Na política, o que nos divide?

“Todo reino dividido contra si mesmo será arruinado, e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá” (Mt 12,25). Lição importante, da qual os cristãos não deveriam se esquecer em tempos de polarização.

James Wheeler/Pexels

A polarização política não é algo novo. Após a Revolução Francesa, de 1789, na Assembleia Nacional Constituinte, os monarquistas, que apoiavam a manutenção da ordem estabelecida e os privilégios da nobreza, sentavam-se à direita e os revolucionários, que defendiam mudanças radicais, se sentavam à esquerda. Com o tempo, a direita ficou identificada com a defesa da liberdade individual, a preservação das hierarquias sociais e a economia de mercado; enquanto a esquerda se identificou com a igualdade, justiça social, mudanças radicais e a intervenção do Estado na economia. Mais recentemente, após o fim do comunismo na União Soviética e a crise das esquerdas tradicionais, se reforçou uma clivagem cultural, com a direita conservadora defendendo os valores da tradição ocidental (majoritariamente cristãos), enquanto a esquerda abraçou os valores progressistas da autonomia individual no confronto com as normas sociais e a defesa das minorias.

Na mudança de época. No século XX, era comum se falar no “mundo bipolar”, hegemonizado pelos Estados Unidos e a União Soviética. Com a queda do comunismo soviético, em 1991, passou-se a falar em um “mundo multipolar”, com vários países disputando hegemonia, como a China e os demais BRICS. Imaginava-se, igualmente, que haveria uma multiplicação das forças políticas, com o fortalecimento de novas propostas, como a dos partidos verdes.

A polarização voltou a se acirrar na última década, cada vez mais agressiva e virulenta. Vários fatores explicam esse acirramento. A esquerda autoritária entrou em crise com a queda da União Soviética, mas uma esquerda democrática, moderada, ascendeu no mundo ocidental por meio dos chamados Estados sociais, que buscam corrigir desigualdades sociais e econômicas, geralmente associadas ao capitalismo. Após décadas de relativa hegemonia, essa proposta política mostra sinais de exaustão, tais como a dificuldade de atender às demandas das classes médias, o custo excessivo da máquina pública e a falta de representatividade de suas lideranças, que não conseguem se reciclar. Enquanto no século XX a esquerda era a oposição crítica, que denunciava as contradições dos governos de direita, agora, com cada vez mais frequência, é a direita que se propõe a ser uma oposição crítica, denunciando as insuficiências dos governos de esquerda.

Além disso, no século XX, a esquerda, explorando as contradições da ordem social estabelecida, conseguiu a hegemonia nos meios de comunicação e nos sistemas educacionais. Porém, no século XXI, as redes sociais alteraram essa situação. Na grande imprensa e nas escolas, bem ou mal, as diferentes correntes ideológicas tinham de conviver minimamente – mesmo que cada jornal tivesse a sua linha editorial, tinha que tomar cuidado para não ficar desacreditado por apresentar notícias totalmente deturpadas. No mundo das redes sociais, cada um se informa pelas notícias que recebe de seus “amigos”, dos influenciadores que segue. A notícia que vem de outra fonte já é descartada de antemão, pois quem pensa diferente não é considerado digno de confiança. A direita soube aproveitar muito melhor esta situação atual, inclusive porque agora é ela que denuncia as contradições do adversário e que busca atrair a juventude desencantada com os fracassos do mundo adulto.

Ao sabor das emoções. Uma grande novidade das redes sociais e da internet foi a capacidade de medir a reação instintiva das pessoas a determinada mensagem. Ao medir o número de cliques recebidos por um post argumentativo ou por um anúncio publicitário, os algoritmos mostram o nosso subconsciente, nossos medos, incertezas, convicções e necessidades. Milhões de mensagens são lançadas no espaço virtual, mas aquelas que são capazes de magnetizar as audiências, de comover os corações e provocar reações são rapidamente identificadas. Nunca foi tão fácil manipular as consciências! Basta identificar o influenciador que diz o que as pessoas querem ouvir e prepará-lo para veicular a mensagem que se deseja disseminar.

É exatamente o inverso da ética das virtudes. A pessoa virtuosa não se deixa dominar por sua instintividade, que sabe nem sempre levar às melhores escolhas. Mas aqui somos orientados pela nossa instintividade e, depois, aderimos a um discurso supostamente racional que justifica nossas escolhas, em grande parte emocionais. Nas redes sociais, a insegurança, o descontentamento e até o medo diante de uma realidade tantas vezes frustrante e até ameaçadora gera a raiva – que nunca é boa conselheira.

Um sinal de unidade na construção do bem comum. No mundo bipolar do século XX, parecia óbvio de qual lado os católicos deviam estar. Foi o florescer dos partidos democrata-cristãos. Mas a própria Igreja foi dando-se conta dos perigos dessa proposta partidária: era comum um político dizer-se alinhado ao magistério católico só para ganhar votos e, depois, dar um enorme contratestemunho, além do que nenhum programa partidário podia ser considerado totalmente fiel à mensagem cristã. Assim, o Compêndio da Doutrina Social da Igreja explicita que é justo e até necessário que os cristãos procurem trabalhar juntos na esfera política, mas que as opções partidárias não devem ser impostas como decorrência da fé católica (cf. CDSI 573-574). Agora, espera-se que os cristãos estejam presentes em vários partidos, ajudando na construção de propostas conjuntas que ajudem a superar os problemas sociais. Mas muitas vezes parece acontecer exatamente o contrário… Os cristãos incorporam a polarização dominante, exacerbando-a.

O problema nasce, ao menos em parte, de uma leitura falha da Doutrina Social da Igreja. Ela não é um programa político-partidário ou uma plataforma ideológica. É uma reflexão de natureza teológica, mas que nasce da observação das experiências concretas do povo de Deus na busca de uma sociedade mais justa. Em consequência, muitas vezes, para uma mesma questão, encontramos soluções que parecem vir de posições até antagônicas. Não se trata de incongruência, mas sim da busca de uma visão integral dos problemas, do esforço para contemplar “todos os lados do poliedro”, como diria o Papa Francisco (cf. Evangelii gaudium, EG 236), acolher o bom e justo, venha de onde vier.

Além disso, frequentemente confundimos o princípio com as estratégias que devem ser empregadas para realizá-lo. A opção preferencial pelos pobres, por exemplo, é um princípio ético que deve comprometer todo católico. Como a sociedade deve se organizar para vencer o desafio da pobreza é uma questão política, com várias possibilidades de resposta. Assim, é natural que os cristãos optem por programas partidários diferentes, mas todos deveriam poder buscar juntos as melhores formas de fazer a opção pelos pobres em cada conjuntura específica.

Muitos influenciadores sociais, alguns até católicos, frequentemente fomentam a divisão, apresentando quem pensa diferente como estúpido ou mal-intencionado, desestimulando o diálogo fraterno e a construção da unidade. Mas esse não é o caminho cristão. Precisamos aprender, para o bem do mundo, a ser um sinal da necessária unidade na pluralidade política, aliando um olhar integral e realista sobre os problemas a um compromisso ético com a fraternidade e o bem comum.

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