da Pastoral da Criança, entre os quais um material explicativo para o enfrentamento do coronavírus e outro sobre brinquedos e brincadeiras, que podem ser feitos em família e que foram especialmente úteis no período de isolamento social.

Preocupação com os mais pobres

O coordenador internacional da Pastoral da Criança lembra, porém, que as famílias mais pobres têm dificuldades para acessar os conteúdos on-line, seja pela falta de um telefone celular, de um computador ou do acesso à internet. “Os mais fragilizados, no momento em que mais precisam, não podem ser privados da ação de caridade da Igreja. Por isso, insistimos na necessidade das visitas domiciliares”, comenta.

Nelson Arns recorda que desde o ano passado a Pastoral passou a ter mais notícias de morte súbita de crianças, que ocorrem repentinamente e sem indícios prévios de algum problema de saúde. “Essas mortes seriam evitáveis com simples medidas, como a de orientar que a criança durma de barriga para cima. Aumentou, também, o número de mortes de bebês ainda por nascer e houve dificuldades de acesso das gestantes aos serviços de saúde, seja por medo de ir ao serviço, seja por não ter com quem deixar as outras crianças em um momento de emergência”, detalhou.

Irani, que está na Pastoral há 13 anos, lembra que as visitas presenciais permitem que se faça a melhor orientação das famílias. Em alguns casos, as líderes também procuram as unidades básicas de saúde para informar situações de desnutrição e obesidade infantil, a falta de medicamentos ou atrasos no calendário de vacinação.

A hora dos mais jovens

Nelson Arns conta que tem havido diálogo com bispos, padres e lideranças comunitárias para que incentivem o ingresso de mais pessoas na Pastoral da Criança, com apelo especial à participação dos jovens.

“Temos incentivado os líderes que ainda não podem sair de suas casas, ou não se sentem seguros para isso, que encontrem um jovem que possa fazer essa visita domiciliar. Tenho a convicção de que muitos desses jovens, ao perceberem que com essa ação podem ser a presença concreta do Cristo na vida de uma família, vão, posteriormente, se engajar nos outros serviços da ação sociotransformadora da justiça, caridade e paz”, afirma.

O médico, que é sobrinho de Dom Paulo Evaristo Arns, Arcebispo de São Paulo entre 1970 e 1998, recorda três características que o tio enxergava nos jovens e que são indispensáveis para a Pastoral neste momento: gostar de estar pelas ruas, desejo de pronta atuação e participação rápida nas ações. “Temos a necessidade de ir à rua para bater na porta das pessoas mais pobres; temos o aplicativo, que o jovem consegue fazer o download em menos de dois minutos, ou seja, ele não precisa de capacitação; e, ainda que saia do projeto, todos os dados que coletar vão ficar registrados, então ele já terá ajudado de alguma forma”, detalhou.

Ampliação das ações na Arquidiocese

Irani conta que na Arquidiocese de São Paulo se planeja a ampliação das ações presenciais da Pastoral da Criança que tem como assessor eclesiástico arquidiocesano o Padre Jorge Bernardes.

A coordenadora da Pastoral assegura que já se tem buscado pelas líderes que deixaram de atuar durante a pandemia, convidado mais pessoas para as ações e dialogado com bispos auxiliares e padres para a maior divulgação da Pastoral. Uma campanha para atrair mais líderes deve acontecer em breve, bem como uma live, de âmbito arquidiocesano, para melhor detalhar os trabalhos da Pastoral da Criança.

Orientações da Pastoral da Criança para as visitas domiciliares:

– A visita deve ser feita na área externa da residência, em local aberto;

– Deve ser mantida a distância de 2 metros entre as pessoas (incluindo as crianças);

– O líder deve utilizar máscara o tempo todo;

– Não compartilhar objetos e pertences, tais como celulares, papéis e canetas;

– Lavar as mãos ou usar álcool em gel com frequência;

– Não tocar olhos, boca e nariz;

– Ao retornar para casa, o líder deve lavar as mãos com água e sabão.

– Caso o líder esteja com febre ou qualquer outro sintoma respiratório – como tosse, coriza, dor de garganta e falta de ar –, não deve realizar a visita domiciliar.

Dupla preocupação: desnutrição e obesidade infantil
Em 1983, ano de criação da Pastoral da Criança, morriam por desnutrição no Brasil 83 crianças a cada mil nascidas vivas. Ao longo dos anos, graças ao trabalho da Pastoral, esse número caiu drasticamente, mas um novo desafio se impôs: a obesidade infantil, pois 15% das crianças brasileiras com até 5 anos estão com sobrepeso. Estes extremos da má nutrição infantil foram tratados em uma reportagem do O SÃO PAULO, que pode ser lida no link a seguir: https://cutt.ly/5mufJKR.
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