A Igreja ensina a rezar por aqueles que já morreram

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Por que rezamos pelos mortos? A Igreja Católica ensina que os católicos devem lembrar e citar os mortos durante as celebrações eucarísticas e em suas preces individuais e que este é um compromisso de todos os que esperam na terra a vinda definitiva de Cristo no momento da morte. Os ritos das exéquias, realizados enquanto os familiares se reúnem para velar e rezar pelos seus entes queridos ou mesmo durante o sepultamento ensinam que, acima de tudo, deve prevalecer a esperança na Ressurreição.

Ao longo dos anos, muitas tradições foram sendo incorporadas ao velório e ao sepultamento, de acordo com a realidade cultural de cada país ou região. Nos primeiros tempos do Cristianismo, por exemplo, os cristãos construíam igrejas sobre os túmulos dos santos e mártires e, assim, mantinham viva não só a memória daqueles santos, mas também a esperança na vida eterna. 

Frei Gustavo Wayand Medella, OFM, ao falar sobre vida e morte, recorda o autor Monteiro Lobato, quando dá voz à personagem Emília. “A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem para de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais […] A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre. – E depois que morre?, perguntou o Visconde. – Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?”

Para a Igreja Católica porém, muito mais do que uma hipótese, há um caminho de encontro após a morte. Encontro com o próprio Deus e encontro com a Igreja triunfante, composta por aqueles que, tendo passado por esta vida, alcançaram, junto do Pai, a salvação eterna. 

Em seu texto, publicado no site (franciscanos.org), Frei Medella, que é autor do livro “Há vida após o luto”, recorda o livro da Sabedoria, quando afirma que “a vida dos justos está nas mãos de Deus” (Sb 3,1). “A justiça é um bem divino e o ser humano que pauta sua vida na busca e no cultivo dela se aproxima cada vez mais de Deus. Não é à toa que, no Livro de Jeremias, Deus aparece designado como “Senhor, nossa justiça” (Jr 23,6)”, afirma o Franciscano.

Ele continua sua reflexão salientando que “quem vive justamente parte como justo e é acolhido com amor pelo Senhor. Importante é lembrar que viver retamente não significa passar pela existência sem cometer erros. Mais importante do que evitá-los a qualquer preço, às vezes às custas de um escrúpulo paralisante, é cultivar, cada um em si, um auto-reconhecimento das próprias limitações e, apesar delas, seguir em frente, com confiança na misericórdia de Deus”.

O DIA DOS FIÉIS DEFUNTOS

“Para os cristãos, a visita ao cemitério e a recordação dos falecidos possuem um significado a mais. Nós recordamos os nossos falecidos diante de Deus, expressando nossa fé em Deus salvador e Senhor da vida e da morte. Ele nos chamou à existência, não apenas para experimentar um pouco de vida, mas para nos dar vida em plenitude. Deus quer que nós vivamos”, explicou o Cardeal Odilo Pedro Scherer, em seu artigo publicado no jornal O SÃO PAULO, na edição de 1 de novembro de 2017. 

Ele continua sua reflexão afirmando que os túmulos dos falecidos são, ao mesmo tempo, guardiães da morte e anunciadores da esperança de vida. “Por isso, a visita ao cemitério deve ser acompanhada de oração com fé e de serena esperança. Somos chamados à vida e não estamos acorrentados à morte. Levar flores aos túmulos é sinal de homenagem, mas também é anúncio de esperança.”

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A fé na ressurreição dos mortos é parte central do anúncio do Evangelho e dos ensinamentos mais sólidos da fé cristã.  E é importante lembrar que não se trata de uma homenagem aos falecidos ou culto aos mortos. A missa, no dia dos fiéis defuntos ou em outra ocasião, como o sétimo dia após a morte, o trigésimo dia ou mesmo 12 meses após a morte ou em qualquer outra ocasião, pode ser oferecida a Deus “em sufrágio”, ou seja, em favor da salvação dos falecidos.

A MEMÓRIA

O Catecismo da Igreja Católica, dos artigos 1680 a 1690, fala sobre os funerais cristãos e indica que “todos os sacramentos, principalmente os da iniciação cristã, têm por finalidade a última Páscoa do Filho de Deus, aquela que, pela morte, o fez entrar na vida do Reino”. 

O Catecismo recorda que, “desde os primeiros tempos, a Igreja honrou a memória dos defuntos e ofereceu sufrágios em seu favor, em especial o sacrifício eucarístico, a fim de que, purificados, eles possam chegar à visão beatífica de Deus”. 

“Ao apresentarmos a Deus nossas súplicas pelos que adormeceram, ainda que fossem pecadores, nós apresentamos o Cristo imolado por nossos pecados, tomando propício, para eles e para nós, o Deus amigo dos homens”, continua o Catecismo.

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E A MISSA DE SÉTIMO DIA?

Dois são os objetivos principais da Igreja ao realizar o rito das exéquias: “exprimir a comunhão com o defunto e fazer a comunidade reunida participar das exéquias e lhe anunciar a vida eterna”. As missas – de corpo presente ou as de aniversário de sétimo ou trigésimo dia – também são, de acordo com o Catecismo, “um acontecimento que deve fazer ultrapassar as perspectivas deste mundo e levar os fiéis às verdadeiras perspectivas da fé em Cristo Ressuscitado”.

SOBRE A CREMAÇÃO DOS CORPOS 

No dia 25 de outubro de 2016, a Congregação para a Doutrina da Fé emitiu a Instrução Ad resurgendum cum Christo (para ressuscitar com Cristo), sobre o sepultamento dos falecidos e a conservação das cinzas da cremação.

O então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Gerhard Müller, explicou que a norma vigente em matéria de cremação de cadáveres é regulada pelo Código de Direito Canônico e diz que “a Igreja recomenda vivamente que se conserve o piedoso costume de sepultar os corpos dos defuntos, mas não proíbe a cremação, a não ser que tenha sido preferida por razões contrárias à doutrina cristã”. A Igreja recomenda, contudo, que os corpos dos falecidos sejam sepultados no cemitério ou num lugar sagrado. 

Conservação Das Cinzas

•  A Igreja orienta que, independentemente da escolha feita, enterro do corpo ou cremação – não se pode ofender os ritos próprios, ou seja, comportamentos e ritos que envolvam concepções errôneas sobre a morte: seja o aniquilamento definitivo da pessoa; seja o momento da sua fusão com a mãe natureza ou com o universo; seja como uma etapa no processo da reencarnação; seja ainda, como a libertação definitiva da “prisão” do corpo;

•  As cinzas devem ser conservadas, por norma, num lugar sagrado, isto é, no cemitério ou, se for o caso, numa igreja ou num lugar especialmente dedicado a esse fim determinado pela autoridade eclesiástica. A conservação das cinzas em casa não é consentida. Somente a Conferência Episcopal ou o Sínodo dos Bispos das Igrejas Orientais poderão autorizar a conservação das cinzas em casa em casos especiais;

•  As cinzas, por sua vez, também não podem ser divididas entre núcleos ou membros familiares, e deve ser sempre assegurado o respeito e as adequadas condições de conservação delas;

•  Por fim, não é permitida a dispersão das cinzas no ar, na terra ou na água ou em qualquer outro lugar. Exclui-se, ainda, a conservação das cinzas cremadas sob a forma de recordação comemorativa em peças de joalharia ou em outros objetos.

Algumas considerações sobre a morte na perspectiva cristã

(Por Frei Gustavo Wayand Medella, OFM, autor do livro “Há vida após o luto”)

● Elemento constituinte da existência humana, a morte com frequência se apresenta como desafio principalmente quando diz respeito a alguém de convívio próximo.

● Na perspectiva cristã, não obstante o sofrimento, os questionamentos e a saudade, a Ressurreição de Cristo é o grande alento de força e esperança que enche de luz e dá sentido à partida deste mundo.

● Como momento crucial da história individual da pessoa e do grupo humano à qual ela pertence, a morte demanda, por parte da Igreja, um olhar pastoral repleto de carinho e atenção, que leve em conta as diferentes circunstâncias e situações em que tal fenômeno ocorre.

● A atuação pastoral nestes casos requer sensibilidade, disposição e testemunho. 

● A presença ministerial nestas ocasiões não se refere somente à figura do ministro ordenado – embora este deva ser o primeiro a nutrir em si e na comunidade esta postura de companheirismo –, mas de toda a comunidade, que, sob iluminação do Espírito Santo, se organiza inteligentemente para dar uma resposta viva, ativa e eficaz a todos que atravessam estes difíceis momentos.

● Jesus Cristo conferiu sentido à morte por sua ressurreição. Seguindo seus passos, a comunidade cristã busca e sonha contemplar a partida deste mundo como um novo nascimento para a existência plena e definitiva junto ao Senhor.

(Reportagem produzida por Nayá Fernandes, publicada em 31 de outubro de 2018)

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Cesar de Oliveira
Cesar de Oliveira
1 ano atrás

Não falaram o mais importante: Sobre o Purgatório! Os srs. não creem mais nele, que inclusive é ensinado pelo Catecismo da Igreja Católica!?