A unidade entre os cristãos não é uma “ordem unida” militar, fruto de uma obediência moralista a uma autoridade central, ou o seguimento ideológico a políticos geniais. É mais como o compromisso afetivo que une irmãos com pensamentos diversos, diante do amor e da gratidão para com a mãe. É porque amamos e somos gratos à Mãe Igreja, que nos chamou à vida verdadeira em Cristo, que procuramos superar nossas diferenças e viver a unidade com nossos irmãos. No primeiro momento, pode parecer pouco eficiente politicamente; mas, com o tempo, veremos que as divisões partidárias favorecem a manipulação e levam à frustração, enquanto a unidade cristã mostra um caminho paciente, mas realista, de construção do bem comum.
A política, feita majoritariamente pelos partidos, que são “partes”, ideologicamente alinhadas, da sociedade, divide. Em muitas situações, encontramos a possibilidade da união de adversários para a construção do bem comum. Mas frequentemente, após um primeiro momento de unidade, advém o uso partidário dos esforços empreendidos – como temos visto na catástrofe socioambiental do Rio Grande do Sul. Para que a unidade perdure, temos que ter os olhos voltados para algo maior, que supere as divisões ideológicas e dê sentido ao esforço compartilhado de nos entendermos e construirmos consensos. Essa é a grande contribuição da unidade católica, que pode (se adequadamente vivida) superar as diferenças partidárias em prol do bem comum.
A Igreja não dá sua grande contribuição para a sociedade política quando torna cada lado do espectro ideológico ainda mais convencido de estar correto (isso fazem os manipuladores da consciência individual), mas sim quando ajuda os lados diferentes a reconhecerem seus erros e os acertos do adversário, permitindo que todos caminhem juntos para a construção do bem comum desejável e possível.
Uma inteligência que se revela no tempo. Em um primeiro momento, o caminho do diálogo frequentemente não parece o melhor. Cansados e desiludidos com as mazelas da política, com os injustos sofrimentos do povo e de nós mesmos, queremos respostas enérgicas, gestos decididos, punição para os culpados, justiça para os inocentes. Mas o encontro e a unidade implicam moderação nas acusações, entendimento dos argumentos opostos, concessões de parte a parte. Parece-nos uma postura débil, destinada a ser esmagada pelos maus…
Quando analisamos a história, percebemos que posturas violentas e extremas, na maior parte dos casos, com o tempo se revelam ineficientes e destinadas, quando muito, a substituir um mal por outro (ou, pior, apenas acrescentam novos males aos antigos…). Extremismos (de qualquer matiz ideológico) costumam ser autoritários e cegos aos próprios erros. Parecem ótimos enquanto estão na oposição, mas ruins depois de algum tempo no poder.
Já o diálogo e o trabalho paciente de fortalecer um povo – uma unidade que se baseia em valores compartilhados e que é capaz de acolher o diferente, compadecer-se com o que sofre, esforçar-se com paciência na construção do bem comum – pode não satisfazer nossa instintividade dolorida, mas se mostram o caminho mais sábio ao longo da história. Essa é, na verdade, a perspectiva política que anima o Papa Francisco, como salienta Rodrigo Guerra, especialista em Doutrina Social da Igreja e secretário do Pontifício Conselho para a América Latina (cf. Povo e Democracia no pensamento de Jorge Bergoglio, Caderno Fé e Cultura, 10/mai/2023). Com o tempo, percebemos os erros e os acertos tanto nossos quanto dos demais, criamos laços de fraternidade que permitem ações solidárias, bases sociais e institucionais para superar as injustiças.
Isto vale para cristãos e não cristãos, mas o Cristianismo nos dá algo a mais para aderirmos a essa análise racional: ao buscarmos caminhar em unidade, somos recompensados com uma percepção maior do que é o amor de Deus por nós, que se manifesta em seu desejo de unidade entre os fiéis e amor também aos infiéis… A construção da unidade é um convite para que nos entreguemos a essa Presença que quer acompanhar nossa vida, a essa certeza da qual brota a esperança que não decepciona.
Nas ações e nas obras, aprendemos a unidade. As ideias debatidas tendem a dividir, as ações compartilhadas tendem a unir. O diálogo mais efetivo e construtivo se dá a partir de ações e obras concretas com as quais procuramos realizar o bem comum e, quando somos cristãos, documentar nosso encontro com Cristo. O confronto entre ideias sempre acabará sendo ideológico, por sua própria natureza. São as experiências concretas (vividas diretamente por nós ou às quais tivemos acesso pela nossa comunhão com os que as vivem) que geram uma verdadeira unidade e que são oferecidas aos outros – como gestos de amor e de doação pelo bem do mundo, não como esforço para a conquista da hegemonia. Para isso, contudo, nossas ações e obras devem estar sempre abertas ao mundo, prontas a dialogar, mostrar seu valor e se deixar corrigir em seus erros.
A unidade e a visão integral dos princípios da Doutrina Social da Igreja. O compromisso com a unidade não é um sentimentalismo barato, mas um juízo consciente, motivado pelo amor e pela gratidão, que precisa desenvolver-se sob a forma de critérios claros. A Igreja aprendeu, com a história, que indicar institucionalmente candidatos e partidos não era uma posição inteligente (frequentemente, os mais corruptos se dizem de acordo com os princípios cristãos só para ganhar os votos dos fiéis). Contudo, entendeu, também, que seus princípios – enquanto critérios de discernimento político – eram fundamentais para construir uma verdadeira unidade cristã e uma justa posição diante dos desafios da realidade.
Muitas vezes, os princípios da Doutrina Social da Igreja são lidos de forma parcial pelos militantes partidários, enquanto devem ser vistos em sua unidade e integralidade. As ideologias nos dominam quando elegemos alguns princípios como mais importantes e deixamos outros em segundo plano, em nome de um falso realismo político. A integralidade do conjunto se perde diante da valorização ideológica de um princípio em relação ao outro.
O direito à vida, por exemplo, antecede a opção pelos pobres (só os vivos podem superar a pobreza), mas se a defesa da vida ignorar os desafios objetivos decorrentes da pobreza, não criará as condições necessárias para superar o aborto e a eutanásia. A opção pelos pobres é um compromisso ao qual todos os cristãos são chamados, mas não se pode, em seu nome, sacrificar a liberdade pessoal, sob o risco de criar uma ditadura na qual a dignidade da pessoa humana será negada e os pobres instrumentalizados. Quando olhamos só para um lado, perdemos a razão, nos tornamos vítimas fáceis da manipulação ideológica (que acontece tanto à esquerda quanto à direita) e acabamos nos afastando da Mãe Igreja, que nos permitiu o encontro com Cristo e sempre nos propõe a integralidade dos fatores que compõem a realidade.
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