Quaresma: tempo de conversão e de reconciliação

Fiéis são chamados à revisão dos hábitos de vida, às práticas da oração e da caridade (foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO

Iniciada na Quarta-feira de Cinzas, a Quaresma propõe um itinerário aos cristãos para bem celebrar a Páscoa da Ressurreição do Senhor, a partir da preparação e da renovação do Batismo, escuta da Palavra, revisão dos hábitos de vida, reconciliação com Deus e os irmãos e a prática dos exercícios quaresmais do jejum, esmola e oração.

A cor roxa adotada na liturgia indica que toda a Igreja é chamada a vivenciar um tempo de reflexão, penitência e disposição de conversão.

A constituição conciliar Sacrosanctum concilium (SC) indica que na Quaresma devem ser colocados em destaque, “tanto na Liturgia quanto na catequese litúrgica, os dois aspectos característicos do tempo quaresmal, que pretende, sobretudo por meio da recordação ou preparação do Batismo e pela Penitência, preparar os fiéis, que devem ouvir com mais frequência a Palavra de Deus e dar-se à oração com mais insistência, para a celebração do mistério pascal” (SC, 109)

POR 40 DIAS

Os 40 dias da Quaresma simbolizam “o tempo de espera, da purificação, do retorno ao Senhor, da consciência que Deus é fiel às suas promessas. Este número não representa um tempo cronológico exato, uma soma de dias. Indica, mais que isso, uma paciente perseverança, uma longa prova, um período suficiente para ver as obras de Deus, um tempo no qual é necessário se decidir e assumir as próprias responsabilidades. É um tempo de decisões maduras”, explicou o Papa Bento XVI, na audiência-geral da Quarta-feira de Cinzas de 2012.

O número 40 também remete a outros momentos de provação nas Sagradas Escrituras, como os 40 dias em que o Senhor jejuou e superou as tentações no deserto antes de iniciar sua vida pública; os 40 dias em que Moisés jejuou no Monte Sinai antes de receber a Lei da Aliança; e a peregrinação do povo hebreu à terra prometida, que durou 40 anos.

DIMENSÃO BATISMAL

Na já referida audiência-geral de 2012, Bento XVI recordou que, desde os primeiros séculos da vida da Igreja, a Quaresma “era o tempo no qual aqueles que tinham escutado e acolhido o anúncio de Cristo iniciavam passo a passo o caminho de fé e de conversão para chegar ao sacramento do Batismo. Tratava-se de uma aproximação ao Deus vivo e de uma iniciação à fé que deveria se cumprir gradualmente, mediante uma mudança interior por parte dos catecúmenos, isto é, daqueles que desejavam se tornar cristãos e serem incorporados ao Cristo e à Igreja”.

PENITÊNCIA E CONVERSÃO

O Catecismo da Igreja Católica (CIC) aponta que a Quaresma é um dos momentos apropriados “aos exercícios espirituais, às liturgias penitenciais, às peregrinações em sinal de penitência, às privações voluntárias como o jejum e a esmola, à partilha fraterna (obras caritativas e missionárias)” (CIC, 1.438).

Na Quaresma, o cristão é chamado a buscar o sacramento da Penitência para obter a misericórdia de Deus e o perdão às ofensas a Ele feitas (cf. CIC 1.422). Igualmente, deve buscar a penitência interior, “uma reorientação radical de toda a vida, um regresso, uma conversão a Deus de todo o nosso coração, uma rotura com o pecado, uma aversão ao mal e repugnância pelas más ações que cometemos. Ao mesmo tempo, implica o desejo e o propósito de mudar de vida, com a esperança da misericórdia divina e a confiança na ajuda da sua graça” (CIC, 1.431).

A penitência interior pode ocorrer pelas práticas do jejum, oração e esmola, “que exprimem a conversão com relação a si mesmo, a Deus e aos outros” (CIC, 1.434).

JEJUM

Na mensagem para a Quaresma de 2009, o Papa Bento XVI deteve-se de modo especial na prática do jejum, que contribui “para conferir unidade à pessoa, corpo e alma, ajudando-a a evitar o pecado e a crescer na intimidade com o Senhor (…) Privar-se do sustento material que alimenta o corpo facilita uma ulterior disposição para ouvir Cristo e para se alimentar da sua palavra de salvação. Com o jejum e com a oração, permitimos que Ele venha saciar a fome mais profunda que vivemos no nosso íntimo: a fome e a sede de Deus”, escreveu o Pontífice.

“Privar-se voluntariamente do prazer dos alimentos e de outros bens materiais ajuda o discípulo de Cristo a controlar os apetites da natureza fragilizada pela culpa da origem, cujos efeitos negativos atingem toda a personalidade humana”, prosseguiu.

Na mensagem para a Quaresma deste ano, Francisco lembra que o jejum, “vivido como experiência de privação, leva as pessoas que o praticam com simplicidade de coração a redescobrir o dom de Deus e a compreender a nossa realidade de criaturas, que, feitas à sua imagem e semelhança, Nele encontram plena realização. Ao fazer experiência de uma pobreza assumida, quem jejua se faz pobre com os pobres e ‘acumula’ a riqueza do amor recebido e partilhado”.

ESMOLA

O Catecismo da Igreja Católica indica que “a esmola dada aos pobres é um testemunho de caridade fraterna; é também uma prática de justiça que agrada a Deus” (CIC, 2.462).

Francisco, na mensagem para a Quaresma de 2020, afirma que homens e mulheres de boa vontade são chamados “à partilha dos seus bens com os mais necessitados por meio da esmola, como forma de participação pessoal na edificação de um mundo mais justo. A partilha, na caridade, torna o homem mais humano; com a acumulação, corre o risco de embrutecer, fechado no seu egoísmo”.

O exercício quaresmal da esmola remete à realização das obras de misericórdia, como foi lembrado por São João Paulo II na mensagem de 1999: “A Quaresma, vivida com os olhos postos no Pai, torna-se assim um tempo particular de caridade que se concretiza por meio das obras de misericórdia corporais e espirituais. Penso de modo especial nos que estão excluídos do banquete do consumismo cotidiano. Há tantos ‘Lázaros’ que batem às portas da sociedade: são todos aqueles que não participam das vantagens materiais resultantes do progresso. Existem situações perduráveis de miséria que não podem deixar de tocar a consciência do cristão e lembrar-lhe o dever que tem de enfrentá-las urgentemente, seja de modo pessoal, seja comunitário”.

ORAÇÃO

A prática da oração é recomendada pelo próprio Cristo em diferentes momentos de sua vida pública: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação” (Mt 26,41a).

Na mensagem para a Quaresma deste ano, o Papa Francisco afirma que, “no recolhimento e oração silenciosa, a esperança nos é dada como inspiração e luz interior, que ilumina desafios e opções da nossa missão; por isso mesmo, é fundamental recolher-se para rezar (cf. Mt 6,6) e encontrar, no segredo, o Pai da ternura”. 

Anteriormente, na mensagem para a Quaresma de 2019, o Pontífice lembrou que neste tempo é preciso “orar, para saber renunciar à idolatria e à autossuficiência do nosso eu, e nos declararmos necessitados do Senhor e da sua misericórdia”. Na mensagem de 2020, o Papa indicou que “a oração poderá assumir formas diferentes, mas o que conta verdadeiramente aos olhos de Deus é que ela escave dentro de nós, chegando a romper a dureza do nosso coração, para o converter cada vez mais a Ele e à sua vontade”.

BONS HÁBITOS NA QUARESMA

Na mensagem para a Quaresma deste ano e na audiência-geral da Quarta-feira de Cinzas de 2020, o Papa Francisco menciona alguns bons hábitos para este tempo quaresmal:
– Dizer palavras de incentivo, que reconfortam, consolam, fortalecem, estimulam, em vez de palavras que humilham, angustiam, irritam, desprezam;
– Prestar atenção ao próximo, oferecer-lhe um sorriso e proporcionar-lhe um momento de escuta;
– Evitar saturação de informações e de produtos de consumo;
– Desligar a televisão e o telefone celular para se conectar mais ao Evangelho;
– Renunciar a palavras inúteis, conversinhas, fofocas e se aproximar do Senhor;
– Viver uma Quaresma com caridade, cuidando daqueles que se encontram em condições de sofrimento, abandono e angústia em razão da pandemia de COVID-19.
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