“Nenhuma lei humana pode salvaguardar tão perfeitamente a dignidade pessoal e a liberdade do homem como o Evangelho de Cristo, confiado à Igreja. Pois este Evangelho anuncia e proclama a liberdade dos filhos de Deus; rejeita toda a espécie de servidão, a qual tem a sua última origem no pecado; respeita escrupulosamente a dignidade da consciência e a sua livre decisão; sem descanso, recorda que todos os talentos humanos devem redundar em serviço de Deus e bem dos homens; e a todos recomenda, finalmente, a caridade” (Gaudium et spes, GS 41). Todos os papas são chamados a proclamar essa verdade ao mundo.

Vivemos um momento difícil na cena internacional, em que as tensões estão exacerbadas. O martirizado povo ucraniano vive uma continua incerteza sobre seu futuro. No Oriente Médio, após os ataques terroristas a Israel, agora há destruição e morte dos habitantes da Faixa de Gaza convivem com aqueles que falam em transformar a área na “nova Riviera”, após a expulsão total dos palestinos. O drama da não aceitação de refugiados e imigrantes está se intensificando em vários países. Muitas outras tensões sociais são adicionadas aqui e ali.
É como se um vírus se espalhasse pelos mais variados ambientes. Vírus com grande capacidade de adaptação e com forte penetração nos mais variados grupos. O vírus da fratura, da violência explícita ou encoberta, da força que substitui o direito e a bondade. A política, sempre habitada por interesses de vários tipos, em certos momentos da história, como o atual, é inundada por uma poluição que, entre outras coisas, entorpece a razão e neutraliza o coração.
Francisco, “pároco” de toda a humanidade. Ser “pároco da humanidade” não é um título pontifício oficial. Mas, com toda a sua imperfeição, essa expressão sublinha a paternidade com que Francisco abraçou, não só a Igreja Católica, mas o mundo inteiro. Um pai ama todos os seus filhos e, especialmente, procura abraçar os mais distantes ou feridos. Assim age Francisco…
Ele entrará para a história como um corajoso defensor de um aspecto fundamental da verdade do ser humano revelado em Jesus Cristo: todos temos a mesma dignidade e todos somos chamados a viver juntos como irmãos e irmãs. Nenhuma resposta aos desafios sociais pode ignorar este dado, que é o legitimador fundamental de qualquer Estado de direito, de qualquer sociedade verdadeiramente solidária e democrática.
Como Francisco disse recentemente: “Nós, cristãos, sabemos muito bem que, somente afirmando a dignidade infinita de todos, nossa própria identidade como pessoas e como comunidades atinge a maturidade […] A pessoa humana não é um mero indivíduo, relativamente expansivo, com alguns sentimentos filantrópicos! A pessoa humana é um sujeito digno que, por meio da relação constitutiva com todos, especialmente com os mais pobres, pode amadurecer gradualmente na sua identidade e vocação. A verdadeira ordo amoris que deve ser promovida é aquela que descobrimos meditando constantemente a parábola do “Bom Samaritano” (cf. Lc 10,25-37), isto é, meditando sobre o amor que constrói uma fraternidade aberta a todos, sem exceção. A preocupação com a identidade pessoal, comunitária ou nacional, além dessas considerações, introduz facilmente um critério ideológico que distorce a vida social e impõe a vontade dos mais fortes como critério de verdade” (Carta aos Bispos dos Estados Unidos, 2025).
Todos os papas concordariam com esta posição de Francisco. São João Paulo II, por exemplo, em sua mensagem quaresmal de 1982, trata diretamente dessa mesma questão. Por outro lado, como filósofo, Karol Wojtyla, de certa forma, abordou a mesma questão formulando a validade universal da norma personalista de ação: Persona est affirmanda propter seipsam! (A pessoa deve ser afirmada por si mesma). Deve-se amar a pessoa e nunca usá-las como um mero meio! Este princípio moral não admite exceções e está na base da atual crítica pontifícia à “cultura do descarte”.
Seguir o Pontífice, com amor. O Papa é o Pastor universal, o principal sinal da unidade eclesial, quem garante a correta interpretação do Evangelho. É necessário evitar opor-se ao Magistério do Santo Padre, isolando frases ou citações de uma compreensão integral de como a doutrina do amor foi ensinada na Tradição Apostólica e ao longo da história do Cristianismo.
É muito fácil ser fiel ao papa, a qualquer papa, quando acredito que ele concorda com minhas ideias, com meus preconceitos e com minha maneira subjetiva de entender a fé. No entanto, o Sucessor de Pedro é guardião da objetividade da fé. Ele nos educa e nos corrige. O papa, seja ele quem for, é a ajuda providencial que Deus dá para guiar a Igreja ao longo da história.
Referindo-se àqueles aspectos da doutrina que não são proclamados como verdades de fé infalíveis e imutáveis, que constituem a base da doutrina católica, o cânon 752 do Código de Direito Canônico diz: “Ainda que não se tenha de prestar assentimento de fé, deve-se contudo prestar-se obséquio religioso da inteligência e da vontade àquela doutrina que quer o Sumo Pontífice, quer o Colégio dos Bispos, enunciam ao exercerem o magistério autêntico, apesar de não terem intenção de proclamá-la com um ato definitivo; façam, portanto, os fiéis por evitar o que não se harmonize com essa doutrina”.
Já São Pio X escrevia: “E como devemos amar o Papa? Non verbo neque lingua, sed opere et veritate (Não em palavras ou pela língua, mas em ações e em verdade). Quando você ama uma pessoa, tenta se conformar com seus pensamentos em tudo, interpretar e realizar seus desejos. E se Nosso Senhor Jesus Cristo disse de si mesmo: si quis diligit me, sermonem meum servabit (se alguém me ama, guardará a minha Palavra), então para mostrar nosso amor ao Papa é necessário obedecer-lhe” (Discurso aos sacerdotes da União Apostólica, 18/nov/1912).
Uma voz que proclama o amor e a verdade. Assim como somos gratos pelo dom de São João Paulo II ou do Papa Bento XVI, hoje somos chamados a abraçar a pessoa e o ensinamento do Papa Francisco, que, como os demais, tem o enorme mérito de nos convidar a uma recepção mais profunda do Evangelho e do Concílio Vaticano II.
O Papa Francisco é um dos poucos líderes mundiais que, com caridade, mas também com clareza, nos ajuda a descobrir nossa verdade. A verdade sobre as razões da esperança, mas também a verdade sobre a nossa mesquinhez. Sua voz corajosa em favor de todos, especialmente dos mais frágeis e vulneráveis, não se baseia em um “bonismo” simplório. Pelo contrário, parte da convicção de que o verdadeiramente humano e cristão na vida pessoal e social é fazer uma opção radical pela fraternidade, que não deixa de ser outro nome para a caridade, uma virtude teologal que nos permite construir com paciência uma sociedade mais inclusiva e pacífica, sem trair a verdade e a justiça.
Quanto precisamos da sua pessoa e da sua voz, Papa Francisco!
Muito bom esse artigo! Gosto muito do jornal “O São Paulo” – Parabéns pelo trabalho que vocês fazem…