Semana Nacional da Vida alerta para a invisibilidade social a que estão submetidas as pessoas idosas no Brasil
Realizada anualmente de 1º a 7 de outubro pela Igreja no Brasil, a Semana Nacional da Vida convida a sociedade a refletir sobre o valor e a inviolabilidade da vida humana, desde a concepção até o seu fim natural.
Este ano, o tema proposto pela Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) foi “Idosos, memória viva da nossa história”, e o lema, “Na velhice, darão frutos” (Sl 92,15).
O protagonismo da pessoa idosa na comunidade humana; sua espiritualidade, vocação e presença na comunidade eclesial; o cuidado com os idosos nos ambientes em que vivem; e a preparação para um envelhecimento saudável foram alguns dos assuntos tratados nas paróquias, comunidades e famílias ao longo da Semana Nacional da Vida, iniciada no dia 1º, com missa na capela do Asilo São Vicente de Paulo, em Curitiba (PR).
“Que aqueles que se encontram em idade avançada jamais se vejam ou se sintam pessoas que não têm o que oferecer. É um perigo que nesta fase da vida os sentimentos negativos sejam uma visita constante. Por isso, o Salmo 92 também nos é proposto para esta Semana: ‘Idoso, na velhice, produzireis fruto’. E quantos frutos produzidos! Olhando para as nossas pastorais, quantas pessoas 60+ exercem ministérios e se dedicam”, destacou, na homilia, Dom Reginei José Modolo, Bispo Auxiliar de Curitiba (PR) e membro da referida Comissão da CNBB. Ele também lembrou que os idosos “com sua sabedoria e ternura”, não permitem “que esqueçamos as nossas origens, as nossas raízes”.
DESAMPARADOS
“Muitas vezes me sucedeu, como Arcebispo de Buenos Aires, ir visitar lares de terceira idade, dando-me conta de como raramente recebiam visitas aquelas pessoas: algumas, há muitos meses, não viam os seus familiares”, lembrou o Papa Francisco na mensagem para o IV Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, celebrado em 28 de julho deste ano, no qual o Pontífice alertou para a rejeição que os idosos têm sofrido na sociedade.
Esta é uma realidade frequentemente observada também no Brasil pelos mais de 20 mil agentes da Pastoral da Pessoa Idosa, que acompanham cerca de 100 mil idosos, conforme informou Sandra Regina Capana Michellim, coordenadora nacional da Pastoral da Pessoa Idosa, em recente entrevista ao programa Construindo Cidadania, da rádio 9 de Julho.
“Não é raro que se passe um mês e a pessoa idosa só tenha recebido a visita de um líder da nossa Pastoral”, recordou Sandra. “Muitas Instituições de Longa Permanência para Idosos, as ILPIs, estão abarrotadas e viraram ‘depósitos de pessoas idosas’. Elas não recebem os cuidados necessários, nem seus familiares vão visitá-las para saber como estão. A primeira instituição que deve cuidar da pessoa idosa é a família, mas atualmente muitas delegam esta responsabilidade para cuidadores ou colocam o idoso em uma ILPI e não procuram saber mais como está. É uma situação de abandono alarmante”, lamentou.
Esse cenário também é constatado por Nadir Francisco do Amaral, presidente do Conselho Municipal de Direitos da Pessoa Idosa de São Paulo (CMI), cidade em que mais de 2 milhões de pessoas têm 60 anos ou mais. “Não podemos generalizar, mas aqui no conselho municipal, recebemos relatos que são horripilantes. Muitas vezes, é o idoso que sustenta a família financeiramente com sua aposentadoria, mas, mesmo assim, ele é maltratado. Falta um olhar mais humanizado e é preciso que se discuta em família sobre como envelhecer bem”, disse Amaral ao O SÃO PAULO.
DA PENA À COMPAIXÃO
No entender da coordenadora nacional da Pastoral da Pessoa Idosa, uma sociedade que queira ser mais justa e promissora não pode descartar todo o conhecimento e a experiência de vida dos idosos, nem impedir-lhes de ser protagonistas das ações sempre que for possível.
“Não se deve ficar indiferente às condições de vida dos idosos, mas não basta ter pena. É preciso ter compaixão, colocar-se no lugar do idoso e, ao seu lado, lutar por melhorias em sua condição de vida”, disse Sandra na entrevista de rádio.
A URGÊNCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS
De acordo com Amaral, ainda predomina na sociedade a ideia de que cuidar da pessoa idosa será apenas uma despesa com “um ser já no final do ciclo de vida”, e pensamentos assim ajudam a desencadear uma série de violências contra os idosos: “Podemos citar as violências financeira, física e verbal. Outra preocupação é com as políticas de saúde para o idoso, que não podem ser apenas paliativas, pois é preciso pensar na saúde integral do idoso, em sua melhor qualidade de vida”.
O presidente do CMI também manifestou preocupação com a quantidade de pessoas idosas em situação de rua – a maioria mulheres – e com a saúde mental dos idosos. “Recebemos muitos casos, que acabam não sendo tão divulgados, de suicídio de homens idosos”, assegurou.
Também as questões de acessibilidade são uma preocupação, segundo Amaral. “Por exemplo: o que está sendo feito para melhorar a qualidade das calçadas? Alguém discute a razão de tantas quedas de pessoas idosas pelas ruas? E se pensa o quanto estas quedas fazem com que os idosos se tornem mais debilitados?”, indagou.
O presidente do conselho municipal diz que o órgão tem acolhido denúncias e demandas dos idosos e as tem encaminhado aos órgãos competentes. O CMI funciona na sede da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (Rua Líbero Badaró, 119, 1º andar, centro). O telefone para contato é (11) 2833-4219.
Denúncias de maus-tratos e violências contra os idosos, tais como agressões físicas, intimidações, negligência, abandono, abuso financeiro e discriminação podem ser feitas pelo Disque 100, que funciona 24 horas por dia. A ligação é gratuita.
ESPERANÇA E TERNURA
Na mensagem para o IV Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, o Papa Francisco lembra aos que já têm uma longa caminhada de vida que “Deus nunca abandona os seus filhos; nem sequer quando a idade vai avançando e as forças já declinam, quando os cabelos ficam brancos e a função social diminui, quando a vida se torna menos produtiva e corre o risco de parecer inútil. O Senhor não olha para as aparências (cf. 1 Sl 16,7)”.
O Pontífice também ressalta que a dignidade de cada pessoa é infinita e deve ser reconhecida pelas demais e por todas as instituições; e ao fim da mensagem faz um pedido: “Não deixemos de mostrar a nossa ternura aos avós e aos idosos das nossas famílias, visitemos aqueles que estão desanimados e já não esperam que seja possível um futuro diferente. À atitude egoísta que leva ao descarte e à solidão, contraponhamos o coração aberto e o rosto radioso de quem tem a coragem de dizer ‘não te abandonarei!’ e de seguir um caminho diferente”.