Jacques e Raïssa: a fé que vai do amor conjugal até uma Declaração que marcou o mundo

Em um mundo com poucas referências, o pensamento de Jacques Maritain apresenta-se como modelo referencial, testemunho vivo da força do amor, da verdade e da coragem. Suas ideias formaram geração de católicos comprometidos com a justiça e o bem-comum em diversos países, além de terem contribuído decisivamente para a formulação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Este Caderno Fé e Cidadania é dedicado a ele e a sua inseparável esposa, Raïssa.

Arte: Sergio Ricciuto Conte

Em 2023, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, completa 75 anos. É relevante destacar que Jacques Maritain desempenhou um papel crucial na elaboração desse documento, ao sugerir a inclusão do princípio da dignidade da pessoa humana em sua totalidade.

Para um maior entendimento da contribuição de Maritain para a compreensão dos direitos humanos, conforme apresentada em Os Direitos do Homem e a Lei Natural, de 1942, tomamos como referência os ensinamentos do Padre José Carlos Brandi Aleixo, que afirmou o seguinte: “Jacques Maritain considera de suma importância, para a fundamentação dos direitos humanos, o correto entendimento da lei natural. Ela já aparece em numerosos autores antes do nascimento de Cristo. É a lei não escrita, (non scripta sed nata lex). Escreve ele a propósito: ‘A ideia de direito natural é uma herança do pensamento cristão e do pensamento clássico. Ela não decorre da filosofia do século XVIII que mais ou menos a deformou; procede antes de Grotius, e, antes dele, de Suarez e Francisco de Vitória; e mais longe de Santo Tomás de Aquino, de Santo Agostinho e dos Padres da Igreja, e de São Paulo; e, mais longe ainda, de Cícero, dos Estoicos, dos grandes moralistas da antiguidade e de seus grandes poetas, de Sófocles, em particular. Antígona é a heroína eterna do direito natural, a que os Antigos chamavam a ‘lei não escrita’, nome, aliás, que melhor lhe convém’”.

O francês Jacques Aimé Henri Maritain (1882-1973) resgatou os ensinamentos de Santo Tomás de Aquino para abordar os desafios próprios de sua época, propondo um humanismo integral. Com seu testemunho pessoal, evidenciou as consequências do amor à verdade. A partir dos anos 30, após um encontro pessoal com Pio XI, por convicção, obediência e fé, acolheu o pedido do Papa e passou a dedicar-se, além da metafísica, à Filosofia Política.

Assim, entre 1936 e 1948, emergem as obras Humanismo Integral (Cultor de Livros, 2015), Os direitos do Homem e a Lei Natural (José Olympio, 1967), um dos alicerces da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e O Homem e o Estado (Agir, 1966). Com elas, aborda os grandes problemas do mundo contemporâneo e a relação com a dignidade humana ao se perguntar: “De onde vem a dignidade da pessoa humana?”

Um pensador católico brasileiro, Alceu Amoroso Lima, afirmou sobre Maritain: “Ele, que nos revelou a profunda compatibilidade entre a inteligência humana e a verdade, agora nos revelava a adequação natural entre a liberdade e o bem comum. Havíamos confundido liberdade com liberalismo, autoridade com ditadura. Maritain, à luz dos princípios mais puros do direito natural e da filosofia tradicional, mostrava-nos como era necessário distinguir para unir” (Presença de Maritain – testemunhos. Editora LTr, 2012).

Em sua trajetória, Maritain contou com o papel fundamental de sua esposa e inseparável companheira, Raïssa. A religião desempenhou um papel central em suas vidas, sendo impossível imaginar a trajetória de Maritain sem essa união. A conversão de ambos foi sincera e profunda, em 1906. Alguns meses antes, Jacques e Raïssa, casados havia menos de dois anos, sentiram-se tremendamente angustiados pelo vazio do agnosticismo em que viviam. Ele mesmo narra, antes de sua morte: “Em 1906, Raïssa e eu fizemos um pacto, se não encontrássemos a verdade, algo que desse um sentido à vida, nós nos mataríamos. Nós vínhamos do agnosticismo” (Presença de Maritain – testemunhos). Após a morte de sua esposa, Maritain entrou para a Fraternidade dos Irmãozinhos de Foucauld, à qual ingressou, não para agir, mas, sim, para se preparar para a morte ao longo de 13 anos!

No Concílio Vaticano II, Maritain foi escolhido por São Paulo VI para representar os intelectuais.

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