No final de 2024, um pequeno grupo de católicos com responsabilidades políticas, pertencentes a diferentes países e com posicionamentos políticos até opostos*, se reuniu com o objetivo de elaborar um Manifesto pela dignidade da política a serviço do bem comum. Que elementos em comum essas pessoas, de origens e compromissos diversos, poderiam encontrar a partir da fé católica compartilhada? A seguir apresentamos alguns dos principais trechos do documento.

Estamos conscientes do descrédito da política e dos políticos e do perigoso descontentamento com as instituições democráticas. De nossa parte, na esteira da encíclica Fratelli tutti (FT), que nos convida à “melhor política” longe do imediatismo e capaz de “reconhecer cada ser humano como irmão e buscar uma amizade social que integre a todos” (FT 180), queremos acabar com as trincheiras que nos confrontam e desencantam as novas gerações. Aspiramos mais à fecundidade ética e social do que aos sucessos dos “nossos” […] Por isso, após o diálogo e o trabalho em conjunto, queremos compartilhar com aqueles que exercem a liderança social e política de nossa sociedade o convite a cultivar algumas atitudes e compromissos:
ATITUDES que salvaguardem a dignidade ética da política
Contemplar a realidade em profundidade […] As democracias de hoje, caracterizadas por sua “liquidez”, precisam de estabilidade e bases sólidas para serem sustentáveis. A corrupção continua a ser um câncer que trai a ética e a justiça social, destruindo a confiança cidadania dos cidadãos. A cultura do descarte, na qual os mais vulneráveis são excluídos, nos mostra que o progresso não pode vir à custa de ninguém. O clima de confronto político e os comportamentos maniqueístas impedem o diálogo e a cultura do encontro e da convivência amistosa. Devemos superar o imediatismo, a manipulação e o populismo.
Dar centralidade às periferias. Em um mundo em que as concentrações de poder e recursos estão se tornando mais agudas […] a opção preferencial pelos pobres é um mandato que não perdeu sua validade, ainda mais agora, em que os recursos materiais e técnicos permitiriam dar uma resposta satisfatória ao escândalo da miséria e da fome e caminhar para desenvolvimento integral de todos.
Refletir sobre o contexto cultural. A supervalorização do individualismo enfraquece os laços comunitários e exacerba a fragmentação social. Enfrentamos ameaças globais, como as mudanças climáticas e a guerra, bem como uma crise da verdade, do relativismo e do niilismo, que colocam em risco nossa percepção da realidade e corroem os fundamentos éticos e a busca do bem comum […] A desvalorização do universo religioso […] ameaça deixar o ser humano órfão de sentido em um momento de fortes dilemas morais e diante do surgimento de novas questões sem precedentes.
Discernir sobre o contexto político-social. Apesar de alguns avanços democráticos, a regressão autoritária e o populismo ameaçam a estabilidade democrática […] É essencial uma democracia ética que promova os valores e os direitos humanos. A polarização entre lideranças populistas e extremistas desfigura a noção de “povo” e distorce os fundamentos de uma sociedade inclusiva […] Temos de garantir o Estado de direito e a divisão de poderes como elementos-chave para evitar o câncer da corrupção […]
Julgar com critérios sólidos a partir de uma fé que não é imposta. Nós, que cremos, […] acreditamos que a dignidade humana não é negociável e deve ser a pedra angular de qualquer ação política. Isso nos leva a favorecer uma cultura da vida que cuida dela ao longo de todo o seu desenvolvimento e que busca dar-lhe qualidade em toda a sua extensão. A religião não pode ser instrumentalizada para fins políticos em qualquer direção. Reconhecemos seu papel na elevação dos padrões éticos de uma sociedade e rejeitamos qualquer forma de neoconfessionalismo, bem como qualquer recuo para o reino da autoconsciência [N.d.E.: os autores referem-se aqui à negação da laicidade do Estado, de um lado, e a negação do direito de existência da identidade pública cristã, por outro. Sobre esse tema, ver o Compêndio de Doutrina Social da Igreja, CDSI 571).
COMPROMISSOS que podem deixar este mundo um pouco melhor
Resgatar o valor da verdade. “Podemos procurar juntos a verdade no diálogo, na conversa tranquila ou na discussão apaixonada. É um caminho perseverante, feito também de silêncio e sofrimento, capaz de recolher pacientemente a longa experiência das pessoas e dos povos” (FT 50). Para isso, é necessário discernir com sabedoria e aceitar colocar em segundo plano os interesses pessoais e corporativos. Somente a verdade nos liberta. Só ela facilita um caminho de fraternidade, local e universal, que pode ser percorrido por espíritos honestos, verdadeiros e livres […]
Agir com compromisso e responsabilidade. Devemos promover os princípios da Doutrina Social da Igreja: dignidade, bem comum, destino universal dos bens da terra, solidariedade, subsidiariedade e participação […] Promovendo a bondade e o bom exemplo na política, recuperando sua vocação de serviço com humildade e responsabilidade, faremos do diálogo o motor para unir as diferenças, priorizando a escuta e o respeito.
Promover uma responsabilidade cidadã. O princípio da participação exige que não esperemos tudo do Estado; o tecido social, aliado ao Estado e ao mercado, pode gerar transformações significativas em direção a uma sociedade mais justa e pacífica. Devemos gerar pactos e processos de educação para a responsabilidade e o compromisso ético que coloquem a pessoa humana no centro.
Acreditar na “política melhor”. Uma política nobre deve assumir o pluralismo de opções e não demonizar quem pensa diferente, estando sempre comprometida com a liberdade de expressão. Deve ser capaz de concordar nas divergências e disposta a “desencadear processos cujos frutos serão colhidos por outros, esperança colocada na força secreta do bem que se semeia […] com a convicção de que cada mulher, cada homem e cada geração encerram em si uma promessa que pode irradiar novas energias relacionais, intelectuais, culturais e espirituais” (FT 196). Deve educar para a abertura e o acolhimento, especialmente para com os mais vulneráveis, e buscar novas formas de economia e política a serviço do ser humano, protegendo nossa casa comum com estilos de vida sustentáveis.
*ASSINAM O MANIFESTO:
Argentina: Lucas Fiorini (ex-senador); Colômbia: Clara López Obregón (senadora); Costa Rica: Miguel Ángel Rodríguez Echeverria (ex-presidente); Espanha: Gonzalo Robles Orozco (senador), Ángel Garrido García (ex-prefeito de Madri), María Pilar Sánchez Álvarez (vereadora), Ignacio de Benito Pérez (vereador), José Luis Nieto Bueno (vereador), Carmen Sánchez Carazo (ex-vereadora), Carlos García de Andoin (vice-presidente da Liga Internacional de Socialistas Religiosos); Guiné Equatorial: Teresa Efua Asangono (senadora); Haiti: Joseph Harold Pierre (consultor de organismos internacionais); Itália: Rocco Buttiglione (ex-deputado), Paola Binetti (ex-senadora); México: Víctor Hugo Sondón Saavedra (ex-deputado), José Antonio Rosas Amor (diretor da Academia Internacional de Líderes Católicos); Uruguai: Rodrigo Goñi (deputado).