100 milhões de refugiados

O Papa Francisco e a ONU alertam para o crescimento do número de refugiados em todo o planeta. As estatísticas mais recentes do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) apontam para a cifra de 100 milhões. Pessoas forçadas a deixar o próprio país, devido particularmente a quatro fatores entrelaçados: a) conflitos na área das disputas políticas; b) diferenças de ordem religiosa ou étnica; c) guerras deflagradas, não raro, por motivações ideológicas; e d) catástrofes decorrentes das mudanças climáticas – por vezes, mais de um desses fatores ao mesmo tempo. 

Convém, de início, não perder de vista o mapa das nações que mais têm “produzido” refugiados em massa. Entre estes últimos, em senso estrito e os deslocados internos, por ordem de grandeza, temos Ucrânia (mais de 8 milhões), Síria (cerca de 6 milhões), Venezuela (em torno de 5 milhões), Sudão do Sul (entre 2 e 3 milhões). Além disso, na casa de 1 milhão, pouco mais pouco menos, estão Etiópia, Nigéria, Mianmar, Iêmen, Afeganistão e Moçambique… Não podemos deixar de lado, ainda, os povos que nem sequer possuem território, como é o caso dos palestinos e dos curdos, por exemplo, que há tempos lutam, respectivamente, contra o monopólio de Israel e da Turquia. 

Depois, citando novamente o Papa, tampouco podemos perder de vista as duas encíclicas por ele publicadas: Laudato si’ (2015) e Fratelli tutti (2020). Ambas pressupõem o contexto trágico de uma “terceira guerra mundial” dispersa, como tem repetido com frequência o Pontífice. Enquanto a primeira chama a atenção para o uso incorreto e indiscriminado dos recursos que a natureza coloca à disposição da vida, comprometendo assim a “nossa casa comum”, a segunda propõe romper com “as sombras de um mundo fechado”, no sentido de “gerar e pensar um mundo aberto”. 

Trata-se de passar da multiculturalidade à interculturalidade. Não basta a coexistência pacífica, mas justaposta, entre etnias, culturas, povos e nações. Não basta a tolerância em relação ao outro, ao diferente e ao estranho. O desafio é mais profundo, exige a coragem do encontro e do confronto, do diálogo e da solidariedade. Espelhando-se uma na outra, as distintas culturas, longe de empobrecerem, ajudam-nos reciprocamente a depurar e purificar os valores e contra-valores de cada trajetória humana. Só esse caminho do intercâmbio dinâmico pode nos conduzir a um mútuo enriquecimento. 

Por fim, mas não em último lugar, resta a tarefa empenhativa e gigantesca de romper com esse imenso arquipélago de “bolhas” que é o mundo atual. No pano de fundo da crise, da violência, do caos e até da barbárie, cada pessoa, grupo, povo, organismo ou instituição desenvolve a tendência de se proteger na sua própria “bolha”, tanto mais hermética quanto maior o medo e o ódio. Isoladas, as partes se encerram sobre o próprio umbigo. Predominam os interesses dos “de dentro”, frente aos “de fora”. Cultiva-se um egoísmo doentio que vê os demais como inimigos a serem combatidos. Daí à guerra aberta a distância é muito curta. 

O individualismo exacerbado dos tempos contemporâneos, em lugar de comunidades, costuma multiplicar guetos. O gueto é fechado em si mesmo, ergue muros de proteção, gera hostilidades de ambos os lados. A comunidade, ao contrário, permanece aberta a quem bate à porta. Abate os muros e cria pontes. Sempre há lugar para mais um à mesa, como demonstram os retratos do Cristianismo primitivo (cf. At 2,42-47; 4,32-37). 

Padre Alfredo José Gonçalves, CS, pertence à Congregação dos Missionários de São Carlos (Scalabrinianos). 

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