A paz no mundo do trabalho e seu reflexo na paz mundial

Os conflitos sociais devidos à falta de uma justiça comutativa no mundo do trabalho percorrem toda a história moderna. Ao longo deste tempo, a Igreja sempre procurou estimular relações trabalhistas justas e solidárias, fundamentais para a construção da paz.

Arte: Sergio Ricciuto Conte

É pelo trabalho que o homem sobrevive e é também pelo trabalho que o homem se humaniza. Por essa razão, garantir boas condições de trabalho é respeitar a dignidade da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus. 

A necessidade de garantir boas condições de trabalho surgiu após a primeira revolução industrial no final do século XVIII, com a invenção da máquina a vapor, em 1765, na Inglaterra. O crescimento espetacular da produção de bens e serviços resultante da industrialização fez com que a precarização das condições de trabalho atingisse níveis inimagináveis nos dias de hoje e os salários então pagos eram aviltantes, mal dando para a sobrevivência dos operários. 

É que essa nova relação jurídica do trabalho subordinado era regulada pelo contrato civil, fundamentado na mais ampla liberdade contratual, levando a uma injustiça entre as partes, dado o forte poder econômico do empregador e a falta de consciência classista e união dos trabalhadores em defesa de seus direitos. Esse cenário de injustiça gerou grandes conflitos sociais e discursos ideológicos. 

No final do século XIX, em 1891, a Igreja Católica posicionou-se oficialmente sobre esse assunto, então conhecido como Questão Social, com a encíclica Rerum novarum, do Papa Leão XIII, estimulando todas as pessoas de boa vontade a buscarem a justiça comutativa – isto é, o equilíbrio de poder entre as partes contratantes – nessa nascente relação de emprego, trazendo a necessária paz social ao mundo do trabalho, com reflexos positivos na paz mundial. 

É preciso dizer, por amor à verdade, que, antes da manifestação oficial da Igreja Católica com a publicação da encíclica Rerum novarum, várias pastorais de dioceses de diferentes países europeus sempre procuraram posicionar-se em defesa da justiça comutativa nas relações de trabalho subordinado, destacando-se o trabalho realizado na primeira metade do século XIX nesse sentido por Frederico Ozanam, na França, hoje beato, e Adolph Kolping, na Alemanha. 

Pode-se dizer que esse princípio universal da justiça comutativa, aplicável às relações de trabalho, foi consagrado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 10 de dezembro de 1948, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, com a inclusão dos direitos trabalhistas básicos no rol dos direitos fundamentais. Para isso, muito contribuiu o filósofo católico francês Jacques Maritain, especialmente com seu livro, escrito em 1942, Os Direitos do Homem e a Lei Natural (Rio de Janeiro: José Olympio, 1967). 

Portanto, o grande princípio Opus Justitiae Pax (A paz é fruto da justiça) encontrou no mundo do trabalho uma dimensão fundamental. A efetivação desses direitos trabalhistas como direitos humanos atingiu, em nossos dias, âmbito universal, sobretudo com a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), e com a atuação dos sindicatos dos trabalhadores em defesa de seus direitos, resultando em garantia considerável da paz social, sobretudo nos países da União Europeia e nos Estados Unidos, em convívio com a plena liberdade democrática na vida social e política. 

Portanto, a justiça nas relações de trabalho é um valor social indispensável na busca da paz, tanto no interior das sociedades quanto nas relações internacionais. A justiça deve ser entendida como um valor social em constante evolução nas suas exigências na medida em que o ser humano evolui fraternalmente, fazendo com que a paz seja cada vez mais aquela desejada entre os homens por Jesus de Nazaré. 

Assim, no mundo do trabalho, é mister que ocorra uma evolução da justiça comutativa, permitindo que a empresa (cuja atividade econômica matriz bem sucedida é fundamental para a empregabilidade, sobretudo nos países em desenvolvimento, como o Brasil) se constitua em uma verdadeira comunidade de trabalho, com a participação dos trabalhadores nos lucros, na gestão e na propriedade, como preconizado pela Doutrina Social da Igreja Católica, especialmente pela encíclica Centesimus Annus (ccf. CA 35), do Santo Papa João Paulo II, e pelo filósofo, humanista e cristão, Jacques Maritain em sua obra O Homem e o Estado (Rio de Janeiro: Agir, 1956). 

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