A Casa do Migrante, celebrando 50 anos de atuação, é um verdadeiro símbolo da resiliência e da luta dos migrantes. Desde sua fundação, em 1974, tornou-se um refúgio e um suporte essencial para aqueles que buscam recomeçar suas vidas em um Brasil repleto de desafios.
As populações pobres do Brasil, na década de 1970, passavam por grandes dificuldades, como comunicação precária, transporte limitado, problemas de saúde e uma alta taxa de analfabetismo. A escassez de recursos e as políticas opressivas, especialmente em certas regiões do País, geravam um ambiente de desespero e desilusão. Nesse cenário, a migração interna se transformou em uma alternativa viável. Muitas pessoas, mesmo sem um endereço certo, aventuraram-se em busca de um futuro melhor, impulsionadas pela fé e coragem.
Grandes grupos migratórios, em sua maioria do Nordeste, deslocaram-se de forma precária para o Sudeste, especialmente em direção aos grandes centros urbanos, como o eixo Rio/São Paulo. Essa dinâmica resultou na formação de cidades e bairros com infraestrutura insuficiente, nos quais as carências enfrentadas nas regiões de origem foram apenas reproduzidas sob novas formas. A precariedade das condições de vida foi simplesmente transferida de um lugar para outro, perpetuando ciclos de dificuldade.
AVIM: a inspiração do Padre Alberto. Foi nesse contexto desafiador que o padre Scalabriniano Alberto Zambiazi se mobilizou para ajudar. Ele, junto a leigos e seminaristas, dedicou suas férias para percorrer o Brasil, conhecendo de perto a realidade vivida pelos migrantes. Sua experiência revelou a urgência de um processo educativo que capacitasse essas pessoas a enfrentar os desafios da vida nas grandes cidades.
Assim nasceu a AVIM (Associação de Voluntários pela Integração do Migrante), com a missão de criar programas de formação para os recém-chegados. Os primeiros espaços utilizados eram garagens e salões de igrejas, nos quais eram oferecidos cursos de qualificação e integração. O sucesso dessas iniciativas indicou a necessidade de um espaço mais estruturado e acolhedor.
Abertura aos Migrantes e Refugiados de todo o mundo. Hoje, a Casa do Migrante atende pessoas de diversas nacionalidades, com imigrantes e refugiados de 118 países. Esse espaço tornou-se um trampolim para muitos que buscam reconstruir suas vidas, oferecendo as condições necessárias para a autonomia e um acolhimento respeitoso. As exigências atuais são maiores do que aquelas enfrentadas no passado, especialmente devido à diversidade cultural e linguística dos migrantes que chegam. Essa diversidade, embora desafiadora, enriquece a experiência de todos os envolvidos e proporciona uma oportunidade única de aprendizado mútuo.
A Casa permanece aberta, recebendo espontaneamente migrantes que, muitas vezes, chegam devastados por conflitos políticos, desemprego e catástrofes naturais, que colaboram para a desestruturação de vínculos familiares, deixando-os vulneráveis.
O atendimento na Casa do Migrante. A notícia da existência da Casa se espalhou ainda mais ao longo das décadas. Na atual conjuntura, por meio das redes sociais, diversos migrantes são orientados, mesmo antes da saída de sua origem, sobre o endereço certo para o acolhimento. Chegam à porta da Casa com a certeza de que o melhor lugar para estar é aqui. Muitos solicitam acolhimento todos os dias. Ao chegarem, os migrantes são recebidos com dignidade. O processo de acolhimento envolve um primeiro contato que considera suas condições de vulnerabilidade. Após a chegada, eles são assistidos de forma integral, a começar por um atendimento social que inclui a criação de um prontuário.
Os migrantes têm a oportunidade de guardar seus pertences, tomar um banho e desfrutar de uma refeição, muitas vezes após dias de incertezas. O foco do trabalho é oferecer um olhar compreensivo e acolhedor, criando um espaço seguro onde os migrantes possam descansar e começar a planejar seus próximos passos. Com o passar dos dias, muitos começam a recuperar a autoestima e a se reintegrar socialmente. Embora no início haja resistência a sair do local devido à falta de familiaridade com o novo território, aos poucos, eles são convidados a participar de atividades e interações sociais que ajudam na construção de uma nova rede de apoio.
Na Casa, ocorrem encontros, amizades e reconexões entre compatriotas. As refeições se tornam momentos de partilha, em que histórias são contadas, alegrias são divididas e novas esperanças começam a florescer. Esse ambiente acolhedor transforma a Casa do Migrante em um espaço vital de acolhimento e apoio.
A Rede de Apoio. A Casa do Migrante não atua sozinha. Desde sua fundação, formou uma rede de apoio que inclui organizações governamentais e não governamentais. Essa colaboração é essencial para oferecer um atendimento de qualidade. Os migrantes são encaminhados a serviços públicos e privados, incluindo áreas jurídica, educacional, de saúde e cursos de português. Essa abordagem integral garante que, desde a chegada até a projeção de saída, os migrantes tenham acesso arecursos e apoio necessários.
A Casa se tornou conhecida mundialmente, especialmente por sua localização no centro de São Paulo. Muitos migrantes optam por permanecer, elogiando o tratamento que recebem. Frases como “Aqui é muito bom, somos bem tratados” ecoam pelos corredores, refletindo a atmosfera acolhedora e amigável.
Um Novo Lar. Na Casa do Migrante, os migrantes criam laços de amizade com a equipe e entre si. Embora o espaço possa parecer inicialmente estranho, logo se transforma em um local de renovação e alívio, registrado nas memórias de quem passa por ali. A equipe, com muita paciência e empatia, trata os migrantes com respeito, atenção e aceitação das diversidades que surgem ao longo da convivência.
Quando saem, muitos retornam para buscar pertences ou correspondências, ou simplesmente para matar a saudade. É comum ouvir na recepção comentários como: “Esta sempre vai ser a minha casa do Brasil”. Esses laços emocionais evidenciam o impacto duradouro que a Casa do Migrante tem na vida de seus hóspedes.
Conclusão. A Casa do Migrante é, portanto, um espaço vital de acolhimento e apoio, refletindo 50 anos de história marcada pela luta e pela solidariedade. Em um mundo que continua a desafiar os migrantes, a Casa permanece um farol de esperança, oferecendo um lugar onde cada história é valorizada e cada pessoa tem a oportunidade de reescrever seu destino. Por meio do acolhimento, da educação e do apoio comunitário, a Casa do Migrante não apenas atende necessidades imediatas, mas também se torna um verdadeiro lar onde as diferenças são celebradas e a dignidade humana é sempre priorizada. A história da Casa do Migrante é, assim, uma onda de solidariedade, de esperança e de força inquebrantável dos seres humanos em busca de um futuro melhor.
Por Padre Antenor João Dalla Vecchia e Márcia Araújo
Respectivamente, Diretor da Casa do Migrante e assistente social coordenadora da Casa do Migrante