Quando vir alguém com o ‘colar de girassol’, seja mais empático

Desde julho deste ano, o símbolo é adotado nacionalmente para identificar as pessoas com deficiências ocultas

Dar preferência de passagem a um cadeirante, auxiliar um deficiente visual a atravessar a rua e outros gestos de respeito às pessoas com deficiência pouco a pouco têm sido vistos com mais frequência no dia a dia. Entretanto, em um universo de 18,6 milhões de pessoas com deficiência no Brasil – a partir dos 2 anos de idade –, conforme estimativas do ano de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís­tica (IBGE), há aquelas com deficiências não perceptíveis à primeira vista.

Diante disso, algumas cidades e esta­dos já reconhecem há alguns anos o colar de girassol, como também é conhecido, como símbolo para identificar as pessoas com deficiências ocultas. Em julho deste ano, com a sanção da Lei 14.624, o cordão de fita com desenhos de girassóis passou a ser reconhecido como símbolo nacional de identificação das pessoas com tais de­ficiências. A legislação é resultado de um projeto de lei do deputado federal Capitão Alberto Neto (PL-AM) e que depois de aprovado na Câmara Federal, foi também aprovado no Senado, tendo como relator o senador Flávio Arns (PSB-PR).

“Nem todas as deficiências são visíveis ou perceptíveis. Isso faz com que muitas pessoas com deficiências ocultas sofram capacitismos porque o meio ao redor ig­nora que há alguma barreira que a pessoa esteja enfrentando e necessite ser incluída. Com a fita, sinaliza-se que se trata de al­guém que faz jus a todos os direitos pre­vistos na legislação brasileira, ainda que não seja perceptível”, explicou, ao O SÃO PAULO, o advogado Henderson Fürst, es­pecialista em Bioética, Direito Médico e da Saúde e presidente da Comissão de Bioéti­ca da OAB-SP.

QUEM PODE UTILIZAR A FITA?

De acordo com a nova legislação, que acrescentou um artigo à Lei 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência – o uso do cordão de fita com desenhos de girassóis será opcional e não substitui a apresentação de documentos comproba­tórios sobre uma condição de deficiência.

De igual modo, o exercício dos direitos da pessoa com deficiência não está condicio­nado ao uso desse acessório.

Entre as deficiências ocultas mais co­nhecidas estão a surdez, o Transtorno do Espectro Autista (TEA), o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), fobias extremas, deficiências cognitivas e deficiências motoras não aparentes.

“A legislação brasileira foi prudente em não determinar uma lista indicando quais são as deficiências ocultas. Mesmo condições que sejam usualmente percep­tíveis podem ter momentos em que não sejam; assim, é a própria pessoa com defi­ciência que estabelecerá se acha adequado sinalizar ou não. A comprovação pode ser feita por um simples atestado ou relatório médicos”, detalhou Fürst, que também é professor de direito constitucional da PUC-Campinas e professor de Bioética e Direito Médico do Hospital Israelita Al­bert Einstein.

O advogado lembrou, porém, que se alguém utilizar a fita sem ter esse direito, a fim de obter vantagens, poderá sofrer as sanções previstas no Código Penal para o crime de estelionato, com pena de 1 a 5 anos. Ele ressaltou, ainda, que embora o uso da fita seja primordialmente para a pessoa com deficiência oculta, “essa regra comporta exceções, como na situação de uma pessoa neuroatípica que não se adap­te ao uso da fita e um acompanhante use para facilitar a comunicação da existência de direitos de inclusão”.

UMA CONQUISTA CONTRA A DISCRIMINAÇÃO

A aposentada Eliana Aparecida da Conceição Santos,  61, faz uso do cordão com desenho de girassóis há dois meses. “Fiz uma cirurgia na coluna e tenho limi­tações que não são aparentes como, por exemplo, quando fico por muito tempo em pé numa fila, começa a doer a coluna e perco a sensibilidade, ou se pegar o trans­porte público e der trancos, sinto muita dor”, relatou à reportagem.

Eliana recordou que antes de usar a fita, percebia olhares de reprovação das pessoas quando procurava atendimento preferencial ou assentos específicos no transporte público. “Usando a fita, percebi uma segurança, respeito, atenção, um tra­tamento diferenciado em todos os senti­dos, um olhar mais humano das pessoas à minha volta”, detalhou. “A fita de girassol é uma conquista, porque só quem tem esse tipo de deficiência sabe o que é discrimina­ção”, comentou a aposentada, destacando ainda que um QR Code pode ser colocado junto à fita com dados referentes à con­dição clínica da pessoa com deficiência.

O advogado Henderson Fürst co­mentou que quando alguém desrespeita os direitos de uma pessoa com deficiên­cia, está praticando um ilícito civil que configura danos morais e também pode estar cometendo o crime de discrimina­ção, cuja pena é de 1 a 3 anos, nos ter­mos da Lei Brasileira de Inclusão. “Para o caso dos danos morais, a pessoa deve procurar um advogado ou um defensor público para defender os seus interesses. Para noticiar o crime de discriminação em razão da sua deficiência, deve fazer um boletim de ocorrência para infor­mar a autoridade policial”, detalhou.

O CORDÃO DE FITA COM DESENHOS DE GIRASSÓIS
Criado em 2016, em Londres (Inglaterra), é inspirado na beleza e resiliência dos girassóis
Seu uso é opcional
Não substitui documentos comprobatórios sobre uma condição de deficiência
Facilita a identificação das pessoas com deficiências ocultas
Foi pensado para evitar que as pessoas com deficiências ocultas passem por constrangimentos em estabelecimentos públicos e privados e nos transportes públicos ao buscar por atendimentos ou espaços preferenciais.

Papa Francisco: ‘Não excluamos ninguém’

Vatican Media/Arquivo

Após a oração do Angelus, no domingo, 3, o Papa Francisco fez menção especial ao Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, celebrado na mesma data.

“Acolher e incluir as pessoas que vivem nesta con­dição [com deficiência] ajuda toda a sociedade a tor­nar-se mais humana. Nas famílias, nas paróquias, nas escolas, no trabalho, no desporto: aprendamos a valo­rizar cada pessoa com as suas qualidades e capacidades, e não excluamos ninguém”, exortou.

Neste mês, o Santo Padre pede nas intenções da Rede Mundial de Oração do Papa “para que as pes­soas com deficiência estejam no centro de atenção da sociedade, e as instituições promovam programas de inclusão que valorizem a sua participação ativa”.

No ‘Vídeo do Papa’, Francisco lembra que muitas pessoas com deficiência “sofrem rejeição, baseada na ignorância e em preconceitos, que as transformam em marginalizadas”. Ele exorta a uma mudança de mentalidade, “para abrirmo-nos às contribuições e aos talentos dessas pessoas com capacidades diferen­tes, tanto na sociedade quanto dentro da vida eclesial”.

O Papa pede às instituições que apoiem os projetos das pessoas com deficiência “com acessibilidade à edu­cação, ao emprego e aos espaços onde possam exprimir sua criatividade” e com “iniciativas que favoreçam a in­clusão”; e que à Igreja não compete apenas “eliminar as barreiras físicas, mas também assumir que temos que deixar de falar de ‘eles’ e passar a falar de ‘nós’”.

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